Thor e a serpente do mundo

Aegir, tal como Niord, era um dos deuses do mar. Era casado com sua irmã Ran, considerada a deusa da morte porque tinha o costume de envolver os navegadores vikings em sua rede e os arrastar para as pi oi lindezas do mar.

Apesar disso, o palácio submarino onde este casal morava não era, nem de longe, um lugar desagradável: ali ocorriam grandes banquetes regados a muito hidromel, pois o deus tinha em seu palácio um grande caldeirão repleto deste saboroso néctar. Os convidados de Aegir (um eufemismo – ou “kenning” – para designar os afogados) ficavam refestelados em confortáveis divas sob os cuidados da generosa divindade.

Particularmente bem-vindos, eram os suicidas que se lançavam ao mar carregados de ouro, sendo muito bem recebidos pelo casal neste úmido local de idílio. Aegir e sua esposa, Ran, estavam, então, desfrutando das delícias de seu palácio quando viram chegar apressados os deuses Thor e Tyr.

– Bom dia, asgardianos! – disse Aegir alegremente. – O que os traz, a minha morada?

– Acabou-se o hidromel em Asgard – disse Thor, com o ar preocupado. – Odin, deus soberano, pede que lhe remeta o máximo que puder de sua produção.

– Mas vocês são muitos – argumentou o deus do mar -, meu pequeno caldeirão não será capaz de produzir quantidade suficiente nem para a metade dos deuses.

– Ora, isto não é problema! – exclamou Tyr, o deus de uma só mão. – O gigante Hymir possui um imenso caldeirão em sua casa.

– Então, vamos já para lá! – disse Thor, que não era de muita conversa.

A distância era longa, mas Thor trouxera a sua carruagem e, logo, chegaram à perigosa terra dos gigantes.

– É aqui – disse Tyr, apontando o único indicador para unia casa enorme.

Thor e Tyr apresentaram-se, mas ficaram frustrados ao descobrir que Hymir não se encontrava em casa. Em compensação, sua avó lá estava, a qual tratou de recebê-los, amavelmente, com suas novecentas cabeças. Sua filha também estava ali, embora, não se diga, em parte alguma, quantas cabeças tivesse.

Dali a instantes, chegou Hymir, que parecia não estar lá muito bem-humorado, pois seu olhar fez com que todas as traves da casa rachassem.

– Papai, há quanto tempo! – disse Tyr, tentando melhorar o seu humor.

– O que querem aqui? – disse ele, dando uma mirada feroz na direção do matador de gigantes, alcunha pela qual Thor era famoso em todo o mundo.

Tyr tratou, então, de acalmar o pai com o resumo das novidades e o fez com tanto talento que ele, aos poucos, foi se acalmando, a ponto de oferecer, no final, um jantar aos visitantes. Três bois foram mortos para tanto, dois dos quais Thor encarregou-se de comer sozinho. A avó de Hymir, entretanto, apesar de suas novecentas bocas, comeu muito pouco, pois, segundo ela mesma disse: “tenho novecentas cabeças e não novecentos estômagos”.

– Que tal uma pescaria amanhã? – disse o gigante, de repente, a Thor.

Este, pego de surpresa, aceitou o convite. Na manhã seguinte, bem cedo, estavam ambos prestes a embarcar, quando Thor percebeu que havia esquecido a isca. Sem pestanejar, ele correu até o local onde estava o rebanho do gigante e cortou fora a cabeça de um dos bois. Parece que o deus levantara-se de mau humor, ou então, não estava mesmo a fim da tal pescaria.

O fato é que ambos embarcaram no bote e seguiram rumo ao mar aberto. À

distância, porém, a visão parecia um tanto estranha, dando a impressão de que aquele era o primeiro bote com mastro no mundo, tal a diferença de estatura que havia entre Thor e o gigante.

– Aqui, está bom – disse Hymir, lançando a sua linha assim que haviam cruzado a linha da rebentação.

Mas Thor achava que estavam ainda muito perto da costa. – Vamos além!… Afinal, não vim aqui para pescar mariscos! – disse ele, enganchando a cabeça do boi no anzol.

– Não é aconselhável – disse Hymir, ficando branco de medo. – Mais para o fundo, podemos dar de cara com a Serpente do Mundo.

Também chamada de Iormungand, era ela um dos filhos de Loki, o deus sinistro.

Quando pequena, fora lançada ao mar por Odin e ali crescera tanto, que seu corpo escamoso chegou a fazer a volta ao mundo.

– Tanto melhor se a encontrarmos – disse Thor, que sonhava um dia derrotá-la em feroz combate.

O bote avançou, cavalgando as ondas que se tornavam de minuto a minuto mais encorpadas, fazendo com que o bote oscilasse perigosamente.

– V-vamos voltar…! – gaguejou Hymir, vítima de um mau pressentimento.

– Vamos mais além! – esbravejou Thor, que estava realmente disposto a se confrontar com a temível serpente.

Dali a instantes, dito e feito: um grande puxão esticou o anzol de Thor, deixando-o reto como uma finíssima lança

– Mãe dos gigantes! – exclamou Hymir, sentindo que nenhum outro ser poderia fazer aquilo. – Vamos embora, deus louco!

– Calado! – disse Thor, retesando as pernas dentro do bote. – Se não pode ajudar, também não atrapalhe!

De repente, a serpente gigantesca surgiu num salto inesperado, sacudindo a cabeça na tentativa agoniada de se desvencilhar daquele incômodo fio dental. Seus olhos amarelos chispavam, enquanto sua língua fendida cuspia sangue com seu pestífero veneno.

– Louco, desista disto! – gritou o gigante ainda uma vez. – Mas Thor não eslava disposto a perder esta oportunidade única de pescar Iormungand, o terror dos mares. –

Chegue para o lado, covarde…! – disse o deus, irritado com as choraminguices de Hymir.

Então, a serpente enrodilhou-se numas rochas – pois, a esta altura, já havia arrastado a pequena embarcação de volta à costa – e puxava o anzol com toda a força, o que só lhe servia para fazer aumentar a dor na mandíbula. Thor, por sua vez, retesara ainda mais os músculos das pernas, com o corpo todo inclinado para irás, de modo que tínhamos um cabo-de-guerra em pleno mar.

De repente, o gigante escutou um grande estalo vir do seu lado. Ao se voltar para Thor, percebeu que seus pés haviam rompido o fundo do bote e, agora, com ambos enterrados na areia, abaixo da linha d’água, forcejava ainda mais pura puxar a besta feroz. A vitória pendia cada vez mais para o lado do deus, que conseguiu trazer a grande cabeça verde e ovalada de Iormungand quase até ele.

Frente a frente, o deus e a serpente encararam-se por alguns instantes e, quando Thor estava prestes a se lançar à garganta da fera, sentiu que a corda, bruscamente, rompera-se. Lançado para a frente, só teve tempo de ver a Serpente do Mundo afastar-se mar afora com um grande urro de dor. Ao seu lado estava Hymir com a machadinha que usara para cortar a linha do anzol.

– Imbecil! – gritou Thor, no último limite da fúria. – Veja só o que fez! Thor ficou tão furioso com o gigante que o lançou borda afora, despedaçou o barco e voltou a pé para casa, andando pelo fundo do mar para se acalmar.

A caminhada, com efeito, ajudou Thor a se acalmar e, quando chegou em casa, já estava quase sereno. Hymir chegou bem depois, todo molhado e trazendo duas baleias, que ainda conseguira pescar depois do desastre. Isto foi o bastante para terminar de aplacar a ira de Thor, que somente diante de um bom prato se arrefecia completamente.

Quando o deus terminou de comer, Hymir resolveu fazer uma brincadeira para descontrair:

– Vamos, quebre, agora, a sua caneca de encontro a qualquer coisa!

Thor arremessou o utensílio contra a parede e nada. Depois, lançou-a contra tudo quanto foi objeto e também nada obteve.

– Arremesse-a agora em minha testa! – disse Hymir, apontando para o local.

Thor fez o que o gigante mandou – pois ainda tinha dentro de si um resto de mágoa pelo fracasso na pescaria – e, para sua surpresa, viu a caneca partir-se em vários pedaços. – Muito bem! – exclamou o gigante. – Agora, podem levar o caldeirão que vieram buscar.

Finalmente, falava-se no objeto da busca dos dois deuses…!

Primeiro, Tyr tentou erguer o imenso utensílio, mas foi em vão. Thor, por sua vez, teve de usar toda a sua força para fazê-lo, mas enquanto o fazia, viu surgir do nada uma legião de gigantes, que o traiçoeiro Hymir havia ajuntado no caminho para matar o detestado hóspede. Iniciou-se, assim, um combate feroz, que terminou com a morte de todos os gigantes – incluindo o imprudente Hymir, que ousara reacender a ira quase apagada do irritadiço deus.

E foi assim que Thor e Tyr retornaram para o palácio de Aegir, o deus do mar, levando o caldeirão que lhe possibilitou fermentar o hidromel para os deuses.

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