José no Egito – Detalhes históricos

A narrativa de José, conforme descrita anteriormente, não está interessada primariamente na história propriamente dita. No entanto, é impossível separar teologia e história em um relato como esse; o relato em si tem o objetivo de mostrar ao leitor como Deus pode operar no processo histórico para prevalecer sobre as ações más visando à realização de seus propósitos redentores. Outro aspecto do escopo da narrativa é encorajar aqueles cujas vidas parecem estar à mercê do acaso cruel. Embora o foco primário não esteja na história, a narrativa nos leva à seguinte pergunta: Será que ela corresponde ao que sabemos sobre o Egito na primeira metade do segundo milênio a.C.? Certamente podemos esperar que pelo menos reflita alguns costumes e características do Egito daquela época, mesmo não sendo possível encontrar ligações específicas entre a história egípcia e a patriarcal. Essa questão tem atraído a atenção tanto de estudiosos bíblicos como de egiptólogos. É interessante notar, conforme veremos, que a maioria dos especialistas em Egito (Vergote,68 Kitchen69 e Hoffmeier 70) demonstram que há uma forte nuance egípcia na narrativa, enquanto muitos estudiosos bíblicos negam isso. 71

Concordando com Hoffmeier, observamos inicialmente que “até hoje não surgiu nenhuma prova direta de que o hebreu José foi um oficial na corte egípcia”.72 Estudiosos que anseiam mostrar a autenticidade da narrativa se satisfazem, portanto, em apresentar provas indiretas e em lidar com aparentes anomalias. Limites de espaço impedem uma análise detalhada das provas indiretas aqui, mas concordamos com a conclusão de Hoffmeier de que elas “tendem a comprovar a autenticidade do relato. Na realidade, não existe nada de extraordinário ou de inacreditável na narrativa”.73 Considerem-se alguns exemplos.

Primeiro, como indicado anteriormente, Kitchen faz a interessante observação de que, com base no conhecimento que temos hoje, o preço pelo qual José foi vendido como escravo (vinte siclos de prata, cf. G n 37.28) está totalmente de acordo com o que se sabe acerca da primeira metade do segundo milênio. Os dados revelam que, por volta da segunda metade do segundo milênio, o preço de um escravo era de trinta siclos e chegou a cinquenta no primeiro milênio.74 Esta questão é um detalhe, mas favorece uma recordação histórica autêntica, em vez de um texto posterior fictício ou semifictício.

Segundo, os nomes egípcios que aparecem na narrativa (Potifar, Potífera, Asenate e Zafenate-Paneia) têm sido estudados minuciosamente ao longo dos anos. As fontes egípcias não confirmam a existência dessas pessoas específicas, o que, particularmente, não causa surpresa, tendo em vista a natureza dos registros arqueológicos que restaram. Contudo, embora exista alguma dificuldade pelo fato de serem transliterações de nomes egípcios para o hebraico — e não os próprios nomes em egípcio — , ninguém duvida de que esses nomes sejam autenticamente egípcios. As datas em que foram usados e as etimologias são objeto de debate, mas Currid, HofFmeier e outros 75 mostram como esses nomes certamente podem ter sido usados no contexto do segundo milênio em que a Bíblia situa a narrativa de José. Kitchen vai mais longe, concluindo que “os melhores equivalentes de Zafenate-Paneia e Asenate são, em sua esmagadora maioria, do Reino Médio (início do segundo milênio a.C.), aparecendo raramente depois; Potifar/Potífera é uma forma modernizada (presente no final do segundo milênio a.C. em diante) de um nome encontrado do início do segundo milênio (Didire)”.76

Essas observações conduzem a mais dois comentários. Primeiro, o personagem que esperaríamos encontrar nas fontes originais é o faraó. No entanto, como é bem sabido, em Gênesis 37-50, o líder egípcio nunca é mencionado pelo nome. Nosso conhecimento dos reis egípcios provavelmente permitiria a datação do contexto do relato, caso soubéssemos o nome do faraó da narrativa de José, mas este não é o caso, por isso, ficamos apenas com uma data incerta. Alguns têm sugerido que não identificar o faraó está em conformidade com a prática egípcia de não mencionar o nome de um inimigo e, desse modo, não contribuir para que fique famoso. Outros dizem que, uma vez que o faraó era considerado um deus, o autor bíblico evitou escrever seu nome.77 A melhor explicação está no fato de que, até por volta do décimo século, era comum os próprios egípcios não se referirem ao faraó pelo nome, mas apenas chamá-lo de “faraó”. Conforme observado por Hoffmeier, era exatamente essa a prática

encontrada no AT; no período que abrange Gênesis e Êxodo até Salomão e Roboão, o termo “faraó” ocorre sozinho, ao passo que depois de Sheshonq (c. 925 a.C .), o título e o nome aparecem juntos (e.g., faraó Neco, faraó Hofra). Portanto, o em prego do termo “faraó” em Gênesis e Êxodo está de pleno acordo com a prática egípcia do século 15 até o 10 a.C .78

Um segundo tema de debate é o papel de José na hierarquia egípcia. Qual é a probabilidade de um semita chegar a uma posição de tanta proeminência no governo egípcio? E provável que essa não fosse uma pergunta em que o autor da narrativa de José estivesse interessado; o único propósito de seu relato é mostrar que a vida e a carreira de José estavam sob o controle de Deus e, nessa estrutura de referência, especulações sobre “probabilidades” seriam irrelevantes. A pergunta não é coerente nem mesmo em uma estrutura de referência estritamente histórica, a menos que se creia que somente coisas que são “prováveis” de fato ocorreram. Seja como for, existem outros textos que mencionam semitas ocupando posição de destaque no governo egípcio em tempos antigos. Hoffmeier registra o caso de Bay, que desempenhou um papel importante após a morte de Seti II, em 1194 a.C., cujo título era o de “Grande Chanceler de todo o país”.79

Muitos exemplos como esse poderiam ser facilmente apresentados. Especialistas em materiais egípcios, como Hoffmeier e Kitchen, acrescentam informações sobre o papel dos mágicos na narrativa, o costume de celebrar o aniversário do faraó, o ritual da investidura de José em seu cargo e assim por diante. É claro que esse material contextual não “prova” a exatidão histórica da narrativa de José. 80 Contudo, com base nessas informações, podemos dizer que a narrativa de José corresponde muito bem ao contexto em que é estabelecida, a saber, o ambiente egípcio do início do segundo milênio, muito embora ocasionalmente, por meio de comentários anacrônicos, ela revele, à semelhança das narrativas patriarcais, que foi pelo menos atualizada de tempos em tempos, à medida que a tradição foi passando de uma geração a outra.81 Embora a narrativa de José corresponda em termos gerais a um contexto egípcio, é impossível ser dogmático sobre como ela se encaixa de forma específica na história egípcia tal como a conhecemos. Parte do problema se relaciona à ambiguidade referente à datação do Êxodo, assunto que focalizaremos agora.

O NASCIMENTO DE MOISÉS

A narrativa do Êxodo começa com o relato do nascimento de Moisés, que ocorre em uma época de opressão egípcia aos israelitas. O serviço que José prestou a um faraó do passado não é mais lembrado e seus descendentes agora são forçados a trabalhar em grandes projetos estatais, especificamente a construção das cidades de Pitom e Ramessés, sob a supervisão de capatazes opressores. Embora não haja nenhum indício de que os israelitas tenham estado no Egito nessa época, existem inúmeras provas da presença de semitas naquele país ao longo da segunda metade do segundo milênio a.C. A mais notável é a cena retratada na tumba de Rekhmire, um alto oficial de Tutmósis III (c. 1479-1425 a.C.), cena essa que mostra trabalhadores fazendo tijolos.82 A inscrição que a acompanha descreve os trabalhadores como prisioneiros de guerra provenientes da Núbia e da Síria-Palestina.83 Embora, ao que parece, os egípcios tenham visto nos israelitas uma vantajosa fonte de trabalho, o texto bíblico sugere também que temeram seu número cada vez maior e se preocuparam com a possibilidade de, caso um inimigo externo atacasse, os israelitas se aliassem a eles (Ex 1.10). Por isso, o faraó decidiu limitar o crescimento da população israelita, exigindo que suas parteiras sacrificassem os meninos recém-nascidos. Elas, porém, se recusaram a executar as ordens do faraó, inventando uma desculpa para sua desobediência. O faraó emitiu, então, uma ordem terrível: “Lançai no rio todos os meninos que nascerem, mas deixai viver todas as meninas” (Ex 1.22).

Foi nesse contexto perigoso que nasceu Moisés, o futuro líder de Israel, aliás, tal contexto explica sua criação incomum. Quando nasceu, sua mãe o pôs em um cesto de papiro e colocou o cesto entre os juncos do Nilo. O resultado foi a descoberta do menino pela filha do faraó, que decidiu criá-lo com a ajuda de uma ama hebreia, a qual acabou sendo a própria mãe biológica de Moisés. Embora não seja dito explicitamente, esse relato tem o propósito de mostrar que Deus provê as necessidades e cuida desse menino especial, que será aquele que livrará Israel da opressão. Nesse aspecto, o relato tem função semelhante à dos relatos dos nascimentos de Isaque, Jacó e muitos outros — crianças que nascem somente depois de Deus abrir a madre de suas mães estéreis. Desde o final do século 19, estudiosos destacam a semelhança entre o relato do nascimento de Moisés e a Lenda do Nascimento de Sargão,84 o qual, segundo a lenda, nasceu de uma importante sacerdotisa. Ela o colocou em um cesto e pôs o cesto nas águas do rio, de onde o menino foi tirado por Aqqi, que trabalhava como carregador de água. Aqqi criou Sargão, que se tornou um grande rei da Mesopotâmia. Entretanto, é improvável que haja qualquer elo literário entre os relatos: Hoffmeier mostrou que a linguagem do relato do nascimento de Moisés reflete um contexto egípcio e não mesopotâmico.85 É claro que os relatos têm um tema em comum: a necessidade de o bebê e a mãe natural se separarem para proteção da própria criança. No caso da lenda de Sargão, ao que parece, a sacerdotisa presumivelmente não tinha filhos. Em ambas as culturas, a ideia por trás da história do cesto na água era a entrega da criança aos cuidados da divindade que controla as águas (no caso de Éxodo, o próprio Yahweh) — o antigo equivalente cultural da prática moderna de deixar uma criança indesejada junto à porta de uma casa ou de um hospital. O nome de Moisés tem gerado algum debate por causa de sua origem ambígua. Atribui-se ao nome uma origem hebraica, em uma etimologia que o associa ao verbo hebraico mshh, “tirar”. Embora seja possível que a princesa egípcia tenha dado um nome hebraico à criança semita adotada, é mais provável que a raiz do nome seja um verbo egípcio cujo sentido é o de “dar à luz”, verbo este que está associado a muitos nomes egípcios bastante conhecidos, inclusive Tutmósis e Ramessés. Portanto, o jogo de palavras no texto bíblico indica uma etimologia popular hebraica associada a um nome egípcio.

A DATA DO ÊXODO

A narrativa do livro de Êxodo não nos apresenta o nome do faraó da época nem fornece qualquer informação que nos ajude a datar esses acontecimentos. Por isso, somos forçados a procurar fora de Êxodo alguma ajuda para a datação. Nesse aspecto, parece que a passagem bíblica mais relevante é 1Reis 6.1: “Quatrocentos e oitenta anos depois que os israelitas saíram da terra do Egito, no mês de zive, o segundo mês, no quarto ano do seu reinado sobre Israel, Salomão começou a edificar o templo do Senhor”. Geralmente se aceita que o quarto ano de Salomão é 966 a.C., embora seja difícil ser preciso a respeito da data (veja cap. 10). Entretanto, supondo-se, por enquanto, que ela não esteja muito errada (mesmo que seja impossível ser exato acerca da data), então o acréscimo de 480 anos nos levaria a 1446 a.C. como data aproximada do Êxodo. Segundo esse ponto de vista, o Êxodo ocorreu em meados do século 15 a.C., o que parece ter apoio na referência de Juízes 11.26 aos trezentos anos que a região da Transjordânia, então (na época de Jefté) disputada pelos amonitas, era controlada pelos israelitas. Ademais, essa datação não enfrenta problemas com outros detalhes da cronologia bíblica.

Contudo, mesmo entre os que sustentam a ideia de que o livro de Êxodo tem valor histórico, essa data é questionada. Aliás, K. Kitchen chama o argumento do parágrafo anterior de “solução do preguiçoso”, insistindo que não se deve interpretar o número 480 ao pé da letra, uma vez que, na verdade, é uma espécie de número simbólico. Segundo ele, esse número representa doze gerações, sendo que cada uma é simbolicamente representada pelo número de “quarenta anos”. Por isso, é preciso cuidado na transposição do texto para a cronologia histórica, já que “quarenta anos” não representam, do ponto de vista histórico, a duração de uma geração, estando esse ciclo mais próximo de algo em torno de 25 anos. Do ponto de vista histórico, doze gerações cobririam trezentos anos em vez de 480, o que colocaria o Êxodo no século 13 a.C. e não no 15. Comumente se acredita que essa data no século 13 se encaixa melhor com o que as pesquisas arqueológicas feitas na Palestina (como têm sido geralmente interpretadas) revelam sobre o estabelecimento israelita na terra após o Êxodo do Egito. Também se acredita que a alternativa do século 13 explica melhor o nome de uma das cidades que os hebreus construíram para o faraó egípcio: a cidade de Ramessés (Êx 1.11). Está claro que esse nome é o mesmo de vários faraós, nenhum dos quais governou antes do século 14. O nome quase certamente relembra o poderoso Ramessés II (c. 1279-1213 a.C.), que, se o Êxodo ocorreu no século 13, é o mais provável candidato a ser o faraó da época. Hoje em dia a maioria dos estudiosos identifica a cidade de Ramessés (Pi-Ramessés em egípcio) com a moderna Qantir, que atingiu seu apogeu no início do século 13 até o final do século 12 a.C., e não no século 15.

Mais adiante retornaremos à arqueologia do estabelecimento israelita na Palestina. Aqui basta dizer que não acreditamos que a arqueologia resolva definitivamente o problema. Quanto à cidade de Ramessés, o significado do texto não é seguro, pois é possível que um editor tenha atualizado posteriormente o material e o texto não reflita o nome original da cidade. O próprio Kitchen recorre ao argumento de um editor posterior para explicar o fato de Gênesis 47.11 se referir anacronicamente a Gósen como “terra de Ramessés”. Ficamos, assim, na incerteza e não há nenhum dado extrabíblico que nos ajude. Embora B. Waltke esteja tratando da conquista da Palestina, ocorrida mais tarde, sua conclusão sobre a data da conquista tem aplicação igualmente válida para a data do Êxodo, posto que ambas estão relacionadas: “deve-se aceitar o veredito de non liquet até que novos dados estabeleçam com segurança a data do Êxodo. Se esse raciocínio é válido, então ambas as datas são hipóteses aceitáveis e nenhuma deve ser defendida dogmaticamente”.

Qualquer que seja a data aceita para o Êxodo, as cartas de Amarna, que vários reis de cidades-estados cananeias enviaram a seus suseranos egípcios (Amenhotep III e IV, este último mais conhecido como Akhenaton) na primeira metade do século 14, apresentam uma leitura interessante. Além disso, e caso o Êxodo tenha ocorrido no século 15, também é possível incluir com proveito algum material extrabíblico em nossa análise de Israel no Egito que ajudaria a delinear o contexto em que se deve ler o relato bíblico. Fontes egípcias falam de um período de pelo menos cem anos, no final do que hoje é denominado Segundo Período Intermediário da história egípcia (c. 1720-1550 a.C.), durante o qual a maior parte do país foi liderada por governantes semíticos estrangeiros chamados de “hicsos”. Poderíamos associar o temor dos egípcios aos israelitas, registrado no livro de Êxodo, ao temor a esses hicsos que os haviam dominado no período entre 1648 e 1550 a.C. Talvez o rei que não conheceu José tenha sido Amósis I (c. 1550-1525), o faraó que derrotou os hicsos, e pode ser que, algum tempo depois, o faraó do Êxodo tenha sido Tutmósis III (c. 1479-1425 a.C.). Porém, somente novas descobertas arqueológicas ajudarão a esclarecer se essas identificações são realmente mais do que meras suposições plausíveis.

Do Egito ao Monte Sinai

Em teoria, três rotas possíveis ligavam o Egito à Palestina. Na rota do norte, mencionada anteriormente, havia fortalezas egípcias, tornando provável a luta armada. Por isso, o melhor seria evitar esse caminho. Uma rota intermediária ia “direto para o outro lado da região central de rochas calcárias no Sinai”,108 mas nela não havia suprimento adequado de água. A terceira rota ficava a sudeste e é a que os israelitas provavelmente seguiram.

Seu primeiro destino foi o Monte Sinai. Para chegar ali, os israelitas acamparam em Mara, Elim, deserto de Sim, Dofca, Alus e Refidim — lugares informados pela própria narrativa bíblica e também pelo itinerário formal encontrado em Números 33. Muito se debate quanto à confiabilidade do itinerário exposto nesse capítulo, o qual revela sinais da influência de interesses literários em sua elaboração. Para os que sustentam a curiosa crença de que interesses literários e históricos são necessariamente incompatíveis, essa forma literária representa um problema. No entanto, acreditar que a forma literária destrói a referencialidade histórica é uma crença estranha, pois dependemos em grande parte da literatura para chegar ao volume de conhecimento histórico atual. Com certeza, o gênero literário de que estamos tratando em Números era bem conhecido no mundo antigo. G. I. Davies demonstrou que a passagem corresponde perfeitamente ao gênero literário mais abrangente de “itinerário” que era usado no Antigo Oriente Próximo, conforme descrição feita por W. W. Hallo e outros. C. Krahlmakov comenta ainda que, “ao que parece, essa passagem é um trecho notável e confiável de escrita histórica antiga”. Entretanto, isso não significa que podemos traçar com alguma certeza a rota precisa que os israelitas seguiram para chegar ao Monte Sinai, pois não sabemos exatamente onde ficavam os locais mencionados no texto, e a arqueologia não pode nos ajudar nesse ponto. Aliás, até mesmo a localização do Sinai é incerta. As tradições mais antigas situavam esse monte em Jebel Musa, na região sudeste da península do Sinai. Mas outros defendem que o Sinai deve ser situado onde é hoje a Arábia Saudita.

De acordo com os textos bíblicos, eventos de grande alcance e impacto ocorreram no Sinai (Ex 19.1— Nm 10.10). Essa montanha foi o lugar exato para onde Deus havia instruído Moisés a levar Israel. Assim que Israel chegou ali, Deus estabeleceu uma aliança com o povo, deu-lhe uma Lei para observar e entregou a Moisés instruções para construir um tabernáculo. Tudo isso serviu para fazer com que Israel, que agora havia crescido e se multiplicado, se transformasse em uma comunidade coesa centrada em Yahweh. No entanto, a antiguidade da aliança, da Lei e do tabernáculo tem sido questionada ao longo dos anos.

Em uma metáfora antiga para a relação de Israel com Deus, a aliança é mencionada pela primeira vez na história de Noé (Gn 9) e depois no relato de Abraão (Gn 15; 17).115 Aliás, a aliança mosaica pressupõe a libertação do Egito (Êx 20.2), que está relacionada às promessas abraâmicas. O Pentateuco contém duas grandes seções dedicadas à aliança entre Deus e Israel mediada por Moisés. Em Êxodo 19—24, lemos acerca do estabelecimento dessa aliança no Monte Sinai. Em Deuteronômio, há uma cerimônia de renovação dessa aliança, ocasião em que, logo antes de entrar na terra prometida, Israel reafirma seu compromisso de obedecer Yahweh. Apesar disso, na mente de muitos estudiosos, o conceito de aliança é uma retroprojeção de ideias tardias na história de Israel e, conforme sustentam, não existia nenhuma concepção desse tipo na época de Abraão ou de Moisés.

Entretanto, pesquisas recentes, embora não “provem” que a ideia de aliança seja um aspecto do pensamento israelita mais remoto, certamente indicam que não é anacrônico falar de uma aliança na época de Moisés. A comprovação está na forma de tratados hititas do segundo milênio a.C. A estrutura desses tratados é muito próxima da estrutura de documentos bíblicos pactuais, em particular do livro de Deuteronômio, os quais os autores bíblicos atribuem a esse período inicial da história de Israel. Aliás, são os tratados hititas desse período — e não os tratados assírios do sétimo século — que mantêm essa relação tão próxima com os documentos bíblicos, especialmente pelo fato de terem um preâmbulo histórico normalmente inexistente nos tratados assírios, mas encontrado em Êxodo, Deuteronômio e Josué 24. Embora o gênero literário não seja tão fixo a ponto de podermos afirmar com toda a certeza que a forma de nossos textos bíblicos corresponde apenas ao segundo milênio, fica claro que o conceito de aliança não é anacrônico quando identificado nesse período.

O mesmo se pode dizer do conceito de lei. Muito se discute nos últimos duzentos anos sobre a data da Lei israelita ou pelo menos de alguns aspectos dessa Lei. Por exemplo, a tendência dos defensores de métodos tradicionais de crítica das fontes tem sido associar boa parte da Lei com a fonte ou o editor do Pentateuco conhecido como “P ” e datá-la no período exílico ou pós-exílico. Mesmo depois de reconhecer que códigos legais mais antigos estão provavelmente inseridos em nossa narrativa do Pentateuco, há estudiosos relutantes em identificar essas leis no contexto do segundo milênio. No entanto, deixando de lado as questões da data da forma final da Lei do AT e de até que ponto ela foi atualizada à medida que gerações de israelitas procuravam segui-la em circunstâncias em transformação, podemos dizer com certeza que essa lei não é um fenômeno tardio no Antigo Oriente Próximo. Na Mesopotâmia, as leis já faziam parte da vida das pessoas no final do terceiro milênio, conforme descobrimos no código sumério do reinado de Ur-Nammu de Ur (c. 2112-2095 a.C.). Também encontramos ao longo do tempo códigos legais semelhantes associados a Lipit-Ishtar de Isin (c. 1934-1924 a.C.), Hamurábi da Babilônia (c. 1792-1749 a.C.) e assim por diante. A ideia de que, orientado por seu Deus, o israelita Moisés tenha promulgado um código de leis para seu povo em algum momento durante a segunda metade do segundo milênio está longe de ser problemática.

Quanto ao tabernáculo, “nenhum estudioso crítico aceita que o relato de êxodo seja uma exposição literal do santuário no deserto […] em vez disso, o relato do tabernáculo talvez reflita versões idealizadas dos santuários em tendas que existiram mais tarde em Siló ou da tenda de Davi”. E claro que a questão não é se a narrativa reflete até certo ponto os interesses de períodos posteriores, mas se há bons motivos para pensar que ela, mesmo refletindo tais interesses, fornece uma ideia errada em sua descrição de um tabernáculo dos tempos antigos. Desse ponto de vista, nada há de essencialmente problemático com a descrição bíblica do tabernáculo. Kitchen sustenta que a tecnologia usada para fabricar o tabernáculo era bem conhecida na época de Moisés e, inclusive, que o tabernáculo descrito no texto bíblico é bem simples em comparação com locais de adoração existentes por volta dessa época no Antigo Oriente Próximo. Ele apresenta vários exemplos tanto mesopotâmicos quanto egípcios de estruturas semelhantes à do tabernáculo, que foram anteriores a Moisés ou contemporâneas a ele.

—- Retirado de: Iain Provan, V. Philips Long e Tremper Longman III – Uma História Bíblica de Israel.


Leia também:

• A Cronologia do Antigo Testamento
• A Origem das Línguas Humanas e Culturas
• A Vida Cotidiana dos Povos Antigos
 A História do Antigo Testamento Resumida
• Arqueologia Bíblica


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68 Joseph en Egypte: Geneses chap. 37— 50 à la lumière des études égyptologiques recentes (Louvain: Publications Universitaires, 1959).

69 Kitchen tem contribuído com vários estudos para a compreensão do assunto, em particular “Joseph” (in: N B D , p. 617-20) e “Genesis 12— 50 in the Near Eastern w orld” (in: R. S. Hess et al., orgs., He siuore an oath: biblical themesfrom Genesis 12—50 [Cambridge: Tyndale House, 1993], p. 77-92).

70 Israel in Egypt. Nesta seção devo muito à obra de Hoffmeier.

71 Entretanto, a principal divergência provém de um egiptólogo, D. Redford, em sua obra study of the biblical story o f Joseph (VTS 20 [Leiden: Brill, 1970]). Suas interpretações (que tendem a desprezar a autenticidade histórica da narrativa de José) são contestadas por Kitchen e Hoffmeier, embora eles reconheçam as contribuições positivas de Redford.

72 Israel in Egypt, p. 97.

73 Ibidem.

74 “Genesis 12— 50 in the Near Eastern w orld”, p. 79-80.

75 lofFmcier, Israel in Egypf, p. 84-8;J. C urrid, Ancient Egypt and the Old’1’esíament (Grand Rapids: Baker, 1997), p. 74-82.

76 “Genesis 12— 50 in the Near Eastern world”, p. 90.

77 Walton; M atthews, Bible background commentary, p. 75.

78 Hoffmeier, Israel in Egypt, p. 87-8. Cf. tb. o que K. Kitchen diz em “Egyptians and Hebrews, from Raamses to Jericho” (in: Ahituv; Oren, orgs., Origin o f early Israel, p. 105-6): “… um ou mais escritores bíblicos podem muito bem ter conhecido o nome do rei, mas durante o período ramessida, na comunicação e documentação do dia a dia (com exceção de trechos que indicavam a data oficial, algo desnecessário para os escritores bíblicos), as pessoas costumeiramente se referiam a seu governante como ‘faraó’ ou ‘faraó, nosso bom senhor, L P H ’ ou algo parecido — nunca pelo nome! […] Mais uma vez as práticas egípcia e bíblica mudam juntas com o passar o tempo”.

79 Israel in Egypt, p. 94-5.

80 Discordando das inúmeras afirmações (porém, ingênuas) feitas por Kitchen de que está se baseando apenas em “fatos”.

81 E.g., é possível ver a “terra de Ramessés” (G n 47.11) como um anacronismo que reflete a época do narrador ou uma época ainda posterior; veja Walton; Matthews, Bible background commentary, p. 79.

82 Veja AN EP , p. 35. Divergências entre egiptólogos em relação à interpretação de dados astronômicos, à duração de alguns reinados e à extensão da sobreposição de dinastias no Egito têm resultado em esquemas cronológicos conflitantes da história egípcia antiga. Por isso, deve-se considerar apenas aproximadas as datas de faraós específicos. M esmo se deixarmos de lado teorias cronológicas radicais que levariam a um avanço substancial de muitas datas, nos diferentes métodos cronológicos, as datas dos faraós ainda podem variar entre si de vinte a trinta anos. Veja ainda K.xihit,Ancient Near East, vol. l,p . 11-2 e passim.

83 Hoífmeier, Israel in Egypt, p. 112-4.

84 Veja ANET, p. 119, e as análises feitas por B. Lewis, em The Sargon legend: a study ofthe Akkadian
text and the tale o f the hero who was exposed at birth (A SO R Dissertation Series 4 [Cambridge: American
Schools o f O riental Research, 1980]), e por Longman, em Fictional Akkadian autobiography.


Núcleos Narrativos de Anthares

A lista abaixo está em ordem cronológica, de acordo com a linha temporal do Universo Anthares.

PERÍODO PRÉ-DILUVIANO

• A Grande Equação
• A Criação das Dimensões
• A Insurgência e a Separação dos Acsï
• Jauz, o Portal e os Drishs
• Sete nasce – (≈ 3670 a.C.)
• Suméria fundada – (≈ 3316 a.C.)
• O Clã Hakal
• Mafug e Novo Mundo
• As Águas de Agazohu
• A Queda de Rohä
• Os Nefilins e o Guardião do Portal
• As Conquistas da Fúria
• A Fundação de QeMua
• Noé nasce (≈ 2744 a.C.)
• O Anúncio da Sentença
• O Selamento do Portal – (≈ 2590 a.C.)
• A Comunidade da Muralha
• Os Sinais dos Tempos
• A Pirâmide de Quéops – (≈ 2330 a.C.)
• Uni, o grande general egípcio (2300 a.C.)
• A Descoberta dos Ambientes Não-físicos
• O Dilúvio – ano 1656 (≈ 2144 a.C.)
• A Contenção de Rohä

DO OUTRO LADO DO PORTAL

• Hakais e QaFuga
• O Vale das Preces
• O Mago de Cipre
• A Guerra das Noites
• A Garganta de Maltam
• O Campo dos Lamentos
• Dia de Sangue
• O Mistério dos Pinages
• O Silêncio
• Drishs Avançam (RPG)
• Os Três Lendários

DO LADO DE CÁ DO PORTAL
(e itens históricos de referências cronológica)

• Caídos – A Segunda Crise
• A Comunidade Oculta
• Os Dragões Europeus
• A Confusão das Línguas
• Babel vira Babilônia – 1803 a.C.
• Ínaco funda Argos – 1802a.C.
• O Banimento dos Gigantes
• Hamurabi assume o trono – 1767 a.C.
• O Mercenário de Sodoma
• As Atas da Disputa
• O Guardião da Floresta
• Hércules mata Busíris¹ – 1471 a.C.
• Peste dos Filisteus – 1320 a.C.
• Êxodo dos hebreus – 1260 a.C.
• Isdras, o Herói da Nação – ≈ 1000 a.C.
• O Guardião da Lua
• A Origem do Japão – 697 a.C.
• As Sentinelas de Takeshi
• Buda nasce – 560 a.C.
• Jesus¹ nasce – entre 4 e 7 a.C. (pois é)²
• A Peste Antonina – 165
• A Migração dos Teutões – 350 –
• A Praga de Justiniano – 541
• Peste e Ódio – 1218
• A Orda Mongol contra os Samurais – 1274
• O Contrato de Salém – 1693
• Grande Peste de Marselha – 1720
• O Exorcista do Velho Oeste
• Constantin von Tischendorf – 1844
• Guerra Anglo-Zulu – 1879
• Grande Sismo de Kantō – 1923
• A Segunda Guerra e o Vesúvio
• Pandemia de Mortos Vivos
• Os Pequenos Sacerdotes
• A Morte de Edmundo Pinto e Ulysses Guimarães
• Chacina em Santo André
• Psy e Químico
• O Julio na Gaita e a Bicharada
• O Ponto de Étretat
• Sequestros em Mateiros
• A Ferramenta de Nuhat
• O Guardião de Tóquio
• A Militância Mundial
 Experimento Equilibrium
• O Grande Bloco Mundial
• A Revolução
• A Queda dos Estados
• O Retorno de Rafael
• O Cataclisma

OUTROS TÓPICOS IMPORTANTES

• A Magia em Anthares
• Os Drishs e a Magia
• Sistemas Mágicos em Anthares
• As Comunidades Parassociais
• Deuses do Olimpo e Nórdicos
• Lugares Misteriosos

Cronologia - Universo Anthares

Cronologia - Universo Anthares

[…] O Êxodo […]

A Cronologia dos Juízes de Israel - Universo Anthares

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A Cronologia da Monarquia de Israel - Universo Anthares

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Davi e Jônatas - Universo Anthares

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Freya e o colar dos anões - Universo Anthares

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[…] Hércules mata Busíris¹ – 1471 a.C.• Peste dos Filisteus – 1320 a.C.• Êxodo dos hebreus – 1260 a.C.• Isdras, o Herói da Nação – ≈ 1000 a.C.• O Guardião […]

Juno, a Rainha do Céu - Universo Anthares

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A linguagem original em Anthares - Universo Anthares

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A História dos Samurais - Universo Anthares

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A Fundação de QeMua - Universo Anthares

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Jauz, o Portal e os Drishs - Universo Anthares

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