A Cronologia da Monarquia de Israel

Este post é sobre o início da monarquia israelita.

A cronologia da Monarquia Antiga em Israel não é mais segura do que a de períodos anteriores. Só no período da Monarquia Dividida é que temos condições de relacionar alguns acontecimentos bíblicos com datas estabelecidas a partir de listas de reis assírios e babilônios, sendo que no caso destes últimos é possível chegar a datas bem exatas pelo fato de às vezes serem mencionados eclipses lunares e solares.

Duas datas que podem ser estabelecidas com razoável confiança são 853 a.C. para a batalha de Qarqar, em que o rei Acabe de Israel esteve envolvido, e 841 a.C. para o pagamento de tributo por Jeú ao rei assírio Salmaneser III. Com base nessas datas e na informação cronológica relativa encontrada nas fórmulas régias dos textos bíblicos, podemos estimar de modo razoável as datas referentes aos reis de Israel e Judá após a divisão do reino.23 Quanto aos reis da Monarquia Unida, geralmente se aceita que o reinado de Salomão provavelmente terminou por volta de 930 a.C.24 Caso se atribua a Salomão um governo de quarenta anos (lRs 11.42), sua ascensão ao trono teria ocorrido por volta de 970 a.C., os quarenta anos de reinado de Davi (2Sm 5.4) teriam começado por volta de 1010 a.C. e assim por diante.

Com frequência também se supõe que Saul reinou aproximadamente quarenta anos, mas essa suposição não se baseia em nenhuma informação específica existente no AT, e sim em uma leitura de Atos 13.21. Como ocorre com o período dos juizes, a primeira impressão é que números como 40 podem indicar algarismos simbólicos ou paradigmáticos. No caso de Davi, porém, chega-se a seus quarenta anos de governo mediante a soma de sete anos e meio de reinado em Hebrom e 33 anos de reinado sobre todo Israel (2Sm 5.5; lR s 2.11; comp. 2Sm 2.11). Parece, então, que o melhor é supor que o reinado de Davi durou quarenta anos e que o de Salomão provavelmente durou o mesmo tempo. Mas o que dizer do reinado de Saul? Parece que a fórmula régia de Saul é apresentada em ISamuel 13.1, entretanto, conforme as traduções a seguir indicam, a interpretação desses versículos não é clara:

Saul tinha […] anos quando começou a reinar, e reinou […] e dois anos sobre Israel (NRSV).
Saul subiu ao trono e reinou dois anos sobre Israel. (CNBB).
Saul tinha [trinta] anos de idade quando começou a reinar, e reinou sobre Israel [quarenta] e dois anos (NVI).

Poucos versículos de ISamuel deram origem a tantas teorias interpretativas como esse. Das três traduções citadas, a NRSV é a que mais se aproxima do texto hebraico, embora, é claro, este último não tenha reticências. A NRSV também reflete a suposição comum de que 13.1 deve ter perdido os numerais em dois lugares ou os numerais nunca chegaram a ser escritos no texto. Contudo, os algarismos não são totalmente inexistentes, pois o texto hebraico inclui o número “dois” para indicar a duração do reinado de Saul. Embora alguns defendem que o reinado de Saul tenha durado apenas dois anos (uma ideia refletida na tradução da CNBB), isso parece muito improvável por várias razões. A NVI acompanha certos manuscritos da LXX ao indicar que Saul tinha “trinta” anos de idade quando se tornou rei. Mas, traduzido em sua forma atual, o texto hebraico diz: “Saul tinha um ano de idade [lit. era filho de um ano] quando se tornou rei, e reinou dois anos sobre Israel”. É claro que esse sentido é impossível, a menos que suponhamos que o autor não esteja falando da idade real de Saul quando subiu ao trono, nem da duração de seu reinado, mas de alguma outra coisa — por exemplo, talvez um ano tenha transcorrido entre a unção de Saul, quando foi “transformado em outro homem” (ISm 10.6), e sua confirmação como rei (11.15— 13.1); e talvez dois anos tenham se passado desde o momento da confirmação de Saul até sua rejeição definitiva por Deus no capítulo 15. Conforme veremos ao analisar o reinado de Saul, depois do capítulo 15, aos olhos de Deus, ele não é mais rei por direito, embora se apegue ao trono por alguns anos.

Quanto à duração de fato do reinado de Saul, a única declaração bíblica aparece em Atos 13.21 (“Então pediram um rei, e, durante quarenta anos, Deus lhes deu como rei Saul, filho de Quis, homem da tribo de Benjamim”). Entretanto, a expressão “como rei” não aparece no texto grego de Atos 13.21, e pode muito bem ser que os “quarenta anos” se refiram ao tempo somado das administrações de Samuel e Saul (assim como os “quatrocentos e cinqüenta anos” de A t 13.20 parecem ser uma referência ao tempo no Egito, à peregrinação no deserto e pelo menos ao início da conquista de Canaã [v. 17-19] ou, de acordo com a tradição textual bizantina, ao período de juizes até o tempo do início da magistratura de Samuel).30 Com base na lógica e nos dados bíblicos indiretos disponíveis, um remado de aproximadamente vinte anos de Saul parece fazer sentido. Sabemos o seguinte: Davi tinha 30 anos de idade quando se tornou rei em Hebrom e 37 anos e meio quando, após a morte de Isbosete, passou a reinar sobre todo Israel (2Sm 5.4,5); Isbosete tinha 40 anos de idade quando se tornou rei sobre as tribos do norte e governou apenas dois anos antes de ser assassinado (2Sm 2.10).

É lógico, então, que Isbosete devia ser pelo menos cinco anos mais velho do que Davi. Supondo que Jônatas era mais velho do que seu irmão Isbosete (cf. ISm 20.31, passagem em que Saul considera Jônatas o primeiro na linha sucessória; e observe-se também que Jônatas aparece em primeiro lugar nas listas dos filhos de Saul em ISm 14.49 e 31.2), é possível que fosse dez anos mais velho do que Davi. Se supusermos que os acontecimentos de ISamuel 13 transcorrem no início do reinado de Saul (conforme a organização do texto parece indicar), então Jônatas, que em 13.2 é comandante de tropas, devia ter pelo menos 20 anos quando Saul começou a reinar. Saul teria pelo menos 40 anos, e Davi, uns 10. Uma vez que Davi se tornou rei aos 30 anos, logo após a morte de Saul, então, por uma simples subtração chegamos a um reinado de Saul de cerca de vinte anos. Isso está de acordo com a duração do reinado de Saul apresentada por Josefo em Antiguidades judaicas 10.143. Em Antiguidades judaicas 6.378, Josefo afirma que Saul reinou dezoito anos durante a vida de Samuel e “dois e vinte” depois, mas tanto com base na crítica textual quanto na lógica, o numeral “vinte” é bem duvidoso (isso faria com que Davi tivesse apenas 8 anos de idade por ocasião da morte de Samuel).

Tendo em mente as inúmeras incertezas analisadas anteriormente, chegamos a uma cronologia provisória e aproximada do período da Monarquia Unida. Se o reinado de Salomão terminou em 930 a.C. e se os quarenta anos de reinado tanto de Davi quanto de Salomão não são simples números paradigmáticos (o que parece correto ao menos no caso de Davi), então podemos pressupor que o reinado de Davi em Hebrom teve início por volta de 1010 a.C. e que seu nascimento ocorreu por volta de 1040 a.C. Outras datas encontradas na tabela 8.1 são estimativas gerais baseadas em suposições como o reinado de Saul de aproximadamente vinte anos, Samuel com talvez 70 anos de idade no início do reinado de Saul (comp. a declaração de que Samuel “envelheceu” em lSm 8.1 com a descrição parecida de Davi em lR s 1.1, quando este tinha 70 anos), Jônatas tendo pelo menos 20 anos no início do reinado de Saul etc. Com base em tal raciocínio, é possível propor a cronologia hipotética da tabela 8.1, a qual oferece, porém, apenas um quadro de referência bem geral (pontos de interrogação indicam as datas mais hipotéticas). Deve-se ler todas as datas como “por volta de (…) a.C.”

Um estudo recente realizado por K. Kitchen reforça ainda mais a credibilidade da descrição bíblica do império de Davi — conforme a definição apresentada. Kitchen defende que o período de Davi e Salomão, embora tenha sido claramente uma época de “eclipse das grandes potências” (i.e., alguma recessão no caso do Egito e da Assíria e o fim do Império Hitita), não foi uma ‘“era de trevas’ por todo o mundo antigo”, ao contrário do que afirmou, por exemplo, J. M. Miller. Em vez disso, o período viu o florescimento temporário de “mini-impérios” que abrangiam uma área central além de territórios conquistados e aliados subjugados. Baseando-se em dados bíblicos e extrabíblicos dos séculos 12 ao 10 (em especial textos hieroglíficos hititas e cuneiformes mesopotâmicos), Kitchen identifica na Idade do Bronze Recente três desses “mini-impérios” que existiram no Levante — Tabal, no sudeste da Anatólia; Carquemis, nos dois lados da curva ocidental do rio Eufrates, no norte da Síria; e, subsequentemente, Aram-Zobá, começando pelo território pátrio no vale de Beqa’, estendendo-se, por meio de conquistas, para o nordeste, em direção ao Eufrates, e para o sul, em direção a Maacá e Gesur, incluindo aliados subjugados em Aram-Damasco, a leste, e Hamate, ao norte. Tendo em vista a presença desses três mini-impérios no período em análise, não poderia ter existido um quarto, um mini-império com território extenso, mas de duração relativamente curta, a saber, a monarquia unida de Israel sob a liderança de Davi e Salomão? Kitchen conclui:

A região controlada por Davi abrangia: 1) as áreas centrais de Judá e Israel (mas não da Filístia), 2) os reinos transjordanianos conquistados de Edom, Moabe e Amom , além de Aram-Dam asco e Zobá como vassalos tributários, 3) Hamate (chegando até o Eufrates) como u m aliado subjugado. Esse quarto mini-império também não estava destinado a durar muito tempo: no máximo quinze ou vinte anos sob a liderança de Davi (fundado nas duas últimas décadas de seu reinado) e, provavelmente, não muito mais de quarenta a cinquenta anos em sua duração total. Ele acabou caindo nas últimas décadas do reinado de Salomão (Hadade em Edom, Rezomem Damasco [bloqueando o acesso a Hamate] etc.). Depois disso, a era de mini-impérios no Levante estava terminada. Durante o período de cem anos, desde 950 até 850 a.C., ninguém da região obteve supremacia no Levante, em bora Aram-Damasco tenha repetidas vezes tentado tom ar o controle; de 850 a.C. em diante, o crescente controle assírio a partir da Mesopotâmia praticamente acabou com todas essas aspirações, exceto as ambições mais locais. Por fim, os assírios e os neobabilônios eliminaram não apenas as aspirações, mas quase a totalidade dos próprios reinos locais.

Tendo em mente essas comparações e convergências, podemos concluir que é totalmente plausível o conceito de um império davídico conforme definido na Bíblia e que é possível demonstrar com segurança a falsidade da noção de que esse império é uma retroprojeção anacrônica do período pós-exílico. Essa conclusão não implica alegar que a existência do império davídico foi comprovada, mas, de qualquer maneira, quando se descarta a narrativa bíblica, fica difícil imaginar o que poderia se constituir em uma prova.

A CRONOLOGIA DA MONARQUIA POSTERIOR EM ISRAEL

A cronologia fornecida no livro de Reis (da qual Crônicas também depende) é apenas relativa. Isso quer dizer que só há informações sobre quando os monarcas reinaram em relação a outros reis. O texto não declara (o que é muito natural) quando eles reinaram usando nosso calendário moderno como referência. Nosso primeiro passo ao apresentarmos uma cronologia “absoluta” para esse período da história israelita é levar em conta dados de registros assírios, especificamente da crônica limmu, que relaciona epônimos assírios (oficiais cujos nomes foram usados para designar os sucessivos anos do calendário assírio) de meados do nono século a.C. até o fim do oitavo século a.C. junto com uma nota breve sobre um acontecimento específico ocorrido naquele ano. Um desses acontecimentos específicos, ocorrido no ano cujo epônimo foi Bur-Sagale, foi um eclipse solar — cuja data, conforme nosso calendário moderno, os astrônomos há muito tempo identificaram como 15 de junho de 763 a.C. A partir dessa informação, tendo 763 a.C. como ponto de referência, podemos avançar e retroceder no tempo, relacionando a crônica limmu com outras informações provenientes de fontes como listas de reis e inscrições régias que descrevem campanhas militares de acordo com o ano de reinado (primeiro, segundo etc.) do monarca, a fim de chegar a uma cronologia relativamente segura do Império Assírio, pelo menos do período de maior interesse para nós agora (a época da Monarquia Posterior em Israel). Portanto, identificar as ocasiões em que há referências cruzadas entre textos bíblicos e extrabíblicos (e.g., quando um rei assírio é mencionado na Bíblia ou quando registros assírios citam uma campanha militar também relatada na Bíblia) e com base nisso estabelecer uma relação aproximada entre a cronologia do Império Assírio e as principais fontes de nossa história de Israel não é uma tarefa extremamente difícil.

Mesmo assim, elaborar uma cronologia exata de Israel no período da Monarquia Posterior está longe de ser uma questão simples. A estrutura básica da cronologia absoluta desenvolvida pelo meio descrito anteriormente é muito útil, pois proporciona algumas datas seguras em nosso mapa cronológico com base nas quais podemos avançar e retroceder na narrativa das fontes bíblicas. No entanto, são relativamente poucas as ocasiões em que há um cruzamento direto entre registros assírios e babilônicos e os textos bíblicos. Por isso, embora seja certo que esses registros confirmem o testemunho do livro de Reis quanto à sequência dos reis de Israel e Judá, não são de muita ajuda quando fazemos perguntas mais precisas sobre as datas de reinado desses reis. Para essa informação, dependemos totalmente da própria cronologia bíblica, que apresenta certas dificuldades se buscamos exatidão.

Podemos tomar como exemplo a seção de Reis que cobre o período desde a morte de Acabe até a ascensão de Jeú ao trono do Reino do Norte de Israel (lR s 22.51—2Rs 9.26). As fontes externas dão a entender que Jeú, o assassino de Acazias de Judá e de Jorão de Israel, já devia estar no trono de Israel em 841 a.C. para ter condições de, naquele ano, pagar tributo ao rei assírio Salmaneser III.1S Também sugerem que um rei anterior de Israel, Acabe, ainda devia estar no trono em 853 a.C. para poder lutar ao lado do rei de Damasco contra o mesmo rei assírio, Salmaneser III. Se Acabe morreu em combate contra esses mesmos arameus de Damasco, conforme descrito em IReis 22, então é provável que tenham se passado pelo menos alguns meses para que Acabe deixasse de ser aliado e se tornasse inimigo de Damasco. E possível que esses poucos meses também fossem parte do ano 853 a.C. e que foi nesse ano que Acabe morreu e seu filho, Acazias, o sucedeu. Contudo, 852 a.C. é talvez a conjectura mais provável. Se, porém, calcularmos esses números, subtraindo 841 de 853 ou 852 e utilizando o cálculo inclusivo, chegaremos a um total de doze ou treze anos para o período interveniente. Mas os autores de Reis dizem que, nesse período, Acazias reinou dois anos, e seu sucessor, Jorão, doze anos (lR s 22.51 e 2Rs 3.1), cuja soma dá um total de quatorze anos — número grande demais para o espaço de tempo disponível. Como explicar esse número quatorze? Mesmo sem as datas dos registros assírios para nos impelir a fazer essas perguntas, seriamos levados a fazê-las com base nos dados internos de IReis 22.51 e 2Reis 3.1. A primeira passagem afirma que Acazias subiu ao trono no ano dezessete de Josafá de Judá, e a segunda afirma que Jorão sucedeu Acazias no ano dezoito de Josafá, mas, dezoito menos dezessete é um e não dois. Ao que parece, nem mesmo os autores de Reis queriam que entendêssemos que os “dois anos” de Acazias foram “dois anos inteiros”. Com esse exemplo e a sugestão adicional de uma cronologia mais breve fornecida pelas fontes externas disponíveis, temos então de indagar se os “doze anos” de Jorão são mais bem entendidos como um período exato. Essa pergunta é importante, visto que até mesmo uma ligeira redução na aparente duração dos reinados de Acazias e Jorão de “dois anos”e “doze anos” levaria os dados bíblicos e externos (que não divergem tanto afinal) à plena harmonia. Será possível que cronologistas antigos tenham utilizado respectivamente “dois anos” e “doze anos” para indicar períodos que na realidade foram um pouco menores? Fica claro que a resposta a essa pergunta é afirmativa. A questão se refere, em parte, ao momento em que os anos começam a ser contados e ao modo que essa contagem é feita e, em parte, à forma que os números funcionam como elemento intrínseco da natureza literária e teológica de um livro como Reis e também com a natureza historiográfica desses números.

Os antigos cronologistas podiam contar de diferentes maneiras os anos de um reinado. Por exemplo, podiam computar como ano inicial apenas o primeiro ano completo do governo de um rei, ignorando qualquer ano parcial que tivesse precedido o primeiro Ano Novo do reinado do novo monarca. Um governo descrito dessa maneira (conhecida como sistema de pós-datação ou de ano de ascensão) era quase sempre mais longo em dias ou meses do que poderia parecer. Outra maneira antiga de cálculo envolvia a contagem do ano parcial que precedia o primeiro dia de Ano Novo do ano inicial do rei. Essa abordagem é conhecida como sistema de pré-datação ou de ano de não ascensão. Ambos os métodos têm consequências. A pós-datação pode fazê-los parecer mais curtos do que realmente foram. A pré-datação pode fazer os reinados parecerem mais longos, visto que não apenas conta como ano inteiro o período de governo que precede o Ano Novo, mas ainda inclui na contagem (também como ano inteiro) a parte do segundo ano iniciada no primeiro dia de Ano Novo do reinado. Por isso, um reinado de apenas poucos meses pode — caso inclua um dia de Ano Novo — parecer um reinado de “dois anos”, e a parte incompleta do segundo ano pode ser incluída como primeiro ano do sucessor. Dessa forma, o total de anos de reinado acumulado pode com facilidade ultrapassar em alguma medida o período de tempo indicado tanto pelos arranjos cronológicos internos dos próprios textos quanto pelos dados externos.

Fatores literários e teológicos também contribuem para a confusão. Tadmor sugeriu que a aparente padronização dos números de anos de reinado dos reis israelitas desde Jeroboão I até Jorão (22, 2, 24, 2,12, 22, 2,12) foi resultado de um arredondamento feito com o objetivo de facilitar a memorização.18 É bem evidente que existe um padrão, e Tadmor pode estar parcialmente correto. Parece que, conforme a orientação geral do livro de Reis, os números têm com frequência um propósito literário/teológico em vez de estritamente historiográfico. Um argumento plausível é que ao menos alguns números do sistema cronológico são afetados por esse interesse. Um exemplo notável, em 1 e 2Reis, é que é comum sucessores imediatos de monarcas que receberam revelação de juízo iminente contra sua dinastia real reinarem por “dois anos” (lR s 15.25; 16.8; 22.51; 2Rs 21.19), inclusive Amom, filho de Manassés, que não é incluído no grupo mencionado por Tadmor. Uma possível conclusão é que, quando números eram “arredondados”, a motivação para a escolha de alguns algarismos, em última instância, ia além do simples desejo de auxiliar na memorização. Nesse exemplo, a intenção do cronologista pode ter sido unir esses vários reis e provocar reflexão teológica sobre eles como grupo.

Nossa análise do período a partir da morte de Acabe até a ascensão de Jeú começa a deixar clara a dificuldade em relação à cronologia de Reis. Compreender os fatores que podem estar envolvidos na formação da cronologia ajuda a explicar discrepâncias que surgem tanto em Reis quanto na comparação entre Reis e os registros externos como resultado de uma aritmética pura. Ao mesmo tempo, até no caso de dois reis cujos reinados se encaixam claramente entre duas datas absolutas e seguras para a história da monarquia e que foram calculadas com a ajuda de registros externos, não há condições de ser exato quanto ao período em que reinaram, por causa da natureza do texto bíblico. D a perspectiva de datas absolutas, conhecemos o suficiente para saber que datar o governo de ambos os monarcas entre a morte de Acabe e a ascensão de Jeú não é necessariamente um problema. No entanto, depois de resolver esse problema, ainda não somos capazes de dizer quais os limites exatos entre Acabe e Acazias, entre Acazias e Jorão e entre Jorão e Jeú. Existem várias opções, e na ausência de dados externos não é possível decidir. A hipótese da natureza provável dos números bíblicos, que soluciona o problema no plano da regra geral, cria um novo problema no plano de especificidade. Se, em geral e por vários motivos, não é possível interpretar esses números como exatos na forma que se encontram, então eles não podem servir de base para nenhuma cronologia exata.

Essa dificuldade aparece no livro de Reis como um todo. Utilizando a expressão do título de um livro famoso, os números são “misteriosos”. Conhecemos obstante das várias possíveis razões para a natureza misteriosa desses números para entender que não devemos nos preocupar demais com certas questões. Sabemos a respeito da pós-datação e da pré-datação e estamos cônscios da possibilidade não apenas de que um desses sistemas substituiu o outro em algum momento da história de Israel, mas também de que os reinos separados de Israel e Judá podem ter usado sistemas distintos em épocas diferentes. Sabemos que os dados sobre a data do Ano Novo em Israel em geral são ambíguos e que há a questão específica de se os calendários foram sempre os mesmos em Israel e em Judá. Por fim, estamos conscicentes da possibilidade de que algumas complicações em nossos textos podem ser resultado de os autores de Reis tentarem impor uma uniformidade em suas fontes, adotando um sistema cronológico padrão por eles escolhido e que talvez não tenha sido o mesmo de algumas dessas fontes; toda essa questão sobre o que os autores já haviam encontrado em suas fontes e o que fizeram com esse material com o intuito de apresentar um quadro geral da monarquia é muito debatida. Sabendo de tudo isso, não devemos ficar muito surpresos se existirem algumas discrepâncias relativamente pequenas entre o total de anos de reinado dos reis de Judá e o total dos reis de Israel em determinado período; ou entre o número total de anos implícito no arranjo cronológico de determinado período e a soma total dos anos de reinado indicados nas fórmulas régias paralelas de cada reino; ou ainda entre a duração do período, embora usando uma aritmética pura deduzida dos textos, e o tempo disponível para esse período conforme sugerido por datas estabelecidas de registros externos. Em tais casos uma suposição razoável é que um dos fatores mencionados anteriormente contribuiu para causar as discrepâncias. A esses fatores é preciso acrescentar outro: em alguns casos, é provável que, na verdade, os reinados descritos não precederam nem sucederam uns aos outros de forma simples, mas houve certa sobreposição. Aqui temos de levar em conta o fenômeno da “corregência”— um sistema em que reis, embora ainda vivos e mantendo algum tipo de autoridade, concedem certos poderes régios ou até mesmo todo o governo a outros membros da família, de maneira que um filho, por exemplo, poderia reinar durante algum tempo como corregente com o pai.

Entretanto, é outra questão se algum dia conseguiremos demonstrar com algum grau de certeza onde esses fatores operaram e assim chegar a uma cronologia geral absoluta dos governos dos reis. Por exemplo, podemos estar totalmente convencidos de que alguns fatores mencionados anteriormente são a explicação mais provável para a diferença entre o total dos anos de reinado dos reis de Israel desde Jeroboão até Jorão (98 anos) e o dos reis de Judá desde Roboão até Acazias (95 anos) e também para o fato de que os arranjos cronológicos sugerem um número menor no total de anos desse período. Contudo, é uma questão ainda indefinida se essa abordagem permite estabelecer com precisão os limites dos reinados desse período, pois na verdade não sabemos como redistribuir os anos que “faltam” ou “sobram”, ou se devemos depender mais dos anos de reinado ou dos arranjos cronológicos dos eventos. Considerando todos os aspectos, tudo o que podemos dizer com certo grau de confiança é que a divisão entre o reino do Norte e o do Sul aconteceu em algum momento entre 940-930 a.C. Além disso é extremamente difícil abandonar a estrutura da cronologia relativa fornecida por esse trecho de Reis em favor de um a cronologia mais absoluta; dificuldades semelhantes nos desafiam em outras partes do livro.21 O leitor deve ter tudo isso em mente. O que segue é um relato do período da Monarquia Posterior, em que buscamos levar a sério a tradição bíblica em nossa descrição geral do passado e procuramos, no curso da investigação, apresentar as datas da forma mais precisa possível. Levar a tradição bíblica a sério, contudo, tam bém implica considerar com cuidado a natureza do sistema cronológico no qual se encontra essa descrição do passado e ter consciência de que esse esquema fornece algo diferente de uma cronologia simples e direta. Isso deve determinar nossa atitude diante dos detalhes numéricos, que não devem consumir tanto nossa atenção a ponto de perdermos de vista o quadro narrativo mais amplo.

Salomão: os anos iniciais

Nossas únicas fontes de informação sobre os primeiros anos de Salomão são os livros de Reis e Crônicas (lR s 2— 3 e 2Cr 1, respectivamente), e a informação que fornecem é limitada. E possível que IReis 3.7 ofereça uma pista sobre a relativa juventude de Salomão quando ascendeu ao trono, não tanto em sua afirmação de ser “muito novo” (uma declaração sobre seu sentimento de incapacidade), mas especialmente no uso do par de palavras hebraicas “sair/entrar” (ARA), que tem uma provável conotação militar e pode deixar implícita aqui certa falta de experiência militar. No T M de IReis 3.1, ainda há a indicação de uma aliança celebrada com o Egito por meio de casamento, embora não esteja claro se foi a cronologia ou a teologia que determinou a posição dessa nota no texto, o que torna incerta a data do referido casamento. Na LXX, a nota está em uma posição bem diferente, e é possível que tenha sido movida para sua atual posição no TM a fim de destacar a mensagem de que Salomão, já bem no início de seu reinado, carregava consigo a semente da própria destruição. Não temos motivo para duvidar da realidade da alegação em si e, aliás, é possível citar paralelos de casamentos de princesas egípcias com governantes estrangeiros. Os textos bíblicos, porém, não fornecem nenhuma outra informação sobre esse casamento, e os registros egípcios não lançam luz alguma sobre o assunto. Tampouco sabemos algo além do que Reis nos relata acerca das várias outras esposas de Salomão.

Quanto aos primeiros anos de Salomão, o principal interesse dos autores de Reis é apresentar uma descrição vivida da política pragmática que, na visão deles, dominou esse período, já que Salomão agia eliminando as ameaças à sua soberania, que permaneceram como consequência da tentativa de Adonias de se apoderar do reino (lR s 2). O próprio Adonias foi o primeiro a ser eliminado, depois Abiatar e Joabe e, mais tarde, Simei. Com base no modo pelo qual as palavras de Davi estão estruturadas em IReis 2.5-9, parece provável que a intenção do texto é que entendamos que o tratamento dispensado às várias pessoas mencionadas nos capítulos iniciais representa a política geral de Salomão nos primeiros anos de seu reinado. Essa passagem parece apresentar Joabe como exemplo de pessoas do reino que estão tão envolvidas com o passado judaico de Davi que é improvável que facilitem o governo de um Israel unido sob a direção de Salomão. Por outro lado, Simei também é um separatista, agora do norte, não do sul (2Sm 16.5-14; 19.20). Ele também exemplifica uma pessoa do reino que provavelmente será hostil à unidade sob o governo de um rei davídico. Na linha divisória entre esses grupos de perturbadores originários de Judá e de Israel (lR s 2.5,6,8,9), hostis à harmonia, encontra-se Barzilai, que é de Gileade, na Transjordânia (2.7): um exemplo de serviço zeloso a seu rei, que é recompensado com comunhão pacífica em torno da mesa real. Dessa maneira, a passagem é estruturada com todo cuidado, de modo a apresentar Salomão com um ideal (comunidade pacífica) e a sugerir que as pessoas ligadas ao passado de Davi devem ser eliminadas (aquelas que provavelmente vão perturbar a comunidade pacífica) caso se queira atingir esse ideal. É preciso entender essa passagem à luz das tensões entre Judá e Israel, que já eram evidentes nos livros de Samuel (e.g., 2Sm 20) e que logo eclodirão novamente, dessa vez em um cisma, em IReis 12 (cp. esp. 2Sm 20.1 e lR s 12.16). Na parte final do capítulo 2, Salomão é apresentado como alguém que entende plenamente a mensagem — usa sua “sabedoria” para agir sem nenhuma piedade na eliminação de rebeldes em potencial, ao mesmo tempo que parece ter justificativa para fazê-lo.

Não há um dado extrabíblico que trate de algum desses acontecimentos nem algo que ajude a preencher o quadro que os autores de Reis descrevem dos primeiros anos de reinado de Salomão (e que Crônicas repete parcialmente). E inquestionável que os autores de Reis apresentam um relato plausível de intrigas e tramas políticas. Contudo, com certeza é preciso questionar o fato, afirmado por alguns, de que esse relato é ideologicamente tendencioso a favor de Salomão. Está mais do que claro que os próprios narradores de Reis não endossam o comportamento de Salomão, não apenas na maneira que o capítulo 2 está redigido, mas também na forma que, em seguida, o capítulo 3 contrasta a “sabedoria” que Salomão já revelava com a sabedoria que Deus dá ao rei para governar desse momento em diante. Quando 2Crônicas 1 é interpretado separadamente, esse contraste não aparece, embora o capítulo também contenha uma forma variante da oração de Salomão. Nessa oração, Salomão confessa sua ignorância e sua incapacidade de governar o povo com justiça. Pede sabedoria a Deus, a qual lhe é devidamente concedida. Para os autores de Reis e Crônicas, essa sabedoria “vinda do alto” é o fundamento do governo salomônico. Da perspectiva dos autores de Reis, a sabedoria “terrena” de Salomão no início de seu governo não era muito promissora.

—– Retirado de: Iain Provan, V. Philips Long e Tremper Longman III – Uma História Bíblica de Israel.


Leia também sobre a cronologia do Êxodo dos hebreus, do Egito até Canaã.
Você pode ler ainda esta Nota Rápida Sobre Israel e o Egito.
Confira aqui toda a Cronologia do Universo Anthares.


Leia também:

• A Cronologia do Antigo Testamento
• A Origem das Línguas Humanas e Culturas
• A Vida Cotidiana dos Povos Antigos
 A História do Antigo Testamento Resumida
• Arqueologia Bíblica


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Núcleos Narrativos de Anthares

A lista abaixo está em ordem cronológica, de acordo com a linha temporal do Universo Anthares.

PERÍODO PRÉ-DILUVIANO

• A Grande Equação
• A Criação das Dimensões
• A Insurgência e a Separação dos Acsï
• Jauz, o Portal e os Drishs
• Sete nasce – (≈ 3670 a.C.)
• Suméria fundada – (≈ 3316 a.C.)
• O Clã Hakal
• Mafug e Novo Mundo
• As Águas de Agazohu
• A Queda de Rohä
• Os Nefilins e o Guardião do Portal
• As Conquistas da Fúria
• A Fundação de QeMua
• Noé nasce (≈ 2744 a.C.)
• O Anúncio da Sentença
• O Selamento do Portal – (≈ 2590 a.C.)
• A Comunidade da Muralha
• Os Sinais dos Tempos
• A Pirâmide de Quéops – (≈ 2330 a.C.)
• Uni, o grande general egípcio (2300 a.C.)
• A Descoberta dos Ambientes Não-físicos
• O Dilúvio – ano 1656 (≈ 2144 a.C.)
• A Contenção de Rohä

DO OUTRO LADO DO PORTAL

• Hakais e QaFuga
• O Vale das Preces
• O Mago de Cipre
• A Guerra das Noites
• A Garganta de Maltam
• O Campo dos Lamentos
• Dia de Sangue
• O Mistério dos Pinages
• O Silêncio
• Drishs Avançam (RPG)
• Os Três Lendários

DO LADO DE CÁ DO PORTAL
(e itens históricos de referências cronológica)

• Caídos – A Segunda Crise
• A Comunidade Oculta
• Os Dragões Europeus
• A Confusão das Línguas
• Babel vira Babilônia – 1803 a.C.
• Ínaco funda Argos – 1802a.C.
• O Banimento dos Gigantes
• Hamurabi assume o trono – 1767 a.C.
• O Mercenário de Sodoma
• As Atas da Disputa
• O Guardião da Floresta
• Hércules mata Busíris¹ – 1471 a.C.
• Peste dos Filisteus – 1320 a.C.
• Êxodo dos hebreus – 1260 a.C.
• Isdras, o Herói da Nação – ≈ 1000 a.C.
• O Guardião da Lua
• A Origem do Japão – 697 a.C.
• As Sentinelas de Takeshi
• Buda nasce – 560 a.C.
• Jesus¹ nasce – entre 4 e 7 a.C. (pois é)²
• A Peste Antonina – 165
• A Migração dos Teutões – 350 –
• A Praga de Justiniano – 541
• Peste e Ódio – 1218
• A Orda Mongol contra os Samurais – 1274
• O Contrato de Salém – 1693
• Grande Peste de Marselha – 1720
• O Exorcista do Velho Oeste
• Constantin von Tischendorf – 1844
• Guerra Anglo-Zulu – 1879
• Grande Sismo de Kantō – 1923
• A Segunda Guerra e o Vesúvio
• Pandemia de Mortos Vivos
• Os Pequenos Sacerdotes
• A Morte de Edmundo Pinto e Ulysses Guimarães
• Chacina em Santo André
• Psy e Químico
• O Julio na Gaita e a Bicharada
• O Ponto de Étretat
• Sequestros em Mateiros
• A Ferramenta de Nuhat
• O Guardião de Tóquio
• A Militância Mundial
 Experimento Equilibrium
• O Grande Bloco Mundial
• A Revolução
• A Queda dos Estados
• O Retorno de Rafael
• O Cataclisma

OUTROS TÓPICOS IMPORTANTES

• A Magia em Anthares
• Os Drishs e a Magia
• Sistemas Mágicos em Anthares
• As Comunidades Parassociais
• Deuses do Olimpo e Nórdicos
• Lugares Misteriosos

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