ARQUEOLOGIA BÍBLICA

A palavra arqueologia deriva de duas palavras gregas, archaios, que significa “antigo”, e logos, que significa “palavra”, “assunto”, “relato” ou “discurso”. Arqueologia significa, literalmente, “relato (ou discurso) de assuntos antigos”, e de quando em quando as pessoas usam-na para referir-se à história geral antiga. Comumente, porém, arqueologia aplica-se às fontes da história, desconhecidas até que as escavações as trouxeram à luz. Arqueólogos são os que estudam o passado, que trazem à tona importantes sítios históricos e estudam o que encontram. No Oriente Próximo os arqueólogos dependem desses objetos históricos para conhecerem os fatos muito mais do que quando escavam cidades na Itália ou na Grécia, porque pouca literatura sobrevive oriunda do antigo Oriente Próximo. Se o arqueólogo encontra textos escritos, ele os passa para um especialista na língua ou cultura, que os traduz e compara com outros trechos de literatura daquela época.

Os eruditos discordam quanto à propriedade do termo “arqueologia bíblica”. Dizem alguns que arqueologia é arqueologia — isto é, seus métodos e alvos são essencialmente os mesmos em toda a parte, quer a Bíblia esteja envolvida, quer não. Eles têm, igualmente, preocupações válidas quanto a reivindicações anticientíficas (às vezes até fraudulentas), perpetradas em nome da arqueologia “bíblica”. Creem que deveríamos empregar outro termo, como “arqueologia palestina” ou então “a arqueologia e a Bíblia”. Talvez a expressão arqueologia bíblica tenha caído no desagrado porque os cientistas hoje simplesmente não estão muito interessados em assuntos bíblicos. Os estudiosos que têm interesse profissional na Bíblia não se acham tão ativamente engajados em trabalho arqueológico como outrora. Hoje, os arqueólogos profissionais estudam um amplo espectro de interesses culturais e antropológicos que podem não ser de aplicação imediata para o estudante da Bíblia. A afinidade há muito existente entre os estudos bíblicos e a arqueologia já não é hoje tão firme. Os principais recursos, financeiros e de pessoal, dos projetos arqueológicos nas terras bíblicas nunca vieram de organizações ou instituições eclesiásticas. Vieram de universidades, museus ou de outras fontes privadas. Esta tendência provavelmente se tornará até mais forte no futuro por causa da inflação, da crescente especialização arqueológica, e do ceticismo cada vez maior da arqueologia para com o cristianismo tradicional. Não obstante, as igrejas e suas instituições deveriam procurar participar o quanto puderem.

Prova a arqueologia que “a Bíblia é verdadeira”? Não exatamente. O que é verdadeiro é que a arqueologia tem aumentado nossa confiança nos amplos esboços do relato bíblico. As descobertas arqueológicas têm sustentado muitas declarações específicas encontradas no texto sagrado. Muitas vezes a arqueologia tem sido útil na refutação aos ataques dos céticos. Todavia, muita coisa da Bíblia tem que ver com questões relativamente particulares, pessoais, as quais a arqueologia não pode verificar. E quanto mais recuamos na história, tanto menos evidências encontramos.

A. Suas Limitações. A “verdade” da Bíblia não é apenas uma questão de fatos, mas de interpretação
desses fatos. Mesmo que pudéssemos demonstrar a veracidade da Bíblia inteira, isso não provaria seu
significado redentor. Visto como a fé cristã se baseia em acontecimentos históricos, os cristãos recebem
de bom grado qualquer prova que a arqueologia possa proporcionar — porém não ancoram aí a sua fé.
Nenhuma falta de prova nem o ceticismo crítico desacre ditam a Palavra de Deus. Melhor é acentuar que
a arqueologia nos ajuda a entender a Bíblia que insistir em que ela prova que a Bíblia é verdadeira. Com
efeito, a arqueologia não pode fazer tanto, nem há necessidade de que o faça.

B. Seu Valor. A arqueologia pode proporcionar informação de fundo histórico de milhares de anos depois que a Bíblia foi escrita. Conquanto a arqueologia lide, antes de tudo, com objetos concretos, Materiais, ela pode ajudar- nos a compreender a mensagem espiritual “os escritores bíblicos — A especialmente suas ilustrações e figuras de Pensamento. Deve haver um “diálogo” entre o texto bíblico e os achados arqueológicos, porque cada um deles pode ajudar-nos a em tender e interpretar o outro. A Bíblia ajuda-nos a entender as novas descobertas arqueológicas, enquanto a arqueologia nos ajuda a ler nas entrelinhas” do registro inspirado.

Por exemplo, os registros históricos da antiga Babilônia não mencionam Belsazar, muito embora a Bíblia diga que ele sucedeu a Nabucodonosor (Daniel 4-5). Por algum tempo, alguns estudiosos da Bíblia duvidaram dela neste ponto. Mas em 1853 os arqueólogos encontraram uma inscrição em Ur, a qual mostra que Belsazar reinou com Nabonido, seu pai.

C. Sua Confiabilidade. Quão objetivo ou verdadeiramente científico é o método arqueológico, e até que ponto se pode confiar nos seus resultados? Felizmente, já passou o dia em que pensamos que até as ciências “exatas” ou físicas (a física, a química, e assim por diante) são absolutamente objetivas. Sabemos que as atitudes e as noções de verdade dos cientistas afetarão o modo pelo qual interpretam os fatos. Por outro lado, o grau de opinião pessoal das ciências “flexíveis” ou sociais (história, sociologia, psicologia) não é tão grande que devamos recusar-nos a chamá-las de “científicas”. A arqueologia ocupa um campo intermediário entre as ciências “exatas” e as “flexíveis”. Os arqueólogos são mais objetivos quando desenterram os fatos do que quando os interpretam. Mas as suas preocupações humanas também afetarão os métodos que empregam quando “cavam”. Não podem deixar de destruir suas provas quando escavam, de modo que nunca podem testar seu “experimento” mediante a repetição. Isto faz que a arqueologia seja singular entre as ciências. Além do mais, faz dos relatórios arqueológicos uma tarefa exigentíssima e toda cheia de armadilhas. Não obstante, a arqueologia coincide com outras disciplinas científicas, como história, geografia e antropologia cultural (o estudo das formas de pensar e viver do homem). Os especialistas em física ou química muitas vezes se juntam às equipes de escavação a fim de analisar sementes, ossos, pólen, solo, e coisas semelhantes. O estudo de religiões comparadas ou “história das religiões” muitas vezes desempenha um papel proeminente na interpretação dos achados, porque muitos deles se relacionam com o culto. A geologia lida com camadas naturais ou estratos, em contraste com as camadas feitas pelo homem que reclamam a atenção dos arqueólogos; entretanto, muitas vezes os arqueólogos consultam os geólogos a fim de aprenderem mais acerca da natureza dos locais que estão escavando.

D. Sua Geografia. Quais as áreas geográficas que atraem o interesse da arqueologia bíblica? Para o período do Novo Testamento, essa área coincide grandemente com o Império Romano. Para os tempos do Antigo Testamento, a área é um tanto menor, e o centro se desloca o leste a fim de incluir o vale da Mesopotâmia e a Pérsia (o Irã 5e nossos dias). É mais simples, porém, começar pelo ponto central — Palestina ou Israel (Canaã) — e partir daí. Os grandes impérios situados nos vales do Nilo e da Mesopotâmia são quase tão interessantes quanto a própria Palestina. A cultura da Fenícia (o Líbano moderno) tinha muito em comum com a de Canaã. A Síria é também de fundamental interesse — sua história amiúde se entrelaçava com a de Israel e sempre foi o principal corredor para os invasores da Palestina. Ainda mais ao norte, a Ásia Menor foi a terra natal dos hititas e de outros povos importantes.

ASCENSÃO DA MODERNA ARQUEOLOGIA

A história da moderna arqueologia do Oriente Próximo começa quase ao mesmo tempo em que começaram outras ciências modernas, durante o século dezoito. Antes disso, sempre houve colecionadores de antiguidades (geralmente museus ou indivíduos ricos). As “escavações” resultantes eram pouco mais do que caça a tesouros que destruía a maior parte da informação de valor para o arqueólogo científico. Infelizmente, algumas pessoas ainda conservam essas atitudes, e quase todos os países do Oriente Próximo travam uma difícil batalha contra os escavadores que procuram satisfazer à demanda do mercado negro de artefatos. A arqueologia bíblica provavelmente teve início com a descoberta da Pedra da Roseta (nome derivado de uma aldeia próxima do Delta do Nilo), quando Napoleão invadiu o Egito em agosto de 1799. Escrita em três colunas (grego, hieróglifos egípcios, e um escrito egípcio de data posterior), a pedra logo foi decifrada por Jean François Champollion. Havia mais relíquias do passado na superfície do terreno no Egito do que em qualquer outra parte do antigo Oriente Próximo, e a descoberta de Napoleão desses escritos estimulou posterior exploração desse país. Um avance semelhante se fez na Mesopotâmia em 1811, quando Qaude J. Rich encontrou dezenas de tabula s de argila cozidas, na Babilônia, com escrita cuneiforme (“em forma de cunha”). Em 1835, Sir Henry Creswicke Rawlinson decifrou uma inscrição em três línguas (persa antigo, elamita e acadiano), que Dario o Grande havia feito sobre um penhasco perto de Behistun na região ocidental da Pérsia. Uma década mais tarde, Sir Austen Henry Layard e outros arqueólogos pioneiros abriram montes de entulho que continham os restos de grandes cidades assírias, como Nínive, Assur, e Calah. Nesses montes (ou outeiros), descobriram mais tábulas cuneiformes. Uma vez que já haviam aprendido a ler a escrita cuneiforme, as tábuas lhes permitiram rever toda a história, cultura e religião da Assíria e Babilônia antigas. Encontraram muitos paralelos com a história da Bíblia.

A. Contribuição de Petrie. A arqueologia científica, porém, levou quase outro meio século para entrar na Palestina. Em 1890 Sir W. M Flinders Petrie voltou sua atenção para o monte de Tell-el-Hesi (hoje a cidade bíblica de Eglom, embora Petrie julgasse tratar-se de Laquis). Petrie não foi o primeiro a cavar na Palestina, mas foi o primeiro a reconhecer o verdadeiro significado da estratigrafia — estudo das várias camadas de ocupação que aparecem num corte geológico, e da cerâmica pertencente a cada stratum (latim, “camada”). Mas até mesmo o primeiro passo de Petrie foi vacilante, O método de Petrie, de datar pela sequência, ou datação sequencial, simplesmente considerava como divisões “estratigráficas” cada pé (30,5 cm) na escavação, em vez de seguir as linhas irregulares da própria ocupação ou sequência. Não é possível mencionar todos os cientistas que se valeram das realizações de Petrie. Contudo, o próximo grande passo foi dado por W. F. Albright em Tell Beit Mirsim, oeste de Hebrom, numa série de “escavações” desde 1926 até 1932. (Albright identificou o sítio com a localidade bíblica de Debir ou Quiriate-Sefer, mas isto tem sido seriamente contestado.) Por seus métodos meticulosos, Albright estabeleceu de uma vez por todas a sequência correta da cerâmica palestina. Albright e seus sucessores, especialmente G. E. Wright recomendaram e praticaram os mais esmerados procedimentos. Chj’ trás melhorias na técnica de escavação foram introduzidas por G. E Reisner e Clarence S. Fisher em Samaria (1931-1935), e por Kathleen Kenyon em Jericó e alhures, começando em 1952. Os especialistas ainda discutem sobre os melhores procedimentos. É preciso usar métodos diferentes pelo simples fato de variarem as exigências dos locais. Por exemplo, a arqueologia israelense dos dias atuais muitas vezes é obrigada a abrir mão de procedimentos mais desejáveis a fim de chegar antes dos buldôzeres da nova construção.

Observe que os desenhos mais antigos (p. ex., os da Idade do Bronze) tendiam a ser muito simples e funcionais. Os desenhos posteriores, que mostram a influência da arte persa e grega, eram mais delicados e amiúde tinham pintura ornamental. Conforme observamos anteriormente, os arqueólogos modernos tendem a ter um conceito muito mais amplo de sua tarefa do que é assinalado pela expressão arqueologia bíblica. Desejam explorar todo o espectro da experiência humana em conexão com a história de um local. Esse método não está, necessariamente, em grande desacordo com o conceito da arqueologia biblicamente orientada. Mas, infelizmente, amiúde resulta em conflito.

B. Robinson e Glueck. Nosso esboço da história da arqueologia palestina seria incompleto sem a inclusão do nome de Edward Robinson. Suas contribuições circunscreveram-se mais à área da geografia ou exploração da superfície do que à escavação arqueológica, mas os dois esforços são inseparáveis. Em 1838 e 1852 ele e um companheiro tiveram êxito em localizar muitos sítios bíblicos, amiúde na base da similaridade entre seus nomes bíblicos e modernos (p. ex., Anatote, a terra natal de Jeremias, e a moderna Anata). Quase um século depois, Nelson Glueck fez contribuições semelhantes mediante suas viagens às áreas estéreis da Transjordânia, do ale do Jordão e do Neguebe (região semi-árida ao redor de Berseba). Mais tarde ainda, o Fundo de Exploração da Palestina trouxe à fruição esses esforços pioneiros.

C. Desenvolvimentos Recentes. Os arqueólogos têm feito grandes progressos em duas áreas relacionadas com a arqueologia bíblica: arqueologia subaquática e estudos “pré-históricos”. Os métodos subaquáticos afetam a arqueologia bíblica apenas na cidade costeira de Cesareia. Os estudos “pré-históricos”, que lidam com períodos anteriores a 3.000 a.C, dependem em grande parte de comparar os estilos de ferramentas de pedra. Os arqueólogos têm feito descobertas importantes do período “pré-histórico” em muitos pontos da Palestina, e estão concentrando mais de suas energias nessa direção.

MÉTODOS ARQUEOLÓGICOS

Os métodos arqueológicos são, em essência, muito simples. Na verdade, podiam ser reduzidos a apenas dois procedimentos — estratigrafia e tipologia.

A. Estratigrafia. A estratigrafia estabelece uma cuidadosa distinção dos vários níveis (ou strata) em que as pessoas viviam. São numeradas de modo simples e consecutivo (em geral por numerais romanos) do alto para baixo, sendo o stratum do alto — o mais recente — “Stratum I”, e assim por diante. O número total de camadas de determinado sítio pode variar de maneira considerável, bem como a profundidade dessas camadas. Um monte artificial de detritos ou entulhos de uma antiga cidade pode muito bem chegar de 15 a 22 metros acima do solo virgem, e na Mesopotâmia é frequente excederem esta altura. De quando em quando um monte artificial tem sido ocupado quase continuamente por milhares de anos; e se ainda estiver ocupado, a escavação será muito difícil ou impossível. Outras vezes haverá longas lacunas na história da ocupação do sítio. Isso só podemos saber depois de completa a escavação, embora um estudo dos fragmentos de cerâmica que foram arrastados pelas águas das encostas dos montes de detritos deem ao arqueólogo um bom retrato do progresso das civilizações a serem desenterradas nesses montes. Às vezes as diversas camadas se distinguirão pelas camadas espessas de cinza ou de outros escombros da destruição; outras vezes somente pelas diferenças na cor ou na compacidade do solo. Se um monte de escombros jaz desabitado por longo tempo, a erosão e a pilhagem do local podem romper completamente uma camada. Habitantes posteriores muitas vezes cavam valas, cisternas e covas profundas nas primitivas caldas, aumentando os problemas do escavador.

B. Tipologia da Cerâmica. A identificação dos estratos capacita o cientista a determinar uma sequência relativa de camadas, mas não datas absolutas. Para as datas, ele deve usar a tipologia da cerâmica (isto é, o estudo de diferentes tipos de cerâmica). Com o correr do tempo, os arqueólogos desenvolveram um conhecimento muito pormenorizado da cerâmica característica de cada período. Relacionando-se cada estrato com os fragmentos de cerâmica nele encontrados, o arqueólogo geralmente pode determinar a data do estrato dentro de um período de tempo relativamente estreito. Quando foram introduzidos, os cientistas relutaram em adotar os métodos da estratigraha e da tipologia. Em Tróia, Heinrich Schliemann concluiu no século dezenove que os montes de escombros encobriam as camadas de mais de uma cidade antiga. Isto lhe trouxe o escárnio dos círculos eruditos de toda a Europa até que ele provou sua tese. Houve, de início, semelhante rejeição da tipologia da cerâmica. As tipologias de outros objetos antigos também são úteis. Por exemplo, o desenvolvimento da candeia ajuda o arqueólogo na identificação de períodos mais amplos. De um simples pires com um pavio ou mecha, a candeia finalmente desenvolveu um lábio em um lado para segurar o pavio, depois quatro lábios em ângulos retos entre si. Finalmente o topo foi todo coberto para deixar somente um bico para o pavio. Na época bizantina e na cristã, o topo coberto era acabado com uma variedade de símbolos artísticos. Ferramentas, armas e estilos arquitetônicos mudaram através dos séculos, conforme mudava o desenho de ídolos pagãos. Nas raras ocasiões em que se encontrou material escrito na Palestra, temos outro teste importante para datas históricas, e a paleografia que é o estudo da história da escrita, tornou-se uma ciência precisa. As moedas não apareceram na Palestina até ao fim do período do Antigo Testamento (c. 300 a.C). Desde que as pessoas às vezes acumulavam moedas e as guardavam como tesouro, ou as conservavam como bens de família, esta evidência pode induzir o arqueólogo a erro. Verifica-se o mesmo com objetos importados, onde um intervalo de tempo de 25 a 50 anos muitas vezes terá de ser levado em consideração.

C. Outras Técnicas de Datação. A tipologia da cerâmica é a mais fundamental forma de datar os sítios arqueológicos. Todos os demais métodos são suplementares. Em anos recentes, os cientistas desenvolveram novos procedimentos para a datação de objetos antigos, mas nenhum desses procedimentos ameaça substituir a análise dos tipos de cerâmica. Os especialistas podem datar a cerâmica até dentro de, no mínimo, meio século; a margem de erro é consideravelmente maior com outros procedimentos, e em geral se torna maior quanto mais recuamos no tempo. Apenas numas poucas “eras escuras”, para as quais não temos nenhuma pista cerâmica, é que as técnicas mais recentes provaram valer o tempo e a despesa. Dos procedimentos mais recentes, o mais bem estabelecido e o mais importante é a datação pelo radiocarbono. O isótopo 14 do carbono é uma forma de carbono com meia-vida de cerca de 5.600 anos. Ele se decompõe para formar o carbono-12, a forma de carbono mais comum. Medindo-se a proporção do carbono-14 para o carbono-12 de um objeto, os cientistas podem determinar a idade do objeto. Embora o carbono-14 deva desintegrar-se a um índice constante, alguns cientistas ainda questionam sua exatidão e confiabilidade. Ele se encontra só em substâncias orgânicas (madeira, tecido, e assim por diante), que são raras nas escavações palestinas. Um pedaço considerável da amostra é destruído durante o teste, o que faz com que os arqueólogos relutem em usar este método. Não obstante, tem sido útil, especialmente em silenciar o ceticismo de pessoas que ainda não se convenceram da capacidade dos arqueólogos de datar a cerâmica. Algumas outras técnicas são mais promissoras para a arqueologia bíblica. A termoluminescência serve para determinar quando a cerâmica foi queimada. A análise esvectrográfka bombardeia um pedaço de cerâmica com elétrons a fim de medir o espectro químico dos minerais nele contidos. De um modo um tanto semelhante, na ativação do nêutron o material cerâmico é colocado num reator nuclear e a composição química da argila é determinada a partir da radioatividade que ela pode emitir. Os dois últimos métodos são mais proveitosos para determinar a fonte da argila da qual foi manufaturada a cerâmica do que sua data: mas, com freqüência, os dois métodos andam juntos (O olho de um competente especialista em cerâmica pode muitas vezes detectar muita coisa sobre a fonte original da argila sem esses auxílios científicos.) As técnicas científicas também podem ajudar na pesquisa de sítios. São tantos os montes formados por escombros ainda não tocados pela moderna escavação, que a demanda para esses recursos tem sido pequena. Mas nas áreas menos povoadas da Transjordânia e do Neguebe, a fotografia aérea infravermelha tem podido isolar cidades antigas selecionando diferenças na vegetação. Um objeto emite calor na forma de raios infravermelhos; quanto mais quente for o objeto, tanto mais raios infravermelhos emitirá. Assim, as fotografias infravermelhas revelam diferenças na temperatura das plantas que crescem nos muros e pavimentos antigos. Na Itália, os arqueólogos usaram o magnetômetro de próton (comparável ao contador Geiger) para localizar a cidade de Síbaris.

D. Supervisão do Trabalho. Além da estratigrafia e da tipologia, o registro cuidadoso e a publicação dos dados constituem o terceiro importante princípio da arqueologia científica. Diferentemente de outras ciências, a arqueologia não pode repetir seus “experimentos” para comprová-los. Assim, o interesse pelos registros cuidadosos é o âmago da “escavação” bem-sucedida. De início os arqueólogos demarcam um sítio usando um “sistema de grade”, cotejando a latitude e a longitude da área. Em geral dividem o sítio em “campos”. Dentro de cada campo medem certas “áreas” e as marcam com estacas para escavação. Os campos podem variar de tamanho, dependendo da situação, mas costumeiramente as áreas medem seis metros quadrados. Os arqueólogos subdividem ainda cada área em quatro quadrados, deixando divisores (“faixa de terra”) de um metro de largura entre cada quadrante. Essas faixas proporcionam um passadiço para observação e inspeção durante o trabalho, e representam pontos de referência se mais tarde surgem dúvidas. Nem sempre um quadrante inteiro é cavado de maneira uniforme; os trabalhadores cavam “valas de sondagem” em ângulos retos a outras valas, num esforço por antecipar o que podem descobrir. Cada área tem seu supervisor, que por sua vez é supervisado pelo diretor da escavação.

O supervisor de área tem duas tarefas: 1) supervisar e dirigir a escavação real em sua área, e 2) registrar tudo com todo o cuidado à medida que aparece. Os trabalhadores são basicamente de três tipos: 1) os picareteiros, que com todo o cuidado quebram em pedaços o solo compacto (um procedimento muito especializado, que se distingue da corriqueira escavação de valas); 2) os enxadeiros, que trabalham no solo recentemente solto, observando qualquer coisa significativa; e 3) os cesteiros, que retiram o refugo após a inspeção. Às vezes os cesteiros também usam peneiras, desempoladeiras e escovas para raspagem e limpeza.

O supervisor de área registra notas cuidadosas em uma caderneta de campo, um diário de tudo o que seus trabalhadores fazem. Ele designa um número arbitrário de localização para cada subdivisão de sua área, tanto vertical como horizontalmente. Os operários coletam toda a cerâmica em cestas especiais e as etiquetam para indicar a data, a área e o local. Depois a cerâmica é lavada e “lida” pelos peritos, que separam e registram as peças de interesse especial. Fotografam ou fazem um croqui de qualquer coisa de interesse especial antes de desmontá-la. No final de cada dia (ou antes de dar início a uma nova fase da escavação), o supervisor de área deve fazer desenhos em escala tanto das paredes verticais como do chão de sua área. No final da temporada, ele prepara um relatório detalhado de tudo o que aconteceu em sua área. O diretor geral da escavação reúne todos esses relatórios em seu próprio relatório preliminar, e depois faz uma publicação pormenorizada. Contudo, muitos diretores de projeto têm deixado de dar os passos finais, privando o mundo estudioso do fruto de seus labores.

PERÍODOS DA HISTÓRIA ANTIGA

Os arqueólogos classificam a mais primitiva evidência histórica e aturai de acordo com um sistema de três períodos, que consistem as Idades da Pedra, do Bronze e do Ferro (cada qual com várias subdivisões). Herdamos esta ciência dos começos do século dezenove, e agora é antiquada. Mas de tal maneira ela se tornou parte da arqueologia que parece impossível mudá-la. Os arqueólogos têm tentado colocar em seu lugar algo mais satisfatório, mas esses novos sistemas têm êxito apenas limitado e muitas vezes têm trazido mais confusão. A mais bem-sucedida dessas propostas tem empregado rótulos sociológicos ou políticos, enquanto o esquema tradicional se baseia no mais vital metal desses períodos. Depois da Idade do Ferro (isto é, a partir do período persa) os nomes políticos ou culturais sempre têm servido de padrão para os períodos arqueológicos. As datas são aproximadas, é claro, porque as mudanças culturais sempre ocorrem gradualmente. Em períodos posteriores, nos quais em geral conhecemos a história com maior exatidão, é possível dar algumas datas precisas. Ao atribuir datas aos achados arqueológicos, os maiores problemas ocorrem nos períodos primitivos. Só a partir do período patriarcal (geralmente da idade Média do Bronze, depois de 2300 a.C.) é que começamos a pisar terra firme. E não foi senão um milênio mais tarde (no tempo de Davi e de Salomão) que achamos mais fácil determinar as datas dos eventos bíblicos. As datas extremamente primitivas que alguns cientistas apresentam para a Era Paleolítica ou Antiga Idade da Pedra baseiam-se mais nas teorias da evolução e da geologia do que na arqueologia. Tais datas entram em conflito com a Bíblia — não só na superfície, mas também ao nível dos conceitos subjacentes. Todavia, não é fácil determinar com precisão a linha divisória. É difícil interpretar as cronologias da própria Bíblia, e assim os intérpretes conservadores chegam a conclusões diferentes.

A. A Idade da Pedra. A era mais antiga — a Idade da Pedra — divide-se em Período Paleolítico, Período Mesolítico, e diversos Períodos Neolíticos.

  1. Período Paleolítico. O Paleolítico ou “Antiga Idade da Pedra” pode ser descrito como uma era de caça e de coleta de alimento. As pessoas viviam em cavernas ou abrigos provisórios. Faziam implementos de sílex ou de pedra lascada, e tiravam sua subsistência do que pudessem colher da natureza.
  2. Período Mesolítico. O Mesolítico ou “Idade Média da Pedra” foi uma fase de transição para uma economia produtora de alimento, na qual apareceram os primeiros assentamentos ou colonizações; foi uma revolução que amadureceu na era Neolítica. Podemos dizer que houve uma evolução das artes da civilização durante este período, mas não uma evolução do homem ou de suas capacidades inatas.
  3. Períodos Neolíticos. A invenção da cerâmica por volta de 5.000 a.C. introduziu uma nova era da antigüidade, a Neolítica ou “Nova Idade da Pedra”.

O sítio palestino mais espetacular que ilustra esses desenvolvimentos é Jericó. No oitavo milênio antes de Cristo, os caçadores do Período Mesolítico construíram um santuário próximo de uma fonte em Jericó. Aos poucos eles passaram de seus abrigos nômades para a construção de casas de tijolos de barro, e começaram a lavoura de irrigação. Quatro Períodos Neolíticos distinguem-se em Jericó depois disto: dois pré-cerâmica e dois nos quais se conhecia a cerâmica. Embora o primeiro período tenha, aparentemente, começado em paz, com toda certeza tal não ocorreu com os outros três. Com efeito, o primeiro Período Neolítico se caracterizou pela construção de muros defensivos maciços — os primeiros que conhecemos na história do homem. Depois de destruído o muro, uma cultura inteiramente nova posse em marcha em Jericó. A cerâmica ainda era desconhecida, mas por outro lado era evidente um alto grau de capacidade artística. O povo de Jericó moldava o barro em torno de crânios humanos para fazer retratos realísticos com inserção de conchas no lugar dos olhos, provavelmente para algum tipo de culto a ancestrais. A próxima onda de invasores na Palestina era culturalmente atrasada em muitos aspectos. Mas havia uma grande exceção: sabiam fabricar cerâmica. Após mais uma onda de povoadores, Jericó entrou numa fase de eclipse temporário por volta de 4000 a.C. Durante o Período Calcolítico a cidade de Ghassul, situada no outro lado do rio Jordão, assumiu o poder que Jericó havia conhecido.

B. Período Calcolítico. O Período Calcolítico (Cobre-Pedra), que abrange a maior parte do quarto milênio antes de Cristo, experimentou uma transição para um uso significativo do cobre. (Os povos calcolíticos não usavam o bronze, liga ainda não conhecida.) Até este período, a Palestina mantinha-se a passo com as duas grandes culturas fluviais do Egito e da Mesopotâmia. Todavia, a partir de 4000 a.C, mais ou menos, essas duas pernas do Fértil Crescente começaram a tomar a dianteira, e a Palestina começou a assumir o papel geopolítico que desempenhou através da maior parte do período bíblico. Ela perdeu a influência cultural e politicamente, mas tornou-se uma ponte estratégica para o comércio e comunicação de grande parte do Oriente Próximo antigo. Os dois grandes rios ajudaram as outras regiões a tornar-se mais dominantes pela unificação do vasto território e por abri-lo ao comércio. Ao fim dessa era, essas regiões haviam desenvolvido padrões que seguiriam durante milhares de anos.

1. Cultura Ghassuliana. Na Palestina, segundo já vimos, parece que Jericó foi substituída por Ghassul (conhecemos somente este moderno nome árabe), ao leste de Jericó. A ausência de fortificações indica que foi um período pacífico. Ghassul era famosíssima por sua arte sofisticada, particularmente por seus afrescos multicoloridos contendo motivos geométricos, estrelas, máscaras, e outras imagens (provavelmente com significado religioso ou mitológico). Ghassul floresceu durante a segunda metade do quarto milênio visto ter sido a primeira cultura palestina conhecida deste período seu nome serviu para designar a era “Ghassuliana”. Entretanto, cada vez mais os arqueólogos estão achando que outras culturas também foram fortes durante este período. Estão achando, igualmente, que outras culturas calcolíticas tinham costumes que se assemelhavam às práticas de Ghassul. Por exemplo, os arqueólogos documentaram o costume ghassuliano de sepultar os mortos em ossuários (receptáculos de cerâmica para ossos) em muitas outras áreas, especialmente nas cidades costeiras próximas da moderna Tel Aviv. Esses ossuários geralmente eram moldados como animais ou casas, numa imitação dos usados na vida diária. Depois de cremado o corpo, os lamentadores sepultavam o ossuário numa cripta de pedra juntamente com provisões para a vida após a morte. Dois sítios próximos de Berseba (Tel Abu Matar e Bir es-Safadi) exemplificam o uso do cobre durante o Período Calcolítico. Algumas das habitações em ambos os sítios eram subterrâneas, e nelas se entrava por aberturas ligadas por túneis. Trabalhos de cobre foram encontrados em muitas covas, fornos e lareiras da área, indicando a predominância do cobre na economia das duas aldeias. O minério vinha da região Sul do Neguebe, uma distância considerável, o que indica que as aldeias possuíam uma sofisticada organização social e econômica. É provável que o sítio calcolítico mais espetacular da Palestina esteja próximo de En-Gedi, o oásis situado nas praias ocidentais do mar Morto. Bem acima da fonte (onde a cidade israelita foi escavada mais tarde) havia um complexo murado. No interior de sua maior estrutura havia um templo ao ar livre com um altar. Nada sabemos dos ritos do sacrário, mas de modo geral os arqueólogos supõem que a grande coleção de objetos de cobre (cabeças de maça, cerros, estandartes processionais) descobertos numa caverna ali por perto eram usados neste templo. Presume-se que tenham sido escondidos nesta caverna quando o templo foi ameaçado, e ninguém pôde voltar para salvá-los.

2. Cultura Megalítica. Os restos megalíticos da Palestina abarcam o Período Calcolítico e o Período Primitivo do Bronze. O termo megalítico significa simplesmente “de pedras grandes”, referindo-se às pedras grandes e arredondadas usadas nessas construções primitivas. Na Europa, tais estruturas parecem ser características do Período Neolítico, mas no Oriente Próximo parecem pertencer a épocas posteriores. Contudo, qualquer cerâmica ou outros restos que foram originalmente sepultados com eles de há muito desapareceram, e só em tempos recentes é que suas datas foram estabelecidas com firmeza. Os “megálitos” palestinos em geral eram muito simples: um ou mais blocos horizontais sobre uns poucos verticais, tendo em média um metro ou menos de altura, com uma entrada baixa de um lado, podem ter sido monumentos aos mortos, planejados como imitações das moradias habituais. Mais tecnicamente, este tipo de estrutura é chamado dólmen (literalmente, “mesa de pedra”). Em sua origem, é provável que tenham sido cobertos com pequenas pedras e terra, a qual foi levada pela água. Vez por outra um ou dois pequenos círculos de pedras pequenas os circundavam. Quase sempre estão reunidos em “campos” ou grupos, na maioria ao noroeste da Jordânia, nos declives acima da margem leste do Jordão, ou na Galiléia superior, especialmente ao redor de Corazim.

C. Idade do Bronze. Os arqueólogos têm encontrado muitos artefatos da Idade do Bronze — tantos que têm podido discernir diversos períodos culturais distintos dentro da Idade do Bronze.

1. Idade do Bronze Primitiva. Com a Idade do Bronze Primitiva e o terceiro milênio antes de Cristo, deixamos a pré-história e entramos no período “histórico” — definimos história como a presença de registros escritos. As culturas dos dois grandes vales fluviais (Nilo e Tigre-Eufrates) obtiveram muitas vantagens sobre a Palestina, especialmente quando desenvolveram a arte de escrever na segunda metade do quarto milênio. Os mesopotâmios (proto-sumérios?) foram pioneiros na escrita, mas o Egito rapidamente reconheceu os seus benefícios.

A evolução da escrita pode ser investigada em considerável detalhe, desde suas origens nos resumos de contratos comerciais através de pictogramas (retrato-escrita) em símbolos mais abstratos. A Meso-potâmia desenvolveu a escrita cuneiforme — isto é, usando um estilete para imprimir cunhas em tábulas de argila mole, que depois eram queimadas. Originalmente, os sumérios não-semíticos arquitetaram a escrita cuneiforme para si próprios, a qual foi adotada por seus sucessores semíticos, e até por vários grupos de língua indo-europeus (isto é, a família de línguas espalhadas desde a índia até à Europa Ocidental). Tornou-se uma escrita praticamente universal até que o alfabeto aramaico, no Império Persa, a substituiu. As raízes do alfabeto moderno encontram-se no Egito. Em certo sentido, os egípcios não desenvolveram a escrita além da fase pictográfica, resultando nos familiares hieróglifos (literalmente “entalhes agrados”). Embora os símbolos egípcios representassem sílabas (da itesrna forma que os mesopotâmios), continham também um pri-nutivo significado alfabético; cada símbolo representava uma letra em vez de uma sílaba.1 Muito embora os cananeus não pudessem igualar-se às culturas dos grandes vales fluviais, a Idade do Bronze Primitiva foi, também, um período de grande urbanização. Em verdade, praticamente todas as grandes cidades cananéias foram fundadas neste período. Na Palestina, essas cidades permaneceram independentes, e nunca se aglutinaram em impérios maiores. Encontramos, em essência, o mesmo sistema político de cidade-estado mais de 1.000 anos depois, no tempo da invasão de Josué. O império do rei Davi foi, provavelmente, o primeiro a suplantá-lo de maneira completa. A despeito da tradição, não é exato chamar esse período de Idade do Bronze Primitiva na Palestina. “Bronze” é uma liga de cobre e estanho, que a Palestina não conheceu até, pelo menos, mil anos mais tarde. Um termo mais adequado seria a Idade do Cobre. Os nomes alternativos para o período nunca tiveram ampla aceitação. Contudo, dois tipos de sugestões possuem algum mérito. Por causa da tendência do povo de construir grandes cidades, Kath-leen Kenyon quis dar-lhe o nome de Período Urbano. Os eruditos israelenses, porém, preferem chamá-lo de Período Cananeu (seguido pelos períodos Israelita e Persa); esses rótulos identificam o poder político de cada período. O problema de terminologia é ainda mais agudo para o terceiro milênio antes de Cristo. A pergunta é: qual a terminologia que melhor indica a continuidade bem como o contraste entre os períodos?

a. Invasores Misteriosos. Ninguém nega o violento contraste entre o Período Calcolítico e o Período do Bronze Primitivo. Diversos montes de ruínas desta era indicam que as cidades desses sítios foram destruídas entre os períodos Calcolítico e Bronze Primitivo. A única evidência com respeito à natureza dos povos que destruíram essas cidades está em seus novos costumes de sepultamento. Praticavam sepultamentos comunais em câmaras únicas, empurrando os ossos das gerações anteriores contra a parede à medida que os recém-falecidos se “reuniam aos seus pais”.

Parece óbvio que os invasores trouxeram um novo estilo de vida. Não eram nômades que aos poucos se foram assentando num local (conforme notamos muitas vezes na Jericó neolítica), pois parecem preferir as planícies às regiões montanhosas, o tijolo à pedra (mesmo na região montanhosa onde a pedra era abundante). Esse tipo de ocupação esparsa da região montanhosa continuou através da subsequente Idade Média do Bronze até ao estabelecimento dos israelitas. ‘Quem foram esses invasores? Sem registros escritos, não podemos ter certeza. Ao chamá-los de “cananeus”, os arqueólogos israelenses sugerem que se relacionavam com o povo que vivia em Canaã no tempo da invasão israelita. Embora possa ser verdade, nem todos estão de acordo. E quanto da influência cultural desses invasores permaneceu após as invasões dos amorreus e dos hurritas das eras médias do Bronze? Os nomes geográficos são uniformemente semíticos, o que indica que as línguas semíticas eram por certo dominantes desde grande antiguidade. Mas, que data era essa? E qual era a origem ou identidade dos povos que as introduziram pela primeira vez? Alguns desses invasores viviam ao longo da costa do Mediterrâneo no quarto milênio antes de Cristo, e de modo geral os arqueólogos supõem que a invasão tomou o rumo do sul ao longo da costa. Talvez tenha sido este o começo de um padrão que prevaleceu por toda a parte durante grande extensão do período bíblico — a saber, que o termo cananeu referia-se a uma porção sulista ou subdivisão de uma cultura geral fenícia ao longo de toda a costa. De qualquer forma, muitos aspectos da cultura cananéia foram moldados nesta época.

Entre esses aspectos estava o planejamento da cidade. Em sua maioria, as estruturas existentes dentro dos muros da cidade cananéia eram edifícios públicos; quanto à maior parte, as massas viviam em casebres fora dos muros, talvez trabalhando ou efetuando trocas dentro das portas e fugindo para lugares seguros em tempos de guerra. Dentre os mais proeminentes dos edifícios públicos cananeus estavam os templos ou estruturas com eles relacionadas, o que prova que os cananeus tinham rituais e sacerdócios altamente desenvolvidos desde a antiguidade. Muitas pistas deste período indicam relações comerciais da Palestina com o Egito e a Mesopotâmia. Não sabemos se a influência cultural do Egito nessa data primitiva foi acompanhada ou não por alguma medida de controle político. Durante esse período os cananeus começaram a plantar florestas oriundas das montanhas palestinas, e também apareceram as candeias.

b. Sítios Bíblicos. Os arqueólogos têm encontrado diversos sítios da Era do Bronze Primitiva de importância bíblica. Esses sítios incluem Ai, Arade, Jericó, Megido, e Tirza. John Garstang identificou os muros duplos de Jericó (que foram destruídos para os fins da Idade do Bronze Primitiva) com aqueles esmagados miraculosamente por Josué. Em escavações posteriores, Kathleen Kenyon encontrou somente restos escassos da cidade da Recente Era do Bronze.

O sítio de Ai permaneceu desocupado durante os períodos Médio e Recente do Bronze, depois que a metrópole do Bronze Primitivo foi destruída. Evidentemente, a cidade de Ai de Josué 7 — 8 estava localizada alhures na vizinhança, mas os arqueólogos não chegam a um acordo sobre onde era. Estamos interessados no sítio de Ai da Era do Bronze Primitiva, porque seu santuário se dividia em três partes, muito semelhante ao templo de Salomão, cerca de 1.500 anos mais tarde. Foi encontrado um altar no santo dos santos de Ai e muitos ossos de animais por toda a parte. Os arqueólogos desenterraram um templo mais simples com apenas duas câmaras (nenhum pátio exterior) em Tirza, mais tarde uma das capitais do Reino do Norte. Em Megido não descobriram nenhum templo, porém encontraram um sacrário ao ar livre cujo altar era rodeado de muros — evidentemente o tipo de instalação idolatra que a Bíblia chama de bamah ou “lugar alto” (cf. Números 22:41; 33:52). O altar era redondo, com cerca de vinte e um metros de diâmetro e um metro e meio de altura, havendo sete degraus que lhe davam acesso. A Bíblia proibia degraus de acesso ao altar porque os sacerdotes se tornavam culpados de expor a sua nudez quando subiam a eles (Êxodo 20:26). Os arqueólogos também descobriram templos na cidade de Arade/ da Idade do Bronze (próxima, mas não idêntica à cidade de Arade da Idade do Ferro, frequentemente mencionada na Bíblia). A principal importância da povoação era a natureza bem planejada da cidade. Devemos mencionar duas outras cidades da Era do Bronze Primitiva a Bíblia não nomeia (provavelmente estavam desabitadas durante todo esse período). Beth-Yerah (nome árabe: Khirbet el-Derak), nas raias ao sudoeste do mar da Galiléia, era outro importante centro urbano. Ela empresta seu nome a algumas cerâmicas do período, caracterizadas por um belo polimento vermelho. Outro sítio próximo Ao canto Sudeste do mar Morto (conhecido somente por seu nome árabe, Bab edh-Dhra), tem reputação ímpar. Foi, também, uma cidade importante, mas sua principal “indústria” era a de sepultamento. Aí os arqueólogos encontraram vasto número de sepultamento de vários tipos, em diversos cemitérios e casas mortuárias. Deve ter sido solo favorito de sepultamento para uma ampla região. Devido à presente natureza árida e desolada da área, talvez tenha ela sido o local das “cidades da campina” (Sodoma e Gomorra, e outras) no outro lado do mar Morto, antes de serem destruídas.

c. Ebla (Tell Mardikh). Um sítio muito importante da Idade do Bronze Primitiva, fora de Canaã, é a cidade de Ebla (Ibla) recentemente descoberta no Norte da Síria. Também conhecido por seu nome moderno de Tell Mardikh, este sítio modificou completamente nosso conhecimento do período. No terceiro quartel do terceiro milênio antes de Cristo, Ebla foi a capital de um vasto império. Por algum tempo ela chegou a eclipsar o império de Acade na Mesopotâmia. Desse modo, a Síria não pode ter sido o lugar atrasado que se supõe ela foi nesse período. Não estamos seguros quanto aos seus vínculos políticos com Canaã, ao sul, mas certamente houve centros de comércio entre as duas nações.

Os registros dos negócios de Ebla mencionam grande número de sítios cananeus pela primeira vez, dentre eles Jerusalém — e até mesmo Sodoma e Gomorra, de cuja existência alguns estudiosos haviam anteriormente duvidado. Os registros de Ebla também mencionam muitos nomes pessoais semelhantes aos nomes bíblicos. Um dos Principais de Ebla foi Éber, o mesmo nome de um dos ancestrais hebreus” (Gênesis 10:25; 11:14; os nomes são muito parecidos na língua hebraica). Conquanto a religião de Ebla fosse politeísta, uma de suas divindades pode ter tido o mesmo nome de “Jeová” do Antigo Testamento. Se assim for, as tábulas de Ebla proporcionam evidência interessante para a antiguidade do nome pessoal do verdadeiro Deus.

2. Bronze Médio I. Para o fim do terceiro milênio (a começar 2300 a.C), a florescente cultura urbana do Período do Bronze Primitivo começou a esfacelar-se em face dos invasores nômades que causaram à Palestina uma das mais violentas devastações de sua história. Nem uma única cidade do Período do Bronze Primitivo escapou à total destruição, e todas permaneceram despovoadas durante, no mínimo, duzentos anos. A Transjordânia não voltou a firmar-se por quase mil anos (exatamente em tempo de resistir aos israelitas!) Alguns sítios nunca foram repovoados. Na Palestina, seguiu-se uma “idade de trevas” (embora as novas descobertas estejam completando o quadro). Em muitos respeitos, os invasores eram culturalmente atrasados. Viviam quase sempre em cavernas ou em acampamentos no alto de alguma cidade em ruínas. Mas, claramente, contribuíram com algumas tradições próprias, de elevado desenvolvimento. Sua cerâmica era diferente daquela dos habitantes do Período do Bronze Primitivo, tanto na forma quanto na decoração; amiúde era mal queimada e quebra dica.

Mas os invasores se distinguiram por sua prolífica edificação de túmulos. Os arqueólogos têm encontrado seus grandes terrenos de sepultamento, especialmente nas proximidades de Jericó e de Hebrom. Em contraste com os sepultamentos múltiplos do precedente Período do Bronze Primitivo e do restante da era Média do Bronze, esses nômades, de modo geral, só faziam um sepultamento por túmulo. Quase sempre o túmulo era do tipo “entrada” de mina — isto é, com um poço vertical cavado até à entrada horizontal do túmulo. Na maior parte, os ossos encontrados estavam desorganizados, indicando que os pranteadores levavam seus mortos de volta aos seus terrenos tribais de sepultamento quando a migração sazonal chegava ao fim (cf. Jacó e José, Gênesis 50). Perto de Jericó os arqueólogos encontraram um sacrário ao ar livre, sem muro ao redor, que os migrantes consagraram ao sacrifício infantil (cf. Salmo 106:37-38, que conta como os israelitas adotaram esta prática). Quem foram esses invasores? Não temos registros escritos, é claro, mas os estudiosos, em sua maioria, pensam que foram, pelo menos, parte daquele grupo geral chamado amorreu. O vocábulo, em sua origem, significa “ocidental”, e os mesopotâmios aplicavam-no aos invasores que entravam em seu país vindos do Ocidente. Outros membros desse grupo podem ter invadido o Egito mais ou menos no mesmo período (o assim chamado Primeiro Período Intermediário do Egito). A Bíblia emprega o termo amorreu num sentido ligeiramente mais geral e popular, referindo-se à população nativa da terra antes da chegada dos israelitas. Isto o torna, em essência, sinônimo de cananeu. A época da invasão israelita, os dois termos haviam-se tornado sinônimos. Qual era, porém, o relacionamento original entre os dois grupos? Os arqueólogos que creem que os amorreus viveram na Palestina durante o período do Bronze Médio I supõem que os “cananeus” foram os invasores do período do Bronze Médio II A, que desceram ao longo da costa do Mediterrâneo vindos da Fenícia. Mas a literatura do Oriente Próximo não menciona Canaã senão muito mais tarde. Então se refere ao termo como uma localização geográfica, da qual parece derivar o adjetivo cananeu. Assim, a maioria dos arqueólogos modernos crê que “cananeu” foi simplesmente um nome dado mais tarde aos amorreus. Infelizmente, os estudiosos não concordam neste ponto. É, contudo, uma questão urgente para o crente na Bíblia, porque ajudaria a identificar a data dos patriarcas.

Por um longo tempo Albrigth, Glueck e muitos outros arqueólogos suspeitaram que os patriarcas de algum modo se relacionavam com os amorreus. Afinal de contas, os amorreus colonizaram a região semiárida do Neguebe onde os patriarcas peregrinaram. Todavia, os patriarcas também se estabeleceram em várias cidades (Siquém, Betei e Hebrom), e não havia tais centros urbanos na Palestina durante o período do Bronze Médio I. Além disso, os patriarcas praticavam sepultamentos múltiplos (Gênesis 23:7-20), em contraste com o costume do período do Bronze Médio I, de sepultamentos individuais. Daí nossa relutância em identificar os patriarcas com os “amorreus”; simplesmente não parece ajustar-se com os acontecimentos na Palestina, nem com os acontecimentos nos países vizinhos. Os arqueólogos atuais nem mesmo tentam identificar os invasores do período do Bronze Médio I, e datam os patriarcas um pouco depois de 1900 a.C. Algumas evidências de fora da Palestina indicam que os patriarcas viveram em áreas do deserto próximas dos centros urbanos desta era. As cidades mesopotâmicas de Mari e Nuzi têm semelhança com a cultura dos patriarcas de muitas formas. Mari data do século dezoito antes de Cristo, e Nuzi do dezesseis. Isso sugere que os patriarcas viveram no período do Bronze Médio II A, e não no período do Bronze Médio I (época dos novos invasores). Mas alguns dos registros seculares de fora da Palestina não confia mam que os patriarcas tenham vivido nesse período. Na verdade informação recente, vinda de Ebla, sugere que eles podem ter vivido bem antes de 2000 a.C.

3. Bronze Médio II. Já notamos que outra onda de invasores do norte entrou na Palestina durante o período do Bronze Médio II (c. 1900 a.C.). Colin McEvedy observa que “presumivelmente esta foi outra faceta da migração dos amorreus”.

O período do Bronze Médio II B foi introduzido por mais uma invasão, oriunda do norte. Esses invasores desceram através da Palestina e foram para o Egito, dando início ao Segundo Período Intermediário desse país. No Egito os novos invasores vieram a ser conhecidos como hicsos (“invasores estrangeiros”). Concentraram suas atividades em torno das cidades de Tânis e de Avaris no nordeste do Egito, região mais próxima de sua terra natal. A Bíblia refere-se a Ávaris como Zoã, e Números 13:22 data a sua fundação depois da época de Abraão. Visto como os hicsos podem ter sido parentes ou descendentes dos amorreus, é provável que tivessem considerado os israelitas como rivais ao trono. Muitos estudiosos creem que os hicsos governaram o Egito durante os anos em que os israelitas viveram em escravidão. Os sepultamentos múltiplos também se tornaram comuns no período dos hicsos. Com efeito, os túmulos eram reabertos muitas vezes. Os cavalarianos hicsos às vezes eram sepultados com seus cavalos e suas armas, juntamente com cerâmica, joias e outros artigos do viver diário. Nas proximidades de Jericó, a Dra. Kenyon descobriu diversos túmulos desse tipo, bem preservados, do período do Bronze Médio H.

É provável que o período dos hicsos tenha durado de 1750 a 1550 a.C. A segunda metade desse período (após 1650 a.C.) é comumente denominada Bronze Médio IIC. Uma tribo “indo-ariana” (um grupo de povos não-semíticos originários do planalto do Irã) subiu ao poder no Oriente Próximo nesse tempo. Provavelmente eram os hurritas (ou como a Bíblia os chama, “horeus”). Cerca de um século mais tarde, estabeleceram o império de Mitani, que por algum tempo igualou ao Egito em poder. Os hurritas e os amorreus uniam-se por casamentos. Com toda a probabilidade isso explica por que a cidade hurrita de Nuzi mostra estreitas semelhanças com a cultura dos patriarcas. Os arqueólogos descobriram que os indo-arianos exerceram forte influência sobre a Palestina. Evidentemente, introduziram muitas novas armas e ferramentas. Trouxeram carruagens puxadas a cavalo, o arco composto, e novos tipos de fortificações de cidades. Equiparam quase todas as cidades importantes desde a Síria Central até ao Delta do Nilo com um muro de defesa chamado glacis. Os glacis continham camadas alternadas de terra socada, argila e cascalho, cobertas com argamassa. Declinavam dos muros de pedra da cidade até a uma vala seca embaixo. Talvez se destinassem a frustrar cavalarianos e aríetes. As cidades indo-arianas tinham também muros gigantescos — uma fileira de pedras grandes arredondadas que se apoiavam contra um aterro. Muitas vezes se construíam cercados retangulares próximos da cidade murada circundados por taludes altos. Esses cercados teriam sido usados para acampamentos do exército ou como cavalariça, mas não demorou para que no seu interior fossem construídas casas particulares e se tornassem arrabaldes das fortalezas muradas. Hazor, na Terra Santa, proporciona um ótimo exemplo disso.

O período do Bronze Médio II (provavelmente a época da entrada dos patriarcas em Canaã) foi um dos mais prósperos da Palestina. Os arqueólogos têm desenterrado muitas fortalezas-templos, maciças, construídas durante esse período. Contudo, temos poucos manuscritos dessa época, e assim pouco sabemos de sua política ou de sua história secular. A Bíblia pouco informa sobre o mundo secular.

4. Recente Idade do Bronze. Esse período começou por volta de 1550 a.C. Os egípcios reconquistaram o trono e expulsaram os hicsos de seu país mais ou menos nessa época. Moisés nasceu durante esse período conturbado. Em 1500 a.C. a maior parte das cidades hicsas da Palestina tinham sido destruídas. Em 1468 a.C. Tutmés III derrotou os hicsos numa famosa batalha no Passo de Megido. O faraó deixou muitos relatos dessa batalha em suas inscrições. As tropas egípcias avançaram para o norte, chegando finalmente ao Eufrates. Não obstante, o pleno controle político do Egito não se estendeu até esse ponto.

a. Palestina: A Era de Amarna. Canaã não prosperou durante esse período, vésperas da conquista israelita. Parece que os faraós proporcionaram fraca liderança aos seus governos títeres na Palestina; consumiam o tempo em aventuras militares ao norte. Assim, a terra de Canaã aos poucos descambou para um grupo de pequenas e rixosas cidades-estados. Essas tendências belicosas atingiram o clímax no décimo quarto século, conhecido como Era de Amarna. Esse título deriva do nosso moderno nome dado às ruínas da capital do rei herético do Egito, Amenotepe W, ou Akhnaton. Ele estimulou as tradicionais apitais e os sacerdócios do Egito a fundarem sua própria capital no Médio Nilo. Além do mais, Akhnaton era avesso à política e à admninistração do império egípcio na Palestina.

Desta situação se originaram as assim chamadas cartas de Amarna, que os pequenos e insignificantes príncipes enviaram ao faraó. Parece que ele simplesmente as jogou fora onde elas aguardaram os modernos arqueólogos. Ostensivamente escritas em cuneiforme acadiano (a língua da diplomacia internacional da época), as cartas de Amarna estão por demais influenciadas pelo dialeto cananeu local. Elas nos dão muita informação sobre a língua local antes da invasão israelita. Os governadores dessas cidades-estados professavam lealdade ao faraó, mas é óbvio que muitos só estavam tentando promover suas próprias carreiras a expensas de seus vizinhos. De especial interesse são as muitas cartas que apelam para o faraó pedindo ajuda contra as incursões dos habiru. Um príncipe escreveu: “Os habiru estão saqueando todas as terras do rei. Se não vierem tropas ainda neste ano, então todas as terras do rei estão perdidas.”4 No terreno linguístico, esta palavra é muito semelhante a “hebreu”, mas nada têm que ver uma com a outra. O termo habiru era encontrado por toda a Ásia ocidental desde o fim do terceiro milênio até ao fim do segundo. O termo não era basicamente étnico ou político, mas sociológico. Significava povo sem terra de quase qualquer espécie, em geral seminômades que vendiam seus serviços para moradores de cidade em tempos de paz, mas que lhes ameaçavam a estabilidade quando as cidades se enfraqueciam. Os dirigentes das cidades-estados cananeias bem podem ter contado os israelitas entre os habiru, mas o termo referia-se também a muitos outros grupos. Note-se que os israelitas não se denominaram “hebreus” senão muito mais tarde; pelo contrário, eles se chamavam de “filhos de Israel”. Alguns estudiosos creem que a “invasão israelita” foi em realidade uma rebelião interna de servos oprimidos contra a aristocracia proprietária de terra nas cidades, instigados pelos recém-chegados da outra margem do Jordão. Conquanto os camponeses cananeus possam em verdade ter-se rebelado contra os proprietários de terra, a Bíblia mostra com clareza que esses servos só exerceram um papel secundário na invasão, se de fato se envolveram.

b. Egito: A Décima Nona Dinastia. Depois que a negligência de Akhnaton levou o Egito à beira do colapso, a décima nona dinastia, ou dos Ramessés, trouxe um breve reavivamento do poder do Egito no século treze, ou Recente Bronze II. Mas esse reavivamento se revelou ser o último suspiro do Egito. Os gigantescos templos e estátuas dos Ramessés, especialmente de Ramessés II, não podiam ocultar o fato. Embora o Egito continuasse a intrometer-se nos assuntos cananeus por toda a história bíblica, nunca mais ele pôde passar de um “bordão de cana esmagada, o qual, se alguém nele apoiar-se lhe entrará pela mão e a trespassará” (Isaías 36:6). Nações poderosas contendiam pelo Oriente Próximo, e o Egito mal pôde sobreviver.

A grande força bárbara desceu das regiões dos Bálcãs e do mar negro, engolfando e destruindo toda civilização encontrada em seu caminho: os micênios no Sul da Grécia, os hititas na Ásia Menor, e 0s colonizadores cananeus ao longo da costa mediterrânea até as portas do Egito. Numa situação desesperada em Medinet Abu, Ramessés III deteve a horda bárbara, mas o esforço esgotou os últimos recursos do Egito. As inscrições egípcias chamam esses futuros invasores de “Povos do Mar”, porém resta pouca dúvida de que são os povos que a Bíblia chama de “filisteus”. Por ironia da sorte, esta área recebeu o nome deles — Palestina. Depois de derrotados, os “Povos do Mar” concordaram em tornar-se um estado-tampão contra posterior invasão do Egito. Esse pode ter sido, entretanto, sua situação quando se chocaram com os israelitas, que vinham do sudeste.

A evidência arqueológica sugere que os israelitas chegaram antes dos filisteus, foram empurrados de volta pelos invasores filisteus, e depois os venceram sob a direção de Josué. Os relatos bíblicos que dizem que Josué varreu todo o caminho até a costa do Mediterrâneo (Josué 10:40-41) não são simples fanfarrice. Recebem apoio pela primeira menção de Israel na história extrabíblica feita pelo faraó Merneptah (c. 1224-1211), que guiou uma incursão a Canaã antes do confronto de Ramessés III com os filisteus. Ao retornar, Merneptah vangloriou-se de que “Israel está devastada, sua semente já não existe”. Seu relatório caracteriza a Israel apenas como povo, e não como nação. Essa, por certo, teria sido sua condição logo depois de entrar em Canaã sob a liderança de Josué. A evidência arqueológica não apóia o relato bíblico da conquista com a firmeza que desejaríamos. Está claro que, na melhor das hipóteses, a arqueologia só pode “provar” a destruição de certas cidades em determinado tempo; ela não tem como dizer-nos por que as cidades foram destruídas, ou por quem. Contudo, a falta de evidência não nos dá o direito de contraditar a Bíblia; esse seria o argumento advindo do silêncio. Há muitas e boas explicações para a escassez de evidência oriunda das cidades desse período. Por exemplo, a severa erosão do sítio de Jericó durante os séculos em que ela permaneceu desocupada explica nossa falta de evidência da Recente Idade do Bronze ali. Explicação semelhante pode aplicar-se a Gibeom; mas pode ser, também, que a cidade estivesse localizada num lugar diferente no tempo de Josué. (Não era de todo fora do comum que os povos do Oriente Próximo transferissem para um novo local as suas cidades quando destruídas Pela guerra ou por uma catástrofe natural.) A falta de evidência de destruição em Siquém concorda com o relato bíblico de que não foi necessária a destruição ali — provavelmente porque uma “guarda avançada” dos israelitas já estava no controle (cf. Gênesis 34). E o relato bíblico da destruição é lindamente corroborado pelos achados em Hazor, Láquis e Debir (cf. Josué 10:11, 30-31, 38-39).

D. Idade do Ferro. Não é de surpreender-nos que os restos da Idade do Ferro I sejam de qualidade relativamente pobre. Os israelitas não eram experimentados nas artes da civilização, e em realidade não estabeleceram sua cultura em Canaã até aos dias de Davi e de Salomão. Conforme revela o livro dos Juizes, um período demorado e conturbado de consolidação seguiu-se às brilhantes vitórias iniciais de Josué. Escavações recentes em Asdode demonstraram, por via de contraste, o alto nível da cultura filistéia da mesma época. Muitas vezes as relíquias obtidas das cidades filistéias contêm evidência clara dos antecedentes egeus dos povos. Um ponto alto do imperialismo filisteu é a captura da arca da aliança e a destruição de Silo (1 Samuel 4:1-10). A pesquisa arqueológica feita em Silo confirma esta derrota. A cidadela de Saul em Gibeá, bem ao norte de Jerusalém, é outro excelente exemplo da tosca arquitetura da Idade do Ferro I. Ela é simplesmente a fortaleza rústica que se podia esperar. Conforme diz W. H. Morton, “A ausência de pretensão de sua estrutura e a simplicidade de seus móveis. . .são sugeridas pela pequenez de seus quartos e pela qualidade comum de seus artefatos”.

Com a ascensão do império de Davi, temos mais histórias seculares para confirmar o registro bíblico, e assim dependemos muito menos de arqueologia do que temos dependido para informação acerca de períodos anteriores. Os registros dos grandes impérios da época, especialmente os da Assíria, amiúde seguem linha paralela e acrescentam detalhes ao testemunho bíblico. Ainda recentemente os arqueólogos encontraram restos da cidade jebuséia de Jerusalém (Ofel), que Davi e Joabe capturaram. O poço quase vertical para o abastecimento de água foi descoberto anteriormente, bem como a substituição posterior de Ezequias, trazendo água da fonte de Giom para o tanque de Siloé dentro dos muros. Uma nova rodada de escavações, que está apenas começando, pode descobrir até mais da primitiva história desse ponto essencial. Visto como os israelenses estão criando muitos novos edifícios, os arqueólogos têm descoberto mais dos esforços de Salomão na década passada. Dentre eles estão suas fortificações maciças por toda a terra, incluindo portões de tamanho-padrão em muitos sítios (p. ex., Gezer, Megido e Hazor). Os arqueólogos israelenses apenas começaram a publicar suas mais recentes descobertas no templo de Salomão. Sabemos de muitos paralelos à sua planta baixa e alguns detalhes de sua estrutura. A literatura arqueológica antiga alardeou a importância dos “estábulos ou cavalariças de Salomão” em Megido, mas agora os estudiosos discutem se eles são realmente estábulos ou se eram de Salomão. É quase certo que devem relacionar-se com o tempo de Acabe. Logo após a época de Salomão, alguém preparou a tabula de argila que conhecemos como o famoso “calendário de Gezer”. Aparentemente, não passava de um exercício de um aluno para memorizar a atividade agrícola de cada mês do ano, mas até data recente era nosso único espécime de escrita hebraica.

Podemos investigar arqueologicamente as primeiras tentativas que Baasa fez para construir uma capital em Tirza (1 Reis 15:33) e a fundação de Samaria por Onri (1 Reis 16:24). Dentre os muitos magníficos achados em Samaria, dois se destacam: as placas de marfim e os ostraca. As primeiras eram, evidentemente, incrustações na “casa de marfim” de Acabe (1 Reis 22:39) e de outros reis muito semelhantes àqueles populares na Fenícia e na Assíria da época. Os ostraca (cacos de louça com inscrições) provavelmente vieram do reinado de Jeroboão II. Contêm registros corriqueiros de impostos ou de contribuições para o trono, mas são importantes para os estudiosos de linguística. A partir mais ou menos do tempo de Onri e de Acabe, os assírios aumentaram sua pressão sobre Israel e Judá. O registro arqueológico desse conflito é abundante demais para ser detalhado aqui. Os famosos ostraca de Láquis (descobertos na casa da guarda de uma das portas da cidade) são quase contemporâneos da queda de Jerusalém diante da Babilônia em 587 a.C. Escavações recentes em Jerusalém descobriram alguns dos muros derrubados pelos babilônios, e até algumas das pontas de flechas que os atacantes arremessavam. Sabemos tão pouco acerca de alguns períodos pós-exflio (como o Período Persa) quanto sabemos acerca da era patriarcal. Os achados arqueológicos desses períodos são equivalentemente pobres. Mas os arqueólogos encontraram os muros reconstruídos de Neemias ao redor de Jerusalém, bem como inscrições que citam seus três inimigos — Sambalá, Tobias e Gesém (cf. Neemias 6:1).

E. Período Helenístico. A arqueologia não nos dá informação direta com referência à invasão da Palestina efetuada por Alexandre Magno (330 a.C.) e ao Período Helenístico. Não obstante, temos amplos registros desse período, especialmente de fontes gregas e romanas. Isso diminui nossa dependência da arqueologia. O material arqueológico mais importante da época das lutas dos macabeus são os famosos pergaminhos de Qumran, encontrados em cavernas ao longo das praias do norte do mar Morto, em 1947. Esses pergaminhos haviam sido guardados em enormes potes de barro por membros de uma seita judia eremita, com toda probabilidade os essênios. Contudo, a importância dos pergaminhos para o Antigo Testamento limita-se em grande parte à área da crítica externa. Para o estudioso do Novo Testamento, eles ajudam a esclarecer o fermento religioso e político da época.

F. Período Romano. De modo geral, a arqueologia bíblica trata muito menos do Novo Testamento do que do Antigo. Há bons motivos para tanto. A riqueza da informação literária acerca do período do Novo Testamento nos torna muito menos dependentes das fontes arqueológicas. Também a história do Novo Testamento é, em grande parte, a de um grupo pequeno, particular, que influenciou a história externamente apenas uma vez ou outra. O Cristianismo não deixou arquitetura senão depois que se tornou religião do estado no século quarto.

Muitas escavações têm sido feitas em sítios tradicionais de eventos do Novo Testamento. Grande parte desse trabalho tem sido efetuada por monges franciscanos que tradicionalmente exercem a custódia dos “lugares sagrados” palestinos. Contudo, eles, em geral, só descobrem os restos das igrejas e dos santuários erigidos nesses locais logo após o começo do quarto século. Muitos desses santuários foram erigidos, provavelmente, por ordem de Helena, mãe do imperador Constantino. É raro que os arqueólogos possam provar (ou refutar!) a autenticidade desses sítios ou descobrir evidência para associá-los com toda a clareza aos tempos do Novo Testamento. Os mais importantes desses têm sido os sítios na própria Jerusalém ou nos seus arredores, onde a habitação moderna torna muito difícil a escavação. Os arqueólogos fizeram diversas sondagens relacionadas com a renovação da Igreja do Santo Sepulcro, cobrindo o sítio tradicional do Calvário e do túmulo de José. (Há reivindicações competindo por esses sítios, especialmente o “Calvário de Gordon” e o ‘Túmulo do Jardim” fora da presente cidade murada. Mas, praticamente, toda a erudição científica não leva em conta esses sítios.) Outros achados importantes têm surgido no curso das escavações israelenses em torno do monte do Templo. De há muito se sabe que o assim chamado “Muro das Lamentações” representa parte do muro ocidental que os construtores de Herodes erigiram em conexão com a reconstrução do templo. Atrás da Igreja de Santa Ana, na margem norte dos terrenos do monte do Templo, os arqueólogos encontraram o provável sítio onde Jesus curou o paralítico (João 5:1-9). Debaixo de uma basílica do quinto século, erigida no local, os pesquisadores encontraram remanescentes de vários tanques e banheiras. O milagre de Jesus evidentemente ocorreu num pequeno tanque próximo à entrada de uma caverna.

Todavia, muitos detalhes da cidade circundante são obscuros. Por exemplo, demonstrou-se que o “Arco de Robinson”, que se projeta do muro ocidental do templo, não foi o começo de uma ponte através do vale do Tiropeom, conforme se pensava anteriormente. Era, antes, o último elo de um grandioso sistema de degraus que subia desde a rua principal até aos próprios recintos do templo. No sul do monte do Templo os arqueólogos descobriram uma praça magnífica e largos degraus que subiam até às “Portas de Hulda”, a entrada principal dos pátios do templo no tempo de Cristo. (Eles provaram que as descrições que Josefo fez desta e de outras estruturas da vizinhança eram fenomenalmente exatas.) Do outro lado do vale na colina ocidental de Jerusalém, os arqueólogos encontraram residências luxuosas do período herodiano. Também estabeleceram que esta área, na época da construção do Templo de Salomão, já havia sido habitada e encerrada num muro. Esta parte da cidade era provavelmente a “Cidade Baixa” mencionada em 2 Reis 22:14 e Sofonias 1:10. Outros sítios herodianos foram desobstruídos em data recente. É provável que o mais famoso seja a estância de Herodes em Masada, que dá vista para o extremo sul do mar Morto. Depois que Tito destruiu Jerusalém (A.D. 70), Masada passou a ser um refúgio para zelotes fanáticos em fuga dos exércitos romanos. Finalmente os romanos capturaram o sítio após um longo cerco, mas encontraram quase todos os defensores mortos num pacto suicida. O “Herodium”, que domina o horizonte uns poucos quilômetros ao sudeste de Belém, também foi desobstruído em data recente. Pode ser chamado de “mausoléu” de Herodes, embora se discuta se ele foi em realidade sepultado nessa luxuosa estrutura no topo da montanha ou nalgum lugar em seus declives inferiores. Por fim, devemos mencionar as “escavações” no sítio de Jericó do Novo Testamento (cerca de 1.600 metros ao oeste do sítio do Antigo Testamento, no pé das montanhas). Jericó foi um dos mais luxuosos retiros de Herodes, repleta de palácios, banhos públicos, tanques, jardins rebaixados e que tais. Indiscutivelmente, foi o cenário de algumas das mais infames devassidões. Por perto fica Qumran, escavada pelo erudito dominicano Roland de Vaux. A maior parte de nosso conhecimento do importante sítio baseia-se nos famosos pergaminhos encontrados na região. Contudo, a escavação de de Vaux esclareceu a vida da comunidade. Por exemplo, ele encontrou dispositivos esmerados para captar e armazenar a chuva esparsa. De Vaux também descobriu o “scriptorium”, onde os famosos pergaminhos haviam sido originalmente copiados. Na costa ocidental do Mediterrâneo, em Cesaréia, as contínuas escavações têm trazido à luz grande parte da planta daquela grande cidade romana e bizantina. Em muitos respeitos, Cesaréia era bem típica da construção urbana daqueles dias. As relíquias de Cesaréia mostram como os judeus, os cristãos e os pagãos viviam e trabalhavam lado a lado em tais centros metropolitanos. A sinagoga de Cafarnaum, relativamente bem preservada, dificilmente pode ser aquela em que Jesus ensinava (Marcos 1:21). A sinagoga existente foi construída no terceiro ou no quarto século. Mas bem pode ser a sucessora dos tempos de Jesus, e talvez seja de desenho muito semelhante. Os arqueólogos pensam que teriam encontrado a casa de Pedro no mesmo sítio (Mateus 8:14ss.). Escritos nas paredes revestidas de argamassa dessa casa do segundo século vinculam-na claramente a Pedro. Mais tarde ela foi substituída por uma sucessão de igrejas octogonais. No topo do monte Gerizim, as escavações descobriram os alicerces do templo samaritano, que competia com o de Jerusalém nos tempos do Novo Testamento. Os visitantes podem hoje ver traços de uma escada maciça que descia o lado da montanha até à cidade embaixo. Próximo ao pé dessa escada está o sítio tradicional do “Poço de Jacó” (cf. João 4:1-12), que bem pode ser autêntico.

A procura dos locais das narrativas dos Evangelhos tem continuado por séculos. Umas poucas tradições relatam sítios muito antigos. Contaram a Justino Mártir o local de uma caverna em Belém onde Jesus nasceu (isso teria sido antes de 130 d.C). O suposto local do Gólgota no fim da Via Dolorosa foi mencionado pela primeira vez em 135 d.C, e oficialmente reconhecido pelo Imperador Constantino depois de 325 d.C. Ambos os sítios (o do nascimento e o da morte de Jesus) têm sido continuamente venerados até aos dias atuais. As escavações em Jerusalém e seus arredores estão começando a proporcionar uma ideia muito melhor de como era essa cidade nos dias do Novo Testamento.

Leia também:

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• A Origem das Línguas Humanas e Culturas

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