O gigante Hrungnir

Hrungnir, era um gigante que tinha o coração e a cabeça feitos de pedra e que defendia o corpo com um poderoso escudo feito do mesmo material. Este gigante tinha um cavalo muito veloz, chamado Gullfaxi. Certa feita, o deus Odin, inimigo declarado daquela raça, resolveu fazer uma aposta ao passar em frente do castelo de Hrungnir:

– Montado em Sleipnir, o cavalo mais veloz do universo, posso vencê-lo com uma perna nas costas! – disse ele, com uma grande risada. (E, certamente, poderia fazê-lo, já que Sleipnir tinha oito patas.)

– Vale o que, nanico? – gritou Hrungnir, do alto das suas torres.

– Ora, a minha própria cabeça…! – disse Odin, desprezando a prudência.

O gigante, afrontado, não pensou duas vezes e montando num salto Gullfaxi, o cavalo de crinas douradas, lançou-se com Odin numa corrida veloz.

Foi uma bela disputa, mas à certa altura, Odin, percebendo que poderia perder a aposta, resolveu desviar o rumo para Asgard, a morada dos deuses. – Abram os portões! –

disse ele a Heimdall, o eficiente guardião da cidade.

O porteiro assim o fez e, quando Hrungnir percebeu a cilada em que estava se metendo – visto que seria imprudência ainda maior meter-se na cidadela dos deuses -, puxou as rédeas de seu cavalo; mas tamanha era a sua ira que resolveu, mesmo assim, ir enfrentar os deuses em sua própria casa.

– Fui enganado por este farsante! – exclamou ele, após cruzar Bifrost, a ponte do arco-íris que dava acesso a Asgard.

Odin, reconhecendo a sua pouca lealdade, resolveu reconsiderar.

– Está bem, peço-lhe desculpas. Venha jantar conosco e tudo estará esquecido.

Hrungnir reuniu-se aos demais deuses no salão dos banquetes. A princípio, desconfiado, mas foi relaxando à medida que ingeria quantidades fantásticas de hidromel.

Bebida boa taí…! – exclamava ele a cada gole monstruoso.

Os outros deuses acompanhavam o seu progressivo descontrair até que a própria e singela descontração começou a ceder lugar à perigosa jactância.

– Tudo isto é muito belo – dizia ele, fazendo um semi-círculo com a taça transbordante de líquido -, mas, um dia, serei obrigado a botar tudo ao chão!

Um silêncio constrangido desceu sobre os ouvintes, o que o imprudente gigante entendeu apenas como uma autorização para que prosseguisse nas suas bazófias. – Sim, pois não tarda a grande batalha da Ragnarok, quando os gigantes, liderados por mim, finalmente, invadirão esta belezinha de reino e o reduzirão a cinzas. Um brinde a este dia…!

Somente, então, Hrungnir percebeu que o mal-estar se apossara de todos os demais convidados. Seus olhos pousaram sobre Sif, a esposa de Thor, e Freya, a mais bela das deusas.

– Oh, jovens e belas deusas, não fiquem alarmadas! – disse ele, abanando com força a taça, que espirrava hidromel para todos os lados. – Vocês, belas como são, naturalmente estarão a salvo da matança; ficarão como o mais belo espólio de guerra que nós, gigantes, já obtivemos algum dia!

Neste momento, Thor, que estava de viagem, apontou na entrada do salão.

Imediatamente, seus olhos pousaram sobre o gigante, que resmungava coisas para a sua mulher com a boca úmida e a voz empastada.

– O que este sujeito está fazendo em nossa mesa e ao lado de minha mulher? –

bradou ele, ainda de pé.

O gigante olhou para Thor, mas a bebedeira era tamanha que só pôde dizer isto, com uma grande gargalhada: – Venha, venha logo desfrutar desta jovem dos encantadores cabelos dourados, pois logo ela mudará de dono!

Thor ergueu, num reflexo, o seu martelo, e já ia arremessá-lo sobre a cabeça do tresloucado gigante, quando Odin o impediu: – Pare! Não pode matar um visitante à nossa mesa. Isto seria infringir, gravemente, a lei da hospitalidade a que todos estamos obrigados. – Depois, voltando-se para o gigante, disse: -Senhor hóspede, bem sabe que suas palavras violaram todas as leis da cortesia e do respeito. Desde já, considere-se intimidado a enfrentar o marido ultrajado num combate singular, em campo aberto.

Hrungnir deu outra grande risada e exclamou:

– Um duelinho, então?… há! há! há!… Muito bom um duelinho!

Mas, três dias bastaram para que o gigante mudasse um pouquinho de idéia:

– Meu deus, o que vai ser de mim? – dizia, com as duas manoplas na cabeça.

Mas, agora, não havia mais jeito: dali a instantes, ele teria de se apresentar diante de Thor para o terrível embate.

No entanto, a regra do duelo era bem clara: tanto os duelantes quanto as suas testemunhas deveriam bater-se igualmente. Por isto, Thialfi, o criado de Thor, foi obrigado a se apresentar para cumprir a sua parte.

“Essa é boa…!”, pensou o criado lá com os seus botões. “Essas briguinhas de deuses e gigantes já estão passando da conta!”

Hrungnir, por sua vez, escolheu um gigante de barro de dezenas de metros para fazer frente ao escudeiro de Thor. Mokerkialfi era o seu nome e tinha cara de pouquíssimos amigos. Dentro do peito, a criatura enlameada levava o coração de uma égua, pois os gigantes imaginavam que, desta forma, o autômato iria se mostrar ainda mais veloz e audaz.

As duas duplas postaram-se, finalmente, em campos opostos. Dado o sinal, Thialfi, que tinha dentro do peito um coração de raposa, gritou ao gigante:

– Ei, bobão! Se eu fosse você, abaixava este escudo de pedra, pois Thor é forte e astuto o bastante para vir por debaixo da terra e liquidá-lo.

Hrungnir, assustado, imaginando que tal coisa fosse possível (talvez ainda estivesse um pouquinho sob o efeito da bebida para ter caído num truque barato como este), abaixou o poderoso escudo e subiu em cima dele.

– Pode vir agora, deusinho de araque! – bradou ele.

Thor, aproveitando-se do descuido do gigante, arremessou com toda a força o seu poderoso martelo Miollnir, que foi se chocar no ar com a gigantesca pedra de amolar que seu adversário lançara. Um estrondo sacudiu tudo e os estilhaços da pedra voaram em todas as direções. Um deles, entretanto, foi se alojar na cabeça de Thor, que caiu desfalecido ao chão. Quanto ao seu martelo, após ter despedaçado a arma do gigante, seguiu adiante e foi acertar em cheio a cabeça «Io adversário, arrebentando o seu crânio como se este fosse uma casca de ovo. Os miolos do gigante esparramaram-se pelo chão como uma gema amarelada, numa t i-na positivamente asquerosa.

Quanto ao duelo subalterno travado entre Thialfi e o monstrengo de barro, não teve nem graça, pois esta criatura era tão ou mais estúpida que o seu criador. Basta dizer que, já no primeiro lance do duelo, tropeçara nos próprios pés, indo estatelar-se ao chão, tornando-se assim um alvo facílimo para a destreza de Thialfi – o que o deixou em toda a assistência a certeza de que, se o coração do monstro era o de uma égua, o seu pobre cérebro devia ser o de um asno.

Mas, apesar da vitória dos deuses, havia ainda um pequeno – ou antes, um imenso empecilho a ser removido, pois, na queda, o gigante Hrungnir deixou sua perna por cima de Thor, que, agora, além de ter um fragmento de pedra no crânio, ainda tinha sobre ele o membro pesadissimamente morto de um gigante.

Todos forcejaram para livrá-lo daquele peso incômodo até que Magni, um fedelho de três anos de idade, que era filho de Thor, aproximou-se do corpo do pai.

– Sai daqui, moleque! – disse alguém, enxotando o garoto.

– Eu pode…! Eu pode…! – gritava o guri, saltitando e se misturando à selva de pernas dos adultos na tentativa de chegar ao pobre pai abatido.

– Sai, guri metido…! – exclamou outro sujeito, chegando mesmo a lhe dar um safanão.

Então, Magni, o moleque de três anos de idade, limpou o ranhozinho do nariz e expulsou todo mundo com um grito medonho:

-EU POOOOOODE…!!! – e, assim, conseguiu remover o colossal entrave.

Logo em seguida, Thor foi levado para o seu palácio, onde vários especialistas tentaram retirar, sem sucesso, a lasca de pedra de sua cabeça. Até que uma bruxa, que atendia pelo nome pavoroso de Groa, empregou nele as suas artes mágicas, conseguindo retirar, finalmente, a maldita pedra da cabeça do deus.

– Magnífico! – exclamou ele. – Você é Groa, esposa de Aurvandil, não é?

– Sim, sou eu mesma, poderoso deus! – disse ela, depois de afastar o nariz para o lado para poder ser entendida.

– Oh, lembro-me, perfeitamente, do seu marido! – continuou a dizer Thor, pois lembrara-se de um episódio que tivera com aquele sujeito. – Certa feita, eu atravessei o rio Eliavar gelado com ele numa cesta – era pequenino, então – e, ao chegar ao outro lado, descobri que seu dedo congelara. Apiedado do pobrezinho, arranquei seu dedo e o arremessei para o céu, onde virou uma estrela.

Uma cor escarlate começou a subir desde o pescoço da mulher até a raiz dos cabelos, como se uma seringa gigante estivesse injetando mercúrio na cabeça. Quando a vermelhidão terminou de tingir o último milímetro de sua pronunciada testa, ela pegou de novo a lasca da pedra, enterrou-a de volta na cabeça de Thor e desapareceu, velozmente, deixando na casa apenas o seu grito infame.

Desde então, Thor teve de conviver com aquele pedregulhozinho na cabeça e com a ideia de que falar demais sempre redunda em desastre.

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