A captura do lobo Fenris

Loki, o mais astucioso dos deuses nórdicos, era mestre na arte da dissimulação e dos disfarces, tendo conseguido transferi-la aos próprios filhos. Destes, os mais importantes são Iormungand, a serpente do mundo; Hel, a deusa infernal; e Fenris, o lobo gigante.

A princípio os três eram gigantes normais, mas logo tomaram as formas monstruosas que seu perverso pai determinara, pois todos haviam sido gerados com um único propósito: o de destruir os deuses, pondo fim ao seu domínio sobre o céu e a terra.

Odin, entretanto, previu tudo isto por meio de um oráculo das suas runas c resolveu dar, logo, caça a estes monstros, enquanto ainda eram crianças.

Sozinho, deu conta da serpente, lançando-a ao mar, onde ela cresceu de maneira tão desmedida que se tornou capaz de dar a volta ao mundo e morder a própria cauda.

(Thor, mais adiante, tentou pescá-la, porém, sem sucesso.) Hel, a sombria deusa da morte, foi lançada às regiões escuras e geladas do Niflheim. Com seu rosto metade claro e metade negro, tornou-se a autoridade maior do reino dos mortos. Mas, às escondidas, passou também a arregimentar um terrível exército espectral que seu pai Loki, haveria de comandar no dia da Ragnarok (o “Crepúsculo dos Deuses”), a grande conflagração final, que poria fim aos deuses e ao próprio mundo.

Já com o lobo Fenris, a história foi bem mais complicada, pois nenhuma outra criatura se mostrou tão arredia e perigosa aos deuses quanto este animal.

Tudo começou quando Odin chegou a Asgard conduzindo um pequeno animalzinho que, a princípio, não era maior do que um filhote de Ruskie. Com seus olhos oceanicamente azuis, encantou logo a todos na morada dos deuses, cm especial, às mulheres, que não cessavam o dia inteiro de acariciá-lo.

Fenris, no entanto, olhava sempre de lado para aquela raça inimiga e, desde o começo, deixou bem claro que não ia com a cara de ninguém por ali. Da cara feia, passou logo às dentadas e foram tantos os conflitos, que todos fugiam espavoridos do animal – o qual crescera de maneira tão prodigiosa, que, já nos primeiros dias, havia alcançado o tamanho de um leão avantajado.

Imediatamente, começaram a surgir queixas de todos os lados.

– Odin, onde é que você estava com a cabeça, ao trazer esta fera para dentro dos portões de Asgard? – disse um dia Frigga, sua esposa, que já contabilizava quatro mordidas pelo corpo (uma delas, num local bastante incômodo).

– Ora, um animalzinho tão dócil…! – disse Odin, tentando disfarçar o erro.

Mas, ele próprio sabia que a coisa não era bem assim, pois dentre todas as divindades parecia ser ele a presa mais visada, a ponto de não poder chegar perto do lobo sem que ele lhe arreganhasse as presas afiadas como punhais.

Afinal, a coisa evoluiu de tal modo, que a criação de Fenris foi entregue a Tyr, considerado o mais corajoso dos deuses.

– Deixem comigo – disse ele, tomando o lobo e o levando para casa.

Mas, nem mesmo o deus feroz foi capaz de amansar o seu gênio. Diversas vezes, escapulia e voltava a espalhar o terror entre os deuses até que Odin chegou à conclusão que deveriam prender o animal num local ermo e afastado de tudo.

– Do jeito que ele continua crescendo – disse Tyr, na reunião que decidiu o destino do lobo gigantesco -, logo ele será capaz de engolir Asgard inteira, numa única bocada.

Então, os deuses providenciaram uma corrente chamada Laeding, a mais forte que puderam encontrar. Seus elos de ferro tinham a espessura de uma coluna e seu cadeado fora forjado do mais puro aço.

– Desta, ele jamais escapará – disse Tyr, ao apresentar a magnífica corrente.

– Mas como o convenceremos a se deixar acorrentar? – disse Odin ao conselho.

– Simples – respondeu Tyr, socando os punhos (era um velho hábito seu) -, basta que lhe digamos que se trata de um desafio à sua extraordinária força. Sendo filho de quem é, não se furtará a um bom exibicionismo.

Odin, diante destes bons argumentos, resolveu arriscar.

***

Fenris era um lobo dotado de fala, mas não era de muita conversa, como já se pôde perceber. Na manhã seguinte, aceitou ser levado até um lugar muito distante de Asgard, a pretexto de um passeio. Odin aproximou-se, cautelosamente, e se pôs a tagarelar com o animal que permaneceu impassível, a observá-lo do alto com os olhos semi-cerrados. A única coisa que se escutava de Fenris -que se convertera num monstruoso animal, mais alto que o maior dos palácios de Asgard -, era um grunhido sinistro, como se houvesse um monte de seixos rolando dentro da sua garganta.

– Fenris, você é um animal, verdadeiramente, grandioso! – disse o deus, tentando conquistar-lhe a confiança. – Na verdade, há um consenso unânime mire os deuses de que não há nenhuma outra criatura em todos os nove mundos que lhe exceda em tamanho e vigor. Por isto, decidimos propor-lhe um desafio.

Fenris virou-se para o lado e viu algo que parecia uma imensa centopéia negra, a rastejar, penosamente, pelo terreno acidentado do vale. Era Tyr e uma legião de ajudantes que traziam acima dos braços a imensa corrente estendida.

O ruído gorgolejante na garganta de Fenris redobrou de intensidade.

– O que acha desta corrente? – disse Odin, assim que os esbaforidos deuses haviam-na depositado diante de Fenris.

– Que tem ela? – respondeu, finalmente, o lobo numa voz que era mais um uivo medonho do que qualquer outra coisa.

– Que tal testar nela a sua força?

Fenris observou bem a pesadíssima corrente, alisando os elos com sua imensa pata esbranquiçada. “Barbadinha!”, pensou.

– Podem amarrar-me nesta tira de sandálias – disse o lobo, com um ar de desdém.

Imediatamente, todos os deuses começaram a envolver o lobo – que se estirara ao comprido – nos elos da pesadíssima corrente. Vários cadeados foram afixados e, quando Fenris pareceu estar, finalmente, bem aprisionado, todos correram para longe.

– Muito bem, tente agora se libertar! – disse Odin, com um grito.

Fenris abriu uma bocarra enorme, tão escura, que se fez noite ao seu redor; em seguida, fingiu espreguiçar-se, estirando todos os seus musculosos membros. Um estrondo apocalíptico reboou pelo vale desolado, fazendo com que Iodos os deuses se agachassem – menos, é claro, Tyr, o mais valente deles.

Quando o lobo medonho fechou a boca, novamente, e a luz voltou a brilhar, percebeu-se, então, que da corrente só haviam restado os seus elos partidos, espalhados por todos os lados como anéis de chumbo que algum gigante houvesse espargido, por pirraça, para o alto.

“Brincadeira sem graça…!”, pensou Fenris, pondo-se em pé, outra vez, pronto a fazer alguém pagar o preço do seu enfado.

Os deuses estiveram atônitos por um largo tempo até que Odin reassumiu o controle da situação.

– Muito bem, Fenris! – disse ele, aplaudindo o lobo. – Agora, vamos ver se você é mesmo o tal! – E virando-se para os companheiros, ordenou: – Vamos, tragam logo a outra…!

Por precaução, havia sido preparada uma outra corrente (que o ferreiro, autor dela, reputara como infinitamente mais sólida do que a primeira), a qual foi trazida ainda com mais lentidão do que a primeira, tal o seu peso descomunal.

– Que tal lhe parece? É Droma, a mais sólida corrente já feita. Será que esta você agüenta? – disse Odin, com um ligeiro tom de mofa na voz.

Um reboar sinistro sacudiu as entranhas do lobo, parecendo que ele guardava dentro de si um depósito de trovões. Aproximou-se da corrente, que parecia bem mais sólida do que a primeira, e a examinou atentamente. Seu poderoso focinho entrou em ação e começou a farejar, demoradamente, a corrente, tempo bastante para que seu cérebro pudesse identificar todos os metais que compunham a liga daquela espantosa cadeia. “Barbada!”, pensou, porém, não tão seguro como da primeira vez.

– Podem amarrar-me nesta corda de enforcar! – disse ele, lambendo os beiços.

De novo, todos os deuses e seus ajudante entregaram-se à tarefa estafante de estender sobre o pêlo macio de Fenris os elos da cadeia gigantesca.

– Está pronto? – disse Odin, dando novo grito.

O lobo deu um grande latido, que derrubou uma montanha próxima.

– Pode começar! – disse o deus, disparando junto com os demais, à exceção, é claro, de Tyr, o mais destemido, que ficou a observar tudo quase ao lado do lobo, socando os punhos, como de hábito.

Desta vez, Fenris encontrou um pouco mais de dificuldade, pois não lhe bastou retesar, simplesmente, os músculos. Um sorriso de vitória desenhou-se nos lábios de Thor, o deus do trovão – que estava por perto, de martelo na mão, para alguma eventualidade -, bem como no semblante dos demais deuses.

Fenris rosnou e um latido de raiva cortou os ares. Então, começou a se debater e a lutar, verdadeiramente, contra a corrente, o que bastou para a despedaçar em poucos minutos. “Isto cansou-me um pouquinho!”, pensou o lobo. “Mas alguém vai pagar!”

Frustrados, os deuses viram-se obrigados a abandonar o local do desafio e já estavam todos retornando, cabisbaixos, junto com o perigoso animal – que abanava alegremente a sua cauda, provocando um vendaval atrás de si – quando Skirnir, o fiel ajudante do deus Freyr, aproximou-se de Odin e lhe disse:

– Poderoso deus, permita que eu vá até a terra dos anões, ver se consigo arrumar com eles uma corrente verdadeiramente forte!

– Os anões…? – disse Odin, cocando a barba.

– Sim, não são eles os maiores ferreiros de todo o mundo? – ajuntou Skirnir, cheio de esperanças. – Com toda a certeza, serão capazes de forjar uma cadeia indestrutível, capaz de aprisionar Fenris ou qualquer outro ser tão forte quanto ele!

Odin aceitou a sugestão na mesma hora e propôs a Fenris passarem a noite ali mesmo, no aguardo do retorno de Skirnir, que ficaria encarregado de trazer, junto com outros homens, a tal corrente dos anões (não revelou, no entanto, quem seriam os seus artífices, pois temia que o lobo desistisse do desafio quando soubesse). Todos os demais retornaram junto com Odin, pois desconfiavam, naturalmente, do mau gênio do lobo.

Aquela, com certeza, não foi a noite mais agradável que os deuses passaram neste mundo.

***

Skirnir fora até Svartalfheim, a terra dos anões, situada nas profundezas da terra.

Montado no cavalo de Odin, o mais veloz do universo, ele lá chegara ainda antes do anoitecer. Encontrou os anões atarefados, como de hábito, e explicou o caso, misturando sua voz ao ruído dos martelos e dos foles, que rugiam sem parar.

– Realmente, é um caso bem difícil – disse um dos anões, retirando o gorro e dando uma valente cocada na cabeça.

Estas duas coisas reunidas, para um perito cm anões, queriam dizer simplesmente:

“Está bem, faremos o que pede, mas o preço serão alguns bons barris repletos de ouro!”

Skirnir, usando das mesmas metáforas consagradas pelo uso, respondeu:

– A coisa está preta pra todo mundo, mas veremos o que se pode fazer… – o que significava mais ou menos isto: “Está bem, seu tratante, nós temos urgência do serviço e, só por isso, iremos pagar o seu preço!”

Os anões largaram, então, tudo o que estavam fazendo e se puseram a confabular secretamente. O líder deles destacou, logo, meia dúzia de colegas para que fossem procurar os artigos necessários para a confecção da corrente. Skirnir, por sua vez, sentou-se num local afastado e ficou a observar a atividade dos pequenos seres.

– Eles custarão a retornar? – disse ao anão-chefe.

– Depende… agora é noite e como está muito escuro… – (ou seja, “Ponha mais um barrilzinho aí!”)

Skirnir balançou a cabeça:

– Sim, mas haverão de encontrar… – (ou seja, “Só mais um, miserável!”) Parece que os anões andarilhos haviam escutado a conversa, pois retornaram, rapidamente, trazendo cada qual um artigo mais insólito que o outro: o primeiro trouxe o som das passadas de um gato; o segundo, os fios da barba de uma mulher; o terceiro, as raízes de uma montanha; o quarto, os tendões de um urso; o quinto, o hálito de um peixe; e, finalmente, o sexto, o cuspo de uma ave.

Eram estes os ingredientes principais da corrente que se chamou Gleipnir, embora algumas versões apócrifas ainda incluam muitos outros elementos dificílimos de encontrar, tais como a luz dos olhos de um cego, as solas dos sapatos de um pé de página, a piedade de uma beata, as promessas generosas de um fala-mansa – e uma dezena de outras quimeras, as quais somente a astúcia gigantesca dos anões é capaz de encontrar.

Imediatamente, entregaram-se todos à confecção da corrente, usando da arte e da magia, pois só a arte não bastaria para fazer uma corrente absolutamente indestrutível.

Antes do dia amanhecer, ela estava pronta e foi apresentada a Skirnir, que já roía as unhas de apreensão pela demora.

– Aqui está Gleipnir, a nossa obra-prima! – disse o anão-chefe, coberto de suor, mas com o semblante iluminado de quem fez algo de que pode se orgulhar.

Skirnir tomou-a nas mãos; ela estava toda enrolada e, apesar disso, não pesava mais que a boa-fé de um cínico.

– Isto é um deboche? – perguntou Skirnir, indignado por aquilo que lhe parecia uma reles pilhéria de anão. – Um punhado de algodão pesa mais do que isto!

– Tente quebrá-la, então – disse o anão, estendendo-lhe um machado.

Skirnir desceu o gume afiado sobre o fio estendido – que tinha a textura da mais fina das sedas – e o resultado é que o machado partiu-se em duas partes.

– Bem… não me parece inteiramente mau, afinal… – disse Skirnir, querendo dizer:

“Nossa, que preciosidade! Passem logo para cá!”

– Esperamos que não o tenha decepcionado inteiramente – disse o anão-chefe, ou seja, “Aí está, bobão, mas não esqueça dos nossos ricos barrilzinhos!”

Skirnir agarrou a corrente, montou em Sleipnir e partiu a todo galope rumo ao local onde deixara os deuses às voltas com o perigosíssimo lobo.

***

Odin não acordou muito cedo aquela manhã – simplesmente porque não dormira um minuto sequer. Desde os primeiros sinais da aurora, o deus vasculhava já a risca do horizonte com seu único olho em busca do criado de Freyr. Aos poucos, os demais deuses foram erguendo-se, enregelados, e começaram a expulsar a neve que cobria seus mantos.

– Será que Skirnir conseguiu? – disse Freyr, aproximando-se de Odin.

Mas antes que o deus pudesse responder, o lobo gigante deu, novamente, um de seus bocejos colossais, quase trazendo de volta as trevas da noite.

– Onde está o pigmeu que foi atrás dos anões? – disse o lobo, impaciente. – Quero cair fora logo daqui!

De repente, porém, Odin exclamou, aliviado:

– Vejam… aquele pontinho distante… bem lá ao fundo… é Sleipnir!

Todas as cabeças voltaram-se, instantaneamente, naquela direção.

– Aond…

– Aqui está a amarra! – disse Skirnir, apeando já do cavalo. (Aquele cavalo era realmente rápido!)

Odin tomou nas mãos o carretel que trazia enrolada a corda. Um ar de frustração lançou uma sombra em seu rosto.

– Não se preocupe, deus poderoso – disse Skirnir, ao ouvido de Odin. Eu já a testei e corrente alguma seria capaz de igualá-la.

Odin olhou para os demais deuses em busca de uma opinião, mas foi Freyr, o patrão de Skirnir, quem o tranqüilizou:

– Pode confiar no que ele diz e, ainda mais, na arte dos anões.

Sem mais conversas, dirigiram-se, então, até onde Fenris estava sentado.

– Vamos terminar com isto de uma vez – disse Odin ao pavoroso lobo.

Fenris, no entanto, pareceu extraordinariamente curioso com aquela cordinha mixuruca que haviam trazido.

– É alguma piada sem graça daqueles tatus das cavernas? – disse ele, repetindo a incredulidade de Skirnir.

– Oh, não! – disse Odin. – É uma corda muito sólida. Ao menos foi o que garantiram os tatus… digo, os anões.

Odin fazia um esforço para se mostrar quase tão incrédulo quanto o lobo, para que ele não desconfiasse de nada. Fenris dilatou o focinhão e farejou logo a perfídia no ar.

Os deuses já estavam desenleando o fio, sem dar muito tempo ao lobo de raciocinar. Mas este correu logo até o carretel e começou outra vez a farejar a corda que o envolveria. “Aqui tem coisa!”, pensou. Cheirou, cheirou e já estava disposto a ceder, sem qualquer condição, quando identificou de repente um odor traiçoeiro na comprida corda (a lenda não especifica qual teria sido, mas podemos, perfeitamente, imaginar que fossem as “passadas do gato” ou as tais “promessas generosas de um fala-mansa”).

Fenris, então, assaltado pela dúvida, viu travar-se dentro de si uma tremenda batalha entre a Vaidade e a Precaução: ambas, iradas, atiraram-se uma sobre a outra, com um fúria verdadeiramente diabólica. Ao final do combate, a Vaidade havia triunfado; porém, a Precaução, ainda que toda arranhada, ganhou um prêmio de consolação:

– Muito bem, vamos a isto! – disse o lobo, inteiriçando-se. – Mas, desta vez, imporei uma condição.

Os deuses entreolharam-se, desagradados.

– Condição? – disse Odin, cerrando o único olho. – Que condição?

– Quero que algum de vocês mantenha uma das mãos dentro da minha boca durante toda a operação.

– A troco do quê?… – disse Thor, adiantando-se.

– Se estiverem tramando uma maldita armadilha para cima de mim (como realmente parece que estão!) – disse o lobo, exibindo as presas -, saberei vingar-me na mesma hora!

Um silêncio opressivo desceu sobre o vale. Mais uma vez, a velha história do gato e do guizo repetia-se (ou se antevia): quem colocaria a mão na boca do lobo?

Todos eles eram deuses amantíssimos da coragem, mas a precaução (convieram, então, unanimemente), também era uma bela coisa. Cada qual procurou, assim, uma desculpa para se esquivar: Odin alegou que já perdera um olho e que perder uma mão também já seria demais; Thor alegou que sem a mão não poderia arremessar seu martelo (ninguém ousou levantar a constrangedora objeção de que possuía outra mão); Freyr disse que suas mãos eram o complemento necessário uma da outra e que, por isso mesmo, não podia prescindir de nenhuma das duas (argumento, evidentemente, pífio, mas que externou de maneira tão obscura, que ninguém chegou sequer a entendê-lo).

E, assim, todos os demais foram se esquivando como puderam até que, finalmente, o deus Tyr, enojado com tanta covardia – nojo que expressou apenas pelo seu gesto -, adiantou-se e exclamou:

– Está bem, eu coloco a mão na boca do lobo…!

Um silêncio aliviado desceu sobre o vale. Sem dizer mais nada, os demais recomeçaram a difícil operação.

Derrubaram grandes árvores que, depois de desbastadas, serviram de estacas para firmar os membros atados do animal. Dezenas de vezes, o fio sedoso, mas ultra-resistente, cruzou os membros de Fenris até imobilizá-lo completamente. O mais difícil foi fazer tudo isto sem que o lobo cerrasse suas poderosas mandíbulas sobre a mão de Tyr.

O deus audaz, entretanto, permanecia impassível como um verdadeiro mártir do destemor, sentindo sua mão encharcada da saliva que gotejava de maneira incessante dos dentes da fera.

– Está terminado! – exclamou Odin, depois de muito tempo.

De fato, tudo estava firmemente amarrado – até a cauda peluda, que por si só poderia arremessar à distância um exército inteiro de deuses.

Então, Fenris começou a se debater, pois sabia que aquela cordinha, aparentemente frágil, escondia uma artimanha divina. A terra inteira sacudiu-se com os sacolejões que o animal dava para se ver livre das terríveis amarras. Foi um milagre que não só a mão, mas o corpo inteiro de Tyr, não tivesse sido engolida nestes arremessos. Durante quase o dia inteiro, o lobo descomunal lutou para se libertar de suas cadeias, porém, sem sucesso. Quando, finalmente, convenceu se que caíra mesmo numa solerte armadilha, deu um grande rosnado – pois em momento algum desprendera os dentes do pulso de Tyr

– e cerrou com toda a força as presas sobre ele.

O valente Tyr, diga-se em sua honra, não despediu um grito sequer, embora suas feições tenham adquirido a cor terrosa dos mortos. Quando ele retirou o toco do punho –

sua mão já estava para sempre na goela do monstro -, um jato de sangue tingiu o pêlo de Fenris e é por isto que ele passou a ter uma grande mancha vermelha pintada no dorso.

Mas, embora a vingança, nem assim Fenris sossegou, começando, em seguida, a latir com tal intensidade que os deuses se viram obrigados a levá-lo -sempre amarrado –

para uma gruta profunda debaixo da terra. Ali, o próprio Tyr colocou sua espada entre os dentes do lobo, fazendo assim a sua própria vingança.

– Mastigue isto, agora! – disse ele, dando em seguida as costas, junto com os demais.

Fenris, o temível lobo, ficaria acorrentado desta maneira ainda por muitos e muitos anos, até que chegasse o dia da grande conflagração final entre os deuses e seus inimigos. Quando, liberto de suas cadeias, enfrentaria o próprio Odin num duelo mortal.

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