As maçãs da imortalidade

Esta foi outra ocasião em que três dos deuses exploravam as montanhas nos limites de Jötunheim, lar dos gigantes. Dessa vez, eram Thor, Loki e Hoenir. (Hoenir era um deus velho. Responsável por dar aos humanos o dom da razão.)

Era difícil encontrar o que comer naquelas montanhas, e os três deuses já estavam com fome, e ficavam cada vez mais famintos.

Os três ouviram um barulho — um mugido distante de gado — e se entreolharam, sorrindo o sorriso de homens famintos que sabiam que poderiam jantar aquela noite. Desceram até um vale verde, um lugar cheio de vida, onde carvalhos enormes e pinheiros altos bordejavam campinas e riachos. Ali, viram um rebanho de gado, os bichos enormes e gordos por causa do capim do vale.

Os deuses cavaram um buraco e dentro dele acenderam uma fogueira. Mataram um boi e o enterraram na cama de carvões em brasa. Depois, esperaram a carne ficar pronta.

Abriram o buraco, mas a carne ainda estava crua e sangrenta.

Então acenderam a fogueira de novo. Mais uma vez, esperaram. Mais uma vez, o calor do fogo não tinha sequer aquecido a carne.

— Vocês ouviram alguma coisa? — perguntou Thor.

— O quê? — indagou Hoenir. — Não ouvi nada.

— Eu ouvi também — disse Loki. — Prestem atenção.

Eles prestaram, e o som era inconfundível. Em algum lugar, alguém ria deles, uma risada escandalosa e divertida.

Os três deuses olharam ao redor, mas não havia mais ninguém no vale, só eles e o gado.

Então Loki olhou para cima.

No galho mais alto da maior árvore, viu uma águia. Era a maior águia que os três já tinham encontrado, uma águia gigante, e era ela quem ria deles.

— Você sabe por que o fogo não quer cozinhar nosso jantar? — perguntou Thor.

— Talvez eu saiba — respondeu a águia. — Nossa, vocês parecem mesmo famintos. Por que não comem a carne crua? É assim que as águias comem. Arrancamos nacos com nossos bicos afiados. Mas vocês não têm bicos, não é mesmo?

— Estamos com fome — declarou Hoenir. — Você pode nos ajudar a cozinhar nosso jantar?

— Pelo que posso ver, alguma magia nesse seu fogo está sugando o calor e o poder das chamas. Se vocês prometerem me dar um pouco da carne, eu devolvo o poder ao fogo.

— Prometemos — concordou Loki. — Você pode pegar sua porção assim que houver carne cozida suficiente para todos.

A águia sobrevoou a campina, batendo as asas e gerando rajadas de vento tão poderosas que os carvões no buraco brilharam e se avivaram, e os deuses tiveram que se segurar uns nos outros para evitar serem carregados pela força do vento. Então a ave retornou ao poleiro na árvore alta.

Dessa vez, os três estavam mais esperançosos ao enterrar a carne no buraco com o fogo, e esperaram. Era verão, época em que o sol quase não se põe nas terras do norte e o dia dura para sempre — então já era tarde da noite, mas ainda parecia dia quando abriram o buraco e foram recebidos pelo cheiro glorioso de carne cozida, macia e pronta para suas facas e seus dentes.

Quando o buraco foi aberto, a águia mergulhou do céu e, com suas garras, se apossou dos dois quartos traseiros do boi, junto com um quarto dianteiro, e começou a despedaçá-los com seu bico voraz. Loki ficou furioso, vendo grande parte do jantar prestes a ser devorado, e atacou a águia com sua lança, na esperança de que ela largasse a comida roubada.

A águia bateu as asas com força, criando um vendaval tão forte que quase derrubou os deuses, e deixou a carne cair. Loki não teve tempo para saborear seu triunfo: reparou que a lança agora estava colada à grande ave. Quando a águia levantou voo, levou-a junto.

Loki queria soltar a lança, mas as mãos estavam presas ao cabo. Não tinha como se soltar.

A ave voava baixo, de forma que os pés de Loki se arrastavam por pedras e cascalho, pela encosta das montanhas e pelas copas das árvores. Havia magia em ação ali, e era uma magia mais poderosa do que qualquer coisa que Loki pudesse controlar.

— Por favor! — gritou. — Pare! Você vai arrancar meus braços. Minhas botas já estão destruídas. Você vai me matar!

A águia pairou sobre a encosta de uma montanha, descrevendo círculos suaves em seu voo, e havia apenas o ar frio entre eles e o chão.

— Talvez eu mate mesmo você — comentou.

— Faço o que você quiser para não morrer — pediu Loki, ofegante. — Qualquer coisa. Por favor.

— Eu quero Iduna. E suas maçãs. As maçãs da imortalidade.

Loki estava pendurado no ar. Era um longo caminho até o chão.

Iduna era casada com Bragi, o deus da poesia, e era doce, gentil e boa. Ela sempre carregava uma caixa feita de madeira de freixo que continha maçãs douradas. Quando os deuses começavam a sentir o toque da idade salpicando gelo em seu cabelo ou fazendo doer suas juntas, procuravam Iduna. Ela abria a caixa e permitia que comessem uma única maçã. Enquanto a comiam, a juventude e a força voltavam a eles. Sem as maçãs de Iduna, os deuses mal seriam deuses…

— Você está muito calado — comentou a águia. — Acho que vou arrastá-lo por mais algumas pedras e cumes de montanhas. Dessa vez, talvez o arraste por algum rio profundo.

— Vou trazer as maçãs para você — prometeu Loki. — Eu juro. Só me deixe no chão.

A águia não respondeu, mas, com um leve movimento de uma das asas, começou a descer até uma campina verde, de onde se erguia a fumaça de uma fogueira. Ela desceu voando até onde Thor e Hoenir estavam de pé, boquiabertos, olhando para os dois lá no alto. Quando a águia passou acima do fogo, Loki percebeu que começara a cair, ainda agarrado à lança, e rolou pelo capim. Com um grito, a águia bateu as asas e subiu bem acima dos três, e em pouco tempo tinha virado um pontinho no céu.

— Queria saber por que ela fez isso — comentou Thor.

— Quem é que pode saber? — retrucou Loki.

— Guardamos um pouco de comida para você — disse Hoenir.

Loki tinha perdido o apetite, o que seus amigos atribuíram ao passeio aéreo.

E nada de interessante ou fora do comum aconteceu no caminho de volta para Asgard.

II

No dia seguinte, Iduna estava caminhando por Asgard, cumprimentando os deuses, examinando seus rostos para descobrir se algum deles começava a envelhecer. Ela passou por Loki. Em geral, Loki a ignorava, mas, naquela manhã, sorriu para ela e a cumprimentou.

— Iduna! Como é bom ver você! Sinto a idade se abater sobre mim. Preciso provar uma de suas maçãs.

— Mas você não parece envelhecido, Loki — retrucou a deusa.

— Eu escondo isso muito bem. Ah! Minhas costas doem. A velhice é terrível, Iduna.

A deusa abriu a caixa de freixo e ofereceu uma maçã dourada a Loki.

Ele a comeu com entusiasmo, devorando-a com sementes e tudo. Então fez uma careta.

— Ó, céus! Nossa, achei que você tivesse… Bem, maçãs melhores.

— Que comentário peculiar — observou Iduna. Suas maçãs nunca tinham sido recebidas daquele jeito. Em geral, os deuses só falavam da perfeição do sabor e de como era bom se sentir jovem outra vez. — Loki, elas são as maçãs dos deuses. As maçãs da imortalidade.

Loki não pareceu convencido.

— Podem até ser. Mas quando estive na floresta vi maçãs melhores que as suas, e sob todos os aspectos. Eram mais bonitas, mais perfumadas e mais saborosas do que estas. Acho que também eram maçãs da imortalidade. Talvez um tipo de imortalidade melhor do que a que você oferece.

Loki reparou nas expressões que se alternavam depressa no rosto de Iduna: descrença, perplexidade e preocupação.

— Estas são as únicas maçãs do tipo que existem — alegou a deusa.

Loki deu de ombros.

— Só estou relatando o que vi.

Iduna caminhava a seu lado.

— Onde estão essas maçãs?

— Logo ali. Não tenho certeza se consigo lhe explicar o caminho até lá, mas posso guiá-la pela floresta. Não é uma caminhada longa.

A deusa assentiu.

— Mas, quando encontrarmos a macieira, como é que vamos comparar aquelas maçãs com as que estão na sua caixa de freixo aqui em Asgard? Quer dizer, eu até posso falar: “São melhores que suas maçãs.” Mas aí você diria: “Que bobagem, Loki, essas frutas são murchas e farinhentas em comparação com as minhas”, e aí como teríamos certeza?

— Não seja tolo — retrucou Iduna. — Vou levar minhas maçãs. Vamos poder compará-las.

— Ah. Que ideia inteligente. Bem, então vamos.

Loki a conduziu para a floresta. Iduna segurava firme a caixa de freixo com as maçãs da imortalidade.

Depois de meia hora de caminhada, a deusa disse:

— Loki, estou começando a desconfiar que não existe maçã nenhuma, nem macieira nenhuma.

— Mas que indelicado e ofensivo de sua parte — reclamou Loki. — A macieira fica logo ali, no topo daquela colina.

Eles foram até o topo da colina.

— Não tem macieira nenhuma aqui — constatou Iduna. — Só aquele pinheiro alto, com a águia empoleirada.

— Aquilo é uma águia? — perguntou Loki. — É muito grande.

Como se estivesse ouvindo o tempo todo, a águia abriu as asas e mergulhou do pinheiro.

— Não sou águia coisa nenhuma — disse a águia. — Sou o gigante Thiazi em forma de águia, e vim aqui reclamar a bela Iduna. Você fará companhia à minha filha, Skadi. E talvez aprenda a me amar. Mas, aconteça o que acontecer, o tempo e a imortalidade estão esgotados para os deuses de Asgard. Assim o declaro! Assim declara Thiazi!

O gigante capturou Iduna com uma das patas de garras afiadas, pegou a caixa de freixo de maçãs com a outra, subiu aos céus acima de Asgard e desapareceu.

— Então era ele — comentou Loki, para si mesmo. — Sabia que não era uma águia comum.

E voltou para Asgard com a vaga esperança de que ninguém percebesse que Iduna e suas maçãs tinham desaparecido. Ou que, se percebessem, demorassem a ligar seu desaparecimento ao passeio dos dois à floresta.

III

— Você foi o último a ver Iduna — declarou Thor, esfregando os nós dos dedos da mão direita.

— Não, não fui — retrucou Loki. — Por que você diria uma coisa dessas?

— E você foi o único que não ficou velho, como o resto de nós — completou Thor.

— Estou velho, mas tenho sorte. A velhice me cai bem.

Thor resmungou, nada convencido. Sua barba ruiva estava branca como a neve, com poucos pelos ruivos pálidos, tal e qual um fogo orgulhoso se transforma em cinzas brancas.

— Bata nele outra vez — sugeriu Freya. Seu cabelo longo estava grisalho, e as rugas de seu rosto eram sulcos profundos e cheios de preocupação. A deusa continuava bela, mas era a beleza envelhecida, não a de uma donzela de cabelo cor de ouro. — Ele sabe onde Iduna está. E sabe onde as maçãs estão.

O colar Brisingamen ainda pendia de seu pescoço, mas estava sem viço, sem brilho e embaçado.

Odin, o pai dos deuses, agarrava-se ao seu cajado com dedos nodosos e retorcidos pela artrite, com veias azuladas. Sua voz, sempre rimbombante e imponente, estava rouca e fraca.

— Não bata nele, Thor — ordenou em sua voz envelhecida.

— Viu? Eu sabia que pelo menos você seria razoável, Pai de Todos — disse Loki. — Eu não tive nada a ver com isso! Por que Iduna teria ido comigo a qualquer lugar que fosse? Ela nem gostava de mim!

— Não bata nele — repetiu Odin, e encarou Loki com seu único olho, agora de um cinza glauco. — Preciso dele inteiro e intacto para a tortura. Já estão aquecendo as brasas, afiando as lâminas e recolhendo as pedras. Podemos ser velhos, mas sabemos torturar e matar tão bem quanto quando o fazíamos na flor da idade e tínhamos as maçãs de Iduna para nos manter jovens.

O cheiro de carvão em brasa chegou às narinas de Loki.

— Se… — começou ele. — Se por acaso eu conseguisse descobrir o que aconteceu com Iduna, e se desse um jeito de trazê-la junto com as maçãs de volta para Asgard em segurança, será que podíamos esquecer essa história toda de tortura e morte?

— É sua única chance de continuar vivo — retrucou Odin, com uma voz tão velha e rouca que Loki não sabia dizer se era a voz de um velho ou de uma velha. — Traga Iduna de volta para Asgard. E as maçãs da imortalidade.

Loki assentiu.

— Soltem essas correntes — pediu. — Vou fazer isso. Mas vou precisar da capa de penas de falcão de Freya.

— Minha capa? — perguntou Freya.

— Temo que sim.

Freya saiu andando a passos rígidos e voltou com uma capa feita de penas de falcão. As correntes de Loki foram soltas, e ele pegou a capa.

— Não vá pensando que pode ir embora e nunca mais voltar — avisou Thor, esfregando a barba branca ameaçadoramente. — Posso estar velho, mas, se você não voltar, vou caçá-lo, mesmo velho como estou, vou encontrá-lo onde quer que você se esconda, e meu martelo e eu seremos sua morte. Pois eu ainda sou Thor! E ainda sou forte!

— E ainda é extremamente irritante — retrucou Loki. — Poupe seu fôlego, e use sua força para fazer uma pilha de lascas de madeira além dos muros de Asgard. Uma pilha enorme de lascas de madeira. Você vai ter que derrubar muitas árvores e picá-las em lascas finas. Vou precisar de uma pilha comprida e alta bem junto ao muro, então é melhor começar agora.

Ele envolveu o corpo com a capa e assumiu a forma de falcão, batendo as asas e voando mais rápido até que uma águia. Ele desapareceu a caminho do norte, na direção das terras dos gigantes do gelo.

IV

Loki voou sem parar para descansar em sua forma de falcão, até, já bem embrenhado nas terras dos gigantes do gelo, chegar à fortaleza de Thiazi. Lá, ele se empoleirou no telhado alto para observar tudo o que se passava abaixo.

Loki viu Thiazi, em sua forma de gigante, sair andando a passos pesados de sua fortaleza e atravessar a praia de cascalho até um barco a remo maior que a maior das baleias. Thiazi puxou o barco pela proa até as águas congelantes do oceano norte e avançou mar adentro com grandes remadas. E logo sumiu de vista.

Foi então que Loki, ainda como falcão, voou ao redor da fortaleza, espiando o interior de cada janela. No quarto mais distante, por uma janela com grades, viu Iduna, sentada, aos prantos, e se empoleirou ali.

— Pare de chorar! Sou eu, Loki, e vim aqui resgatá-la!

Iduna encarou o deus da trapaça com os olhos vermelhos de tanto chorar.

— Você é a fonte de todos os meus problemas!

— Bem, isso pode até ser. Mas foi há muito tempo. Isso foi o Loki de ontem. O Loki de hoje está aqui para salvá-la e levá-la de volta para casa.

— Como?

— Você ainda está com as maçãs?

— Eu sou uma deusa Aesir. Onde quer que eu esteja, as maçãs também estão.

Iduna lhe mostrou a caixa com as maçãs.

— Isso facilita as coisas — comentou Loki. — Feche os olhos.

A deusa fechou os olhos, e ele a transformou em uma avelã ainda grudada na casca verde. Loki fechou as garras em torno da avelã, bateu as asas, passou por entre as barras da janela e começou a viagem de volta para casa.

Thiazi tinha tido um péssimo dia de pescaria. Nenhum peixe mordia a isca. Ele decidiu que usaria melhor seu tempo voltando para sua fortaleza para cortejar Iduna. Iria provocá-la contando como, sem ela e suas maçãs, todos os deuses estavam frágeis e debilitados — velhotes babões, incapazes e trêmulos, com o pensamento lento e a mente e o corpo aleijados. Ele remou de volta para a fortaleza e se apressou até o aposento de Iduna.

Estava vazio.

Thiazi notou uma pena de falcão no chão. Naquele momento, soube onde Iduna estava e quem a levara.

O gigante alçou voo na forma de uma águia ainda maior e mais poderosa que qualquer outra em que já se transformara e avançou em um voo rápido, cada vez mais rápido, na direção de Asgard.

O mundo passava abaixo dele. O vento soprava a sua volta. O gigante foi ainda mais rápido, tão rápido que o próprio ar trovejava com o som de sua passagem.

Thiazi continuou voando. Deixou a terra dos gigantes e adentrou a terra dos deuses. Quando viu um falcão à frente, soltou um grito de fúria e aumentou a velocidade.

Os deuses de Asgard ouviram o guincho e o ribombar das asas e foram até as muralhas altas ver o que até se passava. Viram o pequeno falcão vindo em sua direção com a águia enorme em seu encalço. O falcão estava tão perto…

— Agora? — perguntou Thor.

— Agora — concordou Freya.

Thor ateou fogo às lascas de madeira. Elas queimaram em um instante, permitindo apenas tempo o suficiente para o falcão passar voando por cima das muralhas e se instalar no interior do castelo. Então, com um rugido, irromperam em chamas. Foi como uma erupção, um jorro de fogo mais alto que os muros da própria Asgard: aterrorizante e inimaginavelmente quente.

Thiazi não conseguiu parar, não conseguiu reduzir a velocidade do voo, não conseguiu mudar de direção. Voou direto para as chamas. As penas do gigante pegaram fogo, as pontas das asas queimaram. E, transformado em uma águia depenada, ele caiu do ar e se estatelou no chão com um estrondo que abalou a fortaleza dos deuses.

Queimada, atônita e atordoada, a águia pelada não era páreo nem mesmo para deuses idosos. Já estava mortalmente ferido, e, ao voltar à forma de gigante, um golpe do martelo de Thor lhe tirou a vida.

V

Iduna ficou feliz por se reunir com o marido. Os deuses comeram as maçãs da imortalidade e recuperaram a juventude. Loki torceu para que a questão estivesse resolvida.

Não estava. A filha de Thiazi, Skadi, vestiu a armadura, pegou as armas e foi para Asgard vingar o pai.

— Meu pai era tudo para mim, e vocês o mataram. Sua morte enche minha vida de lágrimas e tristeza. Não tenho mais alegria por viver. Venho aqui em busca de vingança ou compensação.

Os Aesir e Skadi barganharam muito por uma compensação. Naqueles dias, cada vida tinha um preço, e a vida de Thiazi tinha um preço muito alto. Quando as negociações foram concluídas, os deuses e Skadi concordaram que a gigante seria recompensada pela morte do pai de três maneiras.

Primeiro, Skadi poderia escolher um deles para ser seu marido e assumir o lugar do pai morto. (Era óbvio para todos os deuses e deusas que Skadi se decidira por Balder, o mais belo de todos os Aesir. Ela não parava de dar piscadelas para ele e o encarava sem cessar, até que Balder desviou o olhar, enrubescido e envergonhado.)

Segundo, os deuses a fariam rir de novo, porque ela não tinha sorrido desde que o pai fora morto.

E, por último, os deuses providenciariam para que seu pai jamais fosse esquecido.

Os deuses a deixariam escolher um marido entre eles, mas tinham uma condição: ela não podia escolher o marido olhando seu rosto. Todos os deuses ficariam atrás de uma cortina com apenas os pés à mostra. Skadi teria que escolher o marido pelos pés.

Um a um, os deuses foram para trás da cortina, e Skadi examinou seus pés com muita atenção.

— Pés feios — dizia, ao passar por cada par.

Então parou e exclamou com prazer:

— Esses são os pés de meu futuro marido! São os pés mais bonitos que já vi! Devem ser de Balder. Nada em Balder poderia ser feio.

E Balder era mesmo belo, mas, ao erguer a cortina, Skadi descobriu que os pés que escolhera pertenciam a Njord, deus das carruagens, pai de Frey e Freya.

Os dois se casaram ali mesmo. No banquete de casamento, a gigante tinha o olhar mais triste que qualquer Aesir já vira.

Thor cutucou Loki.

— Vá em frente — mandou. — Faça-a rir. Isso é culpa sua, afinal.

Loki soltou um suspiro.

— Sério?

Thor assentiu e deu um tapinha no cabo do martelo.

Loki balançou a cabeça e foi até os currais onde ficavam os animais. Voltou para o banquete de casamento conduzindo um bode grande e extremamente irritado. Loki irritou ainda mais o bode amarrando uma corda com firmeza em torno de sua barba.

Então o deus da trapaça amarrou a outra ponta da corda nas próprias partes íntimas.

Ele puxou a corda. O bode berrou, sentindo a dor da barba puxada, e puxou de volta. A corda puxou com força as partes íntimas de Loki, que gritou, segurou a corda outra vez e a puxou de volta.

Os deuses riram. Não era preciso muito para fazer os deuses rirem, mas aquilo era a melhor coisa que eles tinham visto em muito tempo. Fizeram apostas sobre o que seria arrancado primeiro: a barba do bode ou as partes íntimas de Loki. E zombaram dele por gritar.

— Parece o uivo de uma raposa à noite! — exclamou Balder, segurando o riso.

— Loki parece um bebê chorão! — disse o irmão de Balder, Hod, que era cego, mas ria toda vez que Loki gritava.

Skadi não ria, embora o fantasma de um sorriso começasse a assombrar os cantos de seus lábios. Toda vez que o bode berrava ou Loki uivava de dor, gemendo como uma criança, seu sorriso ficava um pouco mais largo.

Loki puxava. O bode puxava. Loki gritava e dava um novo puxão. O bode berrava e puxava de volta com ainda mais força.

A corda arrebentou.

Loki voou pelos ares com as mãos na virilha e aterrissou no colo de Skadi, gemendo de dor.

Skadi riu como uma avalanche entre as montanhas, riu tão alto quanto uma geleira desabando. Riu tanto e por tanto tempo que lágrimas brilharam em seus olhos. E, enquanto ria, pela primeira vez estendeu o braço e apertou a mão do novo marido, Njord.

Loki desceu de seu colo e saiu cambaleando com as mãos entre as pernas, olhando com ressentimento para todos os deuses e deusas, que apenas riram mais alto.

Quando a festa de casamento chegou ao fim, Odin, o Pai de Todos, se virou para Skadi, a filha do gigante, e disse:

— Então nossa dívida está paga. Ou quase.

Ele fez um sinal para que Skadi o seguisse para a noite, e ela e Odin saíram juntos do salão, com o novo marido da gigante seguindo a seu lado. Perto da pira funerária que os deuses fizeram para os restos de Thiazi havia duas grandes esferas cheias de luz.

— Essas esferas eram os olhos de seu pai — explicou Odin.

O Pai de Todos pegou os olhos de Thiazi e os jogou para o alto, para o céu noturno, onde queimaram e brilharam juntos, lado a lado.

Olhe para o céu no auge do inverno. Você as verá ali, duas estrelas gêmeas, uma brilhando ao lado da outra. Essas estrelas são os olhos de Thiazi. E brilham até hoje.

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