ENEIDA – A Epopeia de Virgílio

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Virgílio, ao contrário de Homero, escreveu seus textos diretamente para o formato de livro, sem a influência da tradição oral. Além disso, diferentemente de Homero, conhecemos mais detalhes sobre sua vida e contexto histórico, o que marca uma distinção significativa entre os dois autores. Enquanto Homero pertence a uma era de tradição oral, Virgílio é parte de um período em que a escrita era mais prevalente e os textos eram produzidos como parte de uma cultura literária mais formalizada, especialmente em Roma durante a transição da República para o Império, sob o governo de Otávio Augusto.

A Eneida, escrita por Virgílio, foi encomendada pelo imperador Augusto como uma obra épica que celebrava as glórias do Império Romano e do próprio Augusto. Mesmo que Virgílio não tenha ficado satisfeito com o resultado e tenha expressado arrependimento antes de sua morte, a obra sobreviveu como um dos maiores épicos da humanidade, embora tenha sido concebida como uma propaganda estatal.

A narrativa da Eneida segue Enéias, um troiano, em sua jornada que está intrinsecamente ligada à fundação de Roma. Virgílio mescla mitologia grega com eventos históricos, criando uma narrativa que serve como um mito fundacional para Roma. O uso de figuras e eventos da mitologia grega, apesar de serem romanos, destaca a influência e a apropriação da literatura grega pela cultura romana.

A estrutura da Eneida apresenta paralelos notáveis com as obras de Homero, especialmente a Odisseia e a Ilíada. Virgílio emprega técnicas narrativas semelhantes, como a divisão da epopeia em cantos e a caracterização de personagens humanos e divinos. Enéias, o protagonista da Eneida, é uma continuação de um personagem que aparece na Ilíada de Homero, demonstrando a conexão e influência direta do autor romano com a tradição literária grega.

O primeiro canto da Eneida estabelece a narrativa ao descrever a intervenção dos deuses, particularmente Juno, no destino de Enéias e seus companheiros troianos. Juno, motivada por sua animosidade em relação aos troianos, interfere na viagem dos sobreviventes de Troia, causando uma tempestade que os leva à costa da Líbia, onde são recebidos pela rainha Dido. A partir desse ponto, a epopeia se desenvolve, explorando temas de destino, guerra e fundação de Roma.

O uso de elementos da mitologia grega, a continuidade da narrativa homérica e a complexidade da trama fazem da Eneida uma obra fundamental da literatura ocidental, influenciando não apenas poetas posteriores, como Dante, mas também fornecendo insights valiosos sobre a cultura e a política da Roma antiga.

Diante da tempestade furiosa, Eneias lamenta, preferindo ter morrido na luta com Diomedes, a quem ele se refere como Tidida, filho de Tideu. A fúria do mar é interrompida por Netuno, o deus dos mares, que percebe a intervenção de Hera e Juno na tempestade e repreende Eolo, deus dos ventos, pelo caos nas águas.

Posteriormente, Tritão, filho de Netuno, e Cimoteia, uma nereida, ajudam a desviar as embarcações das rochas, permitindo que os troianos cheguem à costa da Líbia. Lá, eles desembarcam, caçam, se alimentam e lamentam a perda de seus companheiros na tempestade.

Vênus lamenta pelo filho Eneias, questionada por Júpiter, mas é consolada pelo reafirmar do destino grandioso de Eneias. Júpiter envia Mercúrio para garantir que a Rainha Dido não atrapalhe a jornada de Eneias. Após uma noite de reflexão, Eneias decide explorar a região e encontra Vênus disfarçada, revelando a presença da rainha Dido em Cartago. Eneias se apresenta como devoto, refletindo a imagem que Virgílio deseja transmitir do fundador de Roma.

Os troianos são acolhidos por Dido, e durante uma festa, Vênus orquestra um plano usando Cupido para fazer Dido se apaixonar por Eneias, adicionando ironia à narrativa. Enquanto os deuses conspiram, os troianos são generosamente recebidos por Dido, alheia ao plano divino.

Eneias é questionado por Dido sobre a guerra de Troia, encerrando o primeiro canto. No início do segundo canto, a narrativa se aprofunda na queda de Troia, destacando o episódio do Cavalo de Troia. Sinon engana os troianos, levando o cavalo para dentro das muralhas, desencadeando a destruição de Troia.

A descrição da batalha dentro das muralhas é vívida, com destaque para o desespero do rei Príamo diante da brutalidade dos gregos. A intervenção divina salva Eneias e sua família da destruição iminente, apesar da perda da esposa de Eneias durante a fuga.

A jornada continua com Eneias seguindo as instruções do destino, enfrentando desafios como as Hárpias e o encontro com Andrômaca, viúva de Heitor. Os sinais divinos guiam Eneias em direção à Itália, encerrando o segundo canto com a partida dos troianos da ilha dos Ciclopes.

No canto 6, há uma passagem que menciona Dédalo, onde há uma conexão interessante com a história de Ícaro, que serve como um alerta contra o excesso de confiança e desobediência aos pais, algo que ecoa no personagem de Enéias, que sempre busca aconselhamento de seu pai e respeita suas orientações. A presença da Sibila no templo de Apolo, oferecendo ajuda para entrar no Hades, adiciona uma dimensão mística à jornada de Enéias, enquanto ele se depara com os portões do reino dos mortos, guardados por Caronte, evocando imagens reminiscentes do “Auto da Barca do Inferno”.

A entrada no Tártaro e a visão das almas sendo punidas por seus crimes refletem conceitos de justiça e punição presentes em diversas tradições religiosas e culturais. O encontro com Deífobo e Helena, bem como o desejo de Enéias de pedir perdão a Dido, ressaltam os temas da redenção e reconciliação, enquanto a visita ao Elísio revela um vislumbre do destino glorioso reservado aos descendentes troianos na Itália.

Nos Cantos 7 e 8, vemos a preparação para a guerra entre troianos e latinos, com destaque para a intervenção divina e o simbolismo das armas feitas por Hefesto. A presença de Erato como musa invocada traz uma aura poética à narrativa, enquanto a história de Latino e os eventos sobrenaturais que moldam seu destino destacam a influência dos deuses na vida dos mortais.

A batalha entre troianos e latinos, descrita com detalhes vívidos, revela não apenas o conflito físico, mas também as lutas internas dos personagens e as maquinações dos deuses nos bastidores. A morte de Palante e o duelo final entre Enéias e Turno simbolizam o cumprimento do destino e a resolução do conflito, com os deuses finalmente desistindo de interferir.

No aspecto simbólico, os personagens principais como Enéias, Vênus e Dido representam arquétipos mitológicos, cada um carregando significados profundos em relação ao heroísmo, manipulação divina e paixão desafortunada. A jornada de Dido, em particular, encapsula uma série de temas universais, desde o amor ardente até a negligência das responsabilidades, servindo como um lembrete da fragilidade humana e da complexidade das emoções.