Odin – Deuses Nórdicos

(Odhinn, Wotan, Wodanaz, Wode)

“O Pai Supremo”

A maior parte dos mitos e lendas nórdicas coloca em evidência a figura complexa e poderosa de Odin, Alfadhir, “O Pai Supremo”, chefe dos outros deuses, o omnideus. Odin é conhecido por vários nomes, títulos e apelidos, como Grimnir, o encapuzado; Ganglery, o andarilho; Har, o caolho; Svipal, o que muda de forma; Fjolnir, o que se esconde; Sigfadhir, o pai das vitórias; Galdrfadhir, o pai das canções mágicas; Harbardr, o barbudo grisalho; Offlir, o estrangulador; Svafnir, o que adormece os escolhidos; Hangatyr, o Deus dos enforcados; Valfadhir, o Pai dos caídos na batalha; Svithur, o sábio; entre outros. Odin recebeu características e aspectos diferentes, de acordo com o país em que era cultuado. Apesar de alguns autores afirmarem que cada nome era a indicação de um deus diferente, a maior parte dos pesquisadores acredita na existência de um único arquétipo, fosse ele chamado Wodanaz ou Wotan, na Alemanha; Wodan, na Holanda; Woden, na Inglaterra, ou Odin, na Escandinávia. Wodanaz é o nome mais antigo, contemporâneo de Thurisaz e Teiwaz, os precursores de Thor e Tyr.

Existem algumas diferenças entre Wotan e Odin que devem ser consideradas nos rituais a eles direcionados. Enquanto o elemento de Odin é primeiro o ar e depois o fogo, a Wotan correspondem a água e a terra, em virtude de sua antiga conexão com o tempo e a colheita. Apesar do arquétipo de Odin ser único e muito antigo, com o passar do tempo ocorreram mudanças sociais e culturais nos povos que o cultuavam que se refletiram, também, nas definições de seus atributos e funções. Wodanaz surgiu como a figura arcaica de um gigante furioso, regente da tempestade, inicialmente conhecido por Wode, palavra equivalente a “raiva” (wütte e wodjan, em alemão moderno e arcaico). Gradativamente, ele passou a ser associado à magia e à sabedoria das runas, evoluindo para um arquétipo mais sofisticado, mas que ainda preserva o elemento da raiva e continua sendo o condutor das almas (assim como Wode).

Odin sobrepujou Tyr como Pai Celeste e absorveu deste algumas características. Somente mais tarde lhe foi atribuída, também, a regência das guerras, como reflexo das mudanças nas sociedades nórdicas. Surge assim a figura guerreira de Odin, armado com sua lança mágica, o elmo dourado e o escudo luminoso, aparecendo de maneira inesperada nos campos de batalha, infundindo temor e confiança em seus protegidos e pânico e desorientação nos inimigos. Originariamente um deus do povo, aos poucos Odin foi elitizado e considerado o padroeiro exclusivo de reis, chefes, heróis e guerreiros, que veneravam Odin em vida e continuam a servi-lo após a morte. Valhalla, o palácio de Odin, não é um paraíso para todos, somente para os aristocratas e os nobres guerreiros escolhidos por Odin para fazerem parte de Einherjar, seu exército de elite. Odin aparece para seus favoritos para lhes aconselhar e até mesmo dar armas durante as batalhas, mas exige em troca seus serviços leais, mesmo após a morte. Possivelmente nessa época originaram-se as histórias sobre o comportamento traiçoeiro de Odin, reflexo da própria corrupção humana e da indignação de certos reis ou chefes que, ao perderem as batalhas, sentiam-se enganados por Odin, que havia lhes “prometido” a vitória, em sonhos ou visões. A natureza de Odin é misteriosa e paradoxal – ele constrói a muralha de Asgard para a proteção das divindades, mas perambula por vários meses pelos Nove Mundos, disfarçado de poeta, xamã e guerreiro, para adquirir e repartir conhecimentos e informações. É, ao mesmo tempo, um deus dos juramentos e das traições; torna seus heróis invencíveis – até lhes tirar pessoalmente a vida. Não Participa das batalhas, mas promove e incentiva as disputas, sendo um mestre na arte do disfarce.

Para compreender melhor a atuação de Odin como deus da guerra, é necessária uma breve descrição dos valores e costumes das antigas sociedades nórdicas. No período patriarcal pré-cristão, os povos do norte da Europa necessitavam de um deus da guerra, pois estavam permanentemente envolvidos em batalhas, invasões, disputas ou conquistas. A sociedade estava acostumada à violência e à pouca longevidade; os conflitos entre as pessoas eram resolvidos pela força bruta ou pelas armas. O herói das sagas era o guerreiro e seu leal exército, pronto para lutar e morrer defendendo ou conquistando terras, bens, casas, mulheres, gado. Para garantir a vitória ou a sobrevivência, os homens veneravam deuses que poderiam protege-los, mas que exigiam em troca algum tipo de sacrifício. Surgem, assim, os terríveis ritos sacrificiais dedicados a Tiwaz, Wotan e depois a Odin.

Há muitos relatos na antiga literatura escandinava sobre ritos, associados a Odin, nos quais era necessária uma morte tripla: pela lança, pela forca e pela fogueira. Os seguidores dessas práticas alegavam que repetiam o exemplo do deus ao qual se dedicavam, pois o mito de Odin narra sua auto-imolação, ferido pela lança e enforcado em Yggdrasil por nove dias e nove noites, para que pudesse alcançar a sabedoria e, assim, fosse aceso o fogo sagrado da inspiração. Até o século XI encontram-se evidências – como no famoso templo de Uppsala, na Suécia – de sacrifícios de prisioneiros e animais em honra a Odin, em seu aspecto de “arremessador de lanças” e “deus dos enforcados” (a forca era conhecida como “corcel de Odin”). As vítimas, empaladas com uma lança e enforcadas, eram queimadas com todos seus pertences. Acreditava-se que todos os bens oferecidos no sacrifício iriam com o dono para Valhalla.

Compreende-se, assim, a destruição de inúmeras armas, escudos, armaduras e joias dos inimigos, mesmo em uma época em que cada um desses objetos tinha grande valor e era difícil de obter. Aqueles que morriam de maneira heroica nos campos de batalha eram queimados em piras funerárias ou lançados em barcos depois incendiados, juntamente com armas, cavalos e mulheres. Por mais cruéis e bárbaras que pareçam as mortes sacrificiais das mulheres, elas não eram impostas, mas voluntárias. Referências a suicídios ou mortes “repentinas” de esposas, nos funerais do marido, podem ser encontradas, na Suécia, até o século X. Tal fato, é explicado pela crença de que as mulheres somente iriam para Valhalla se morressem de forma sacrificial ou heroica. Para entrar no reino de Odin, elas também deveriam ser empaladas, enforcadas e depois queimadas com o marido. Atualmente, em Gamla Uppsala, ainda podem ser encontrados alguns enormes burial mounds, colinas artificiais sob as quais supostamente estão centenas de ossadas (animais e humanas) das vítimas dos antigos sacrifícios feitos a Frey e Odin, ao longo dos séculos. Em vez de uma egrégora lúgubre, como era de se esperar, pude perceber, enquanto caminhava e meditava no local, um enorme vazio, preenchido pela algazarra dos turistas que compram lembrancinhas no Odinsborg, restaurante e loja de suvenires erguido no lugar do antigo templo de Odin, ao lado de uma capela cristã.

As sangrentas oferendas seculares aparentemente eram uma forma de retribuição dos homens para a Terra, que precisava ser nutrida com a energia vital do sangue (antigamente representada pelo sangue menstrual das mulheres), para que produzisse e sustentasse as comunidades assoladas pela escassez de recursos naturais. Para os povos antigos, a vida e a morte eram apenas fases do mesmo ciclo eterno; sem apego à primeira ou temor à segunda, eles honravam e aceitavam igualmente ambas. O salão de Valhalla é um lugar extremamente masculino, repleto de armas, escudos e armaduras; têm um telhado feito de lanças e centenas de portas que facilitam a entrada e saída dos guerreiros. Estes, chamados de Einherjar (“lutadores solitários”), passavam o dia guerreando, morrendo e sendo ressuscitados, para à noite festejar com Odin, comendo carne de javali encantado (que renascia milagrosamente todos os dias, depois de ser sacrificado) e bebendo o infindável hidromel de seu chifre de auroque, com inscrições rúnicas. Apesar de Valhalla parecer um lugar bastante lúgubre e sem nenhuma conotação transcendental, o sonho e o desejo de todo guerreiro nórdico era morrer no campo de batalha, ser levado pelas Valquírias para o palácio de Odin e ali permanecer, treinando e festejando até a batalha final do Ragnarök.

Um fenômeno muito difícil de compreender é o dos Berserkers, guerreiros consagrados a Odin que lutavam em estado de fúria extática. Descritos às vezes como monstros sanguinários, eles eram guerreiros de uma classe especial, totalmente livres, que não estavam sujeitos a nenhuma lei social ou moral e lutavam em estado alterado de consciência, sem se importar com o perigo ou com os ferimentos. Imbuídos de uma fé inabalável em Odin, que lhes dava esse poder extático, eles lutavam nus, cobertos apenas com peles de animais (berserk significava “camisa de urso”, ou “pele de lobo”), cujas qualidades eles adquiriam ao longo do treinamento xamânico. Os Berserkers eram os herdeiros de uma longa linhagem de antigas companhias europeias de guerreiros; eles viviam reclusos, estavam sujeitos a uma disciplina árdua e rigorosa e submetiam-se a severos testes de iniciação e dedicação ao deus a quem iriam oferecer a vida e os serviços. Dos guerreiros mortos nos campos de batalha, são escolhidas as almas daqueles que mais se destacaram pela coragem e nobreza. Estas são escoltadas pelas Valquírias e conduzidas aos salões de Odin ou de Freyja (que dividem entre si os heróis mortos). Nas lendas mais antigas, as Valquírias tinham uma atuação maior e desfrutavam livre-arbítrio. Nos mitos mais recentes, principalmente do período viking, enfatiza-se seu aspecto bélico e sanguinário. Existem alguns relatos celtas e nórdicos sobre entidades femininas vistas na véspera das batalhas, despejando sangue nos campos ou tecendo teias fúnebres com entranhas e caveiras.

Elas aparecem nos sonhos dos homens e anunciam quem iria vencer ou perder. Suas representantes na terra eram as “sacerdotisas da morte”, mulheres encarregadas dos ritos sacrificiais e da preparação das vítimas que iam “ao encontro de Odin” pelo ritual de morte tripla. Indo além dessa apresentação mais recente e conhecida de Odin, em sua simbologia mais profunda e complexa, ele é visto como um deus tríplice de aspectos múltiplos (conforme revela um dos nomes pelo qual é conhecido: “Aquele que muda de forma”). A estrutura básica de Odin é representada pelas tríades Wodhanaz – Wiljon – Wihaz, Odin – Hoenir – Lodur ou Odin – Vili – Vé, que resumem seus atributos de guerreiro, xamã e psicopompo, ou suas qualidades de inspiração, poder mágico e transformação. A escritora Freyja Aswynn dá uma interpretação mitológica à transição de Odin de guerreiro a xamã. A guerra entre os Aesir e os Vanir teria sido consequência da decisão de Odin de queimar a giganta Gullveig, que apareceu repentinamente em Asgard e despertou nos deuses a cobiça pelo ouro. Apesar de representar um aspecto sombrio da Deusa (cobiça), o ato de queimá-la três vezes deu origem às Nornes e deu início a uma série de eventos irreversíveis. Odin ainda não tinha adquirido suas habilidades mágicas e ampla sabedoria, que acabaram por transformá-lo em xamã, depois de se auto-imolar na Árvore do Mundo, com o sacrifício de um olho na fonte de Mimir, e de ter aprendido a arte Seidhr com a deusa Freyja. Ao transcender a morte durante seu sofrimento, ficando empalado e pendurado na Árvore do Mundo por nove dias, Odin adquiriu a habilidade de atravessar as fronteiras entre a vida e a morte e assumiu a condição de xamã, conforme descrito no poema “Havamal”. Odin “entrega seu ser a ele mesmo” (Odhinn gives his self to himself): ele mergulha no escuro reino de Hel (o inconsciente, a morte xamânica) e. num lampejo de consciência expandida, alcança o mistério das runas. É nessa fusão da luz com a escuridão, do consciente com o inconsciente, que nasce a essência supraconsciente de Odin, que transpõe a sabedoria assim alcançada para o código rúnico.

Sua dádiva para a humanidade foi tornar compreensíveis os mistérios cósmicos aos quais ele teve acesso, revelados nos símbolos das runas, no dom da poesia, na eloquência da linguagem e na habilidade artística. Odin torna-se, assim, o Mestre da Inspiração, o Senhor da Sabedoria Mágica, que ele revela aos buscadores ao conduzi-los pelos vários estados de consciência. Para nossa mentalidade racional e tendo em vista diferentes valores espirituais, parece muito difícil compreender e aceitar a jornada iniciática de Odin como mero aprendiz e não como um deus. Devemos, no entanto, lembrar que os deuses nórdicos eram mortais (não fossem as maçãs mágicas da deusa Idunna) e seus mitos descreviam experiências e conquistas inerentes à existência humana, servindo de exemplo para os homens. Odin não nasceu deus onisciente e poderoso; ele foi se aperfeiçoando e progredindo, saindo de uma posição inferior na hierarquia divina e se elevando, por meio de sua determinação e dos sacrifícios feitos para alcançar a sabedoria. Passou, assim, da condição de Odin para a de deus Odin. Odin personifica o arquétipo universal e eterno do xamã, que adquiriu sua sabedoria de três maneiras: 1) Pelo sacrifício iniciático na Árvore do Mundo, por nove dias e noites ; 2) Pelo sacrifício de seu olho (da razão) para beber da fonte de Mimir (sendo que Mimir representa a memória ancestral e sua fonte é o repositório de todos os conhecimentos dos antepassados, obtidos pela intuição e pela visão interior) ; 3) Pela ingestão diária de Odhroerir, o elixir da inspiração, essência da consciência divina dos Ases e Vanes, roubado da giganta Gunnlud.Odin busca também outras fontes de informação: seus dois corvos – Huginn (pensamento) e Muninn (memória) – simbolizam a expansão permanente de suas habilidades perceptivas e cognitivas, além das fronteiras conhecidas. Ele aprendeu com Freyja a arte da magia Seidhr, prática baseada em rituais sexuais, transe divinatório e metamorfose. Cavalgando Sleipnir, o cavalo com oito patas (que representa os carregadores que levam um féretro), Odin desloca-se para o mundo subterrâneo, até o portal do reino de Hel (exemplo clássico de viagem xamânica, na qual se assume a forma de um animal), para obter informações de uma sacerdotisa morta (prática denominada necromancia). Um dos poemas antigos descreve a insistência com a qual Odin obriga a relutante Völva (ou vala) a lhe responder. O fascínio que Odin exerce sobre a mente dos homens lhe confere o poder de criar e soltar amarras (como o medo da morte ou o fluxo da inspiração). Os símbolos desse poder são o o trefot, o valknut, os nós triplos, a serpente (forma que assumiu para perfurar a montanha onde era guardado o “elixir da inspiração” e, copulando com Gunnlod, para obter permissão para beber o elixir), a lança e a espada.

Na qualidade de xamã, Odin desempenha a missão de psicopombo, ou seja, condutor das almas, por ele encontradas, recolhidas e conduzidas durante as peregrinações pelos mundos nas quais cavalga Sleipnir. Essa missão foi distorcida e apresentada nos contos medievais como “A Caça Selvagem” (Wilde Jagd), e Odin, chamado de Grimnir, “O encapuzado”, foi equiparado ao diabo pela igreja cristã. Como patrono da inspiração e da sabedoria, Odin se apresenta como um sábio idoso, com longos cabelos grisalhos, um manto azul-escuro, capuz ou chapéu de abas largas cobrindo a órbita vazia do olho perdido, um dos corvos pousado no ombro e o outro voando ao redor. Ele usa um cajado inscrito com runas e fala somente em versos, usando palavras bonitas e tocantes. O culto de Odin contém inúmeros elementos e influências do xamanismo siberiano e ártico, exceto o uso do tambor, das danças e das curas. É evidente, em todos os seus mitos, sua importância como mago, mestre iniciático, catalisador de expansão de consciência e psicopombo. Odin é filho dos gigantes Bestla e Bor, irmão de Vili e Vé, marido de Frigga e amante de Fjorgyn, Grid, Gunnlud, Huldra, Jord, Rind, Skadhi e das “Donzelas das Ondas”. Seus filhos são Baldur, Bragi, Hodur, Hermod, Heimdall, Thor, Thorgerd, Tyr, Vidar, Vali e as Valquírias, e é considerado, junto com Frigga, o progenitor do clã dos Aesir (de onde deriva seu título de “Pai de Todos os Deuses”).

Sua participação na criação de Midgard foi descrita no “Mito da Criação”. Ele possui três palácios: Valaskialf, com teto de prata, onde se localizava seu trono mágico; Valhalla (ou Wal-Halla), em cujos salões ele recebia os guerreiros mortos em combate; Gimle, que resistirá à destruição do Ragnarök e sediará a nova raça de deuses. Em algumas gravuras antigas, Odin – como Deus Pai, o Senhor Todo-Poderoso – aparecia sentado em seu trono e cercado de seus companheiros e objetos mágicos. Odin tinha como auxiliares os corvos Huginn e Muninn, os lobos Geri e Freki e o cavalo Sleipnir; como objetos mágicos, levava Gungnir – a poderosa lança de três lâminas, com a ponta em forma de corvo e que jamais errava seu alvo -, a espada Brimir, o elmo de ouro com chifres, o escudo branco e o anel Draupnir. No Ragnarök, Odin, em sua representação de Deus da Guerra – armadura de couro e metal, elmo ornado com chifres, tapa-olho de metal e equipado com todas as suas armas -, conduzira deuses e guerreiros mortos para a batalha final, na qual sucumbirá, devorado pelo lobo Fenrir, mas será vingado pelo filho.

Você pode ler mais sobre a Mitologia Nórdica neste link.

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