A Era Patriarcal

Novas descobertas têm iluminado as narrativas bíblicas, provendo um amplo conhecimento das culturas contemporâneas no Oriente Próximo. Geograficamente, o mundo dos patriarcas é identificado como o Crescente Fértil. Estendendo-se para o norte, desde o golfo Pérsico, ao longo das bacias do Tigre e do Eufrates, e então voltando-se para o sudoeste, através de Canaã até ao fértil vale do rio Nilo, essa área foi o berço das civilizações pré-históricas. Quando os patriarcas entram em cena, no segundo milênio a.C., as outras culturas mesopotâmica e egípcia já se vangloriavam de um passado milenar. Tendo Canaã por centro geográfico para os primórdios de uma nova nação, a narrativa do Gênesis se inter-relaciona com as circunvizinhanças das duas antigas civilizações, a começar com Abraão na Mesopotâmia e terminando com José no Egito (Gn 12-50).

O Mundo dos Patriarcas

O desabrochar da história coincide com o desenvolvimento da escrita, no Egito e na Mesopotâmia (cerca de 3500 – 3000 a. C.). As descobertas arqueológicas nos têm conferido discernimento quanto às culturas que prevaleceram durante o terceiro milênio a. C. O período de 4000 – 3300 a. C.. ou a era calcolítica, usualmente é reputado como uma civilização pré-alfabetizada, que pouco produziu na forma de matéria escrita. Cidades estratificadas daqueles tempos indicam a existência de uma sociedade organizada. Consequentemente, o quarto milênio a.C. que revela as primeiras ereções de grandes edificações, assinala os limites da história, nos termos do historiador. O que se sabe sobre as civilizações anteriores é, com frequência, designado como pré-história.

Mesopotâmia

Os sumérios, um povo não-semítico, controlaram a região do Eufrates inferior, ou Suméria, durante o período Dinástico Antigo, cerca de 2800 – 2400 a. C. Esses sumérios nos doaram a primeira literatura da Ásia. No mundo da escrita cuneiforme o sumério era a língua clássica, tendo florescido em forma escrita por todo o tempo das culturas babilônica e assíria, até cerca do primeiro século d. C., embora tenha sido abandonado como idioma falado em cerca de 1800 a.C. A origem da escrita suméria continua envolta em obscuridade. Pode ter sido tomada por empréstimo de um povo anteriormente alfabetizado, a respeito de quem não se dispõe de quaisquer textos discerníveis.

A avançada cultura suméria da Primeira Dinastia de Ur, a última fase do período Dinástico Antigo, foi descoberta em um cemitério escavado por C. Leonard Wooley. Os ataúdes de madeira do povo comum, onde foram achados alimentos, bebidas, armas, instrumentos, colares, caixas de pingentes e braceletes sugerem-nos a ideia de que esses povos antecipavam haver vida após a morte. Os túmulos reais estavam atulhados de provisões para a vida posterior, pois incluíam instrumentos musicais, joias, vestes, carroções e mesmo escravos, que aparentemente bebiam calmamente da droga particular que lhes era dada e em seguida se deitavam para dormir. No túmulo do rei Abargi foram encontradas sessenta e cinco vítimas. Evidentemente era considerado religiosamente essencial o sacrifício de seres humanos, durante o sepultamento de personagens sagradas, como reis e rainhas, na esperança de que isso lhes garantisse que teriam escravos no após-vida.

No campo da metalurgia, bem como nas artes de ourivesaria e de lapidação, os sumérios não ocupavam segundo lugar para ninguém, na antiguidade. Registros comerciais, preservados em tabletes de argila, revelam análises detalhadas de sua vida econômica. Um painel de madeira (de 56 cm x 23 cm), achado em um dos túmulos, pinta cenas de tempos de paz e de guerra. Já eram utilizados carros que transportavam arremessadores de dardos nas batalhas. As falanges, que foram tão eficazmente usadas por Alexandre o Grande, muitos séculos depois, já eram conhecidas pelos sumérios. Os princípios básicos de construção, utilizados pelos arquitetos modernos, lhes eram familiares. Bem sucedida na agricultura e prospera no comércio variegado, a civilização suméria atingiu um avançado estágio de cultura (cerca de 2400 a. C.), o que, sem dúvida, se desenvolveu durante um período de vários séculos. Seu último grande monarca, Lugal-zagisi, ampliou o domínio sumeriano para o ocidente até o mar Mediterrâneo.

Entrementes, um povo semita, conhecido como acadianos, fundou a cidade de Agade ou Acade, ao norte de Ur às margens do rio Eufrates. Começando com Sargão, essa dinastia semita se apoderou dos sumérios, e assim se manteve na supremacia durante cerca de dois séculos. Depois de derrubar Lugal-zagisi, Sargão nomeou sua própria filha como sumo-sacerdotisa de Ur, em reconhecimento ao deus-lua Nanar. Dessa maneira ele estendeu seus domínios por toda a Babilônia, de modo que Finegan refere-se a ele como “ o mais poderoso monarca” que jamais governou a Mesopotâmia.4 Seus domínios estenderam-se até a Ásia Menor.

Que os acadianos não tinham qualquer hostilidade cultural parece ser refletido no fato que adotaram a cultura dos sumérios. A escrita destes foi adaptada para servir à língua babilônico-semita. Tabletes desenterrados em Gasur, que posteriormente veio a ser conhecido como Nuzu, ao tempo dos hurrianos, os mesmos que são chamados horeus na Bíblia, indicam que esse período Acadiano Antigo foi uma fase de prosperidade, durante o qual, por todo o império, foi usado comercialmente o plano de pagamento por prestações. Um mapa de argila, encontrado entre os registros, é o mais antigo mapa que o homem conhece. Sob Narã-Sin, neto de Sargão, o domínio acadiano atingiu o seu zênite. Sua esteia de vitória pode ser vista no Louvre de Paris. Dá testemunho de sua bem sucedida campanha nos montes Zagros. A supremacia desse grande reino semita foi declinando sob governantes subsequentes.

A invasão guta, vinda do norte (cerca de 2080 a. C.), pôs fim ao domínio da dinastia acadiana. Embora pouco se saiba acerca desses invasores caucasianos, eles ocuparam a Babilônia durante aproximadamente um século. Um líder de Ereque, na Suméria, derrubou o domínio guta, pavimentando o caminho para o reavivamento da cultura suméria, a qual floresceu mais notavelmente sob a Terceira Dinastia de Ur. O fundador dessa dinastia, Ur Namu, erigiu grande zigurate em Ur. Tijolo após tijolo, escavado dessa imensa estrutura (de 60 m x 45 m na base, e com a altura de mais de 24 m), traz inscrito o nome do rei Ur Namu, com o título de “rei da Suméria e de Acade”. Ali eram adorados, durante a era áurea de Ur, Nanar, o deus-lua, e sua consorte, Nin-Gal, a deusa-lua. Após um século de supremacia ruiu essa dinastia neo-sumeriana, e a terra da Suméria reverteu ao antigo sistema de cidades-estados. Isso supriu aos amorreus, ou semitas ocidentais, que gradualmente se tinham infiltrado Mesopotâmia a dentro, a oportunidade de obterem a ascendência. Virtualmente a Mesopotâmia inteira foi de pronto absorvida pelos semitas. Zinri-Lim, cuja capital era Mari, às margens do Eufrates, ampliou sua área de influência (cerca de 1750 a. C.) desde o médio Eufrates até o interior da terra de Canaã, tornando-se o governante do mais importante estado de então. O magnífico palácio de Mari tinha quase trezentas salas, e se espalhava por um terreno de quinze acres; entre os escombros os arqueólogos recuperaram cerca de vinte mil tabletes com escrita cuneiforme. Esses documentos em argila, que revelam os interesses comerciais e políticos dos líderes amorreus, retratam uma eficiente administração naquele império tão extenso.

Em cerca de 1.700 a. C., Hamurabi, que ampliara a pequena aldeia de Babilônia para tornar-se um grande centro comercial, pôde conquistar Mari, como seus extensos domínios. Não somente dominou ele o Eufrates superior, mas também subjugou o reino de Samsi-Adade I, cuja capital era Assur, no rio Tigre. Marduque, o deus supremo da Babilônia, obteve reconhecimento proeminente no império. A mais significativa das realizações de Hamurabi foi seu código legal, descoberto em Susa, em 1901, onde também fora apossado pelos elamitas, ao cair o reino de Hamurabi. Visto que antigos costumes sumérios haviam sido incorporados nessas leis, é provável que elas representem a cultura que prevalecia na Mesopotâmia durante os tempos patriarcais. Muitas das cartas de Hamurabi, dentre as que têm sido achadas, indicam que ele foi um governante eficiente, expedindo ordens com clareza e dando atenção a detalhes. A Primeira Dinastia da Babilônia (cerca de 1800 – 1500 a. C.) esteve em seu ponto culminante sob Hamurabi. Seus sucessores foram cedendo gradualmente aos cassitas invasores, os quais conquistaram a Babilônia em cerca de 1500 a. C.

Egito

Quando Abraão chegou ao Egito, esse país podia ufanar-se de uma cultura com mais de mil anos de antiguidade. O começo da história egípcia usualmente retrocede até ao rei Menés (cerca de 3000 a. C.), o qual uniu dois reinos — um no delta e outro no vale do rio Nilo. Os governantes das duas primeiras dinastias tiveram sua capital no Alto Egito, perto de Tebas.8Os túmulos reais, escavados em Abidos têm produzido vasos de pedra, joias, vasos de cobre e outros objetos enterrados junto com os monarcas, o que refletia um alto nível de civilização durante esse antigo período. Essa foi a primeira era de comércio internacional nos tempos históricos.

A era clássica da civilização egípcia, conhecida como período do Reino Antigo (cerca de 2700 – 2200 a. C) e que compreendeu as Dinastias III – IV, testemunhou certo número de notáveis realizações. Imensas pirâmides, maravilhas dos séculos seguintes, proveem amplo testemunho sobre a avançada cultura daqueles primeiros governantes. A Pirâmide de Degraus, em Sacara, a mais antiga estrutura grande feita de pedras, foi erigida como mausoléu real por Inhotepe, um arquiteto que também ficou famoso como sacerdote, autor de provérbios e mágico. A Grande Pirâmide de Gizé elevava-se a 147m de altura, sobre uma base de treze acres. A gigantesca Esfinge, que representa o rei Cafre, da Quarta Dinastia, é outra obra que jamais foi duplicada. Os “ textos de Pirâmides” , inscritos durante as dinastias quinta e sexta, sobre as paredes de câmaras e salões, indicam que os egípcios, na sua adoração ao sol. antecipavam uma vida posterior. Os provérbios de Ptaotepe, que serviu como grão-vizir sob um Faraó da Dinastia Quinta, são dignos de atenção por seus conselhos práticos.

As cinco dinastias seguintes que governaram o Egito (cerca de 2200 – 2000 a. C) surgiram durante um período de decadência. O governo centralizado decresceu. A capital foi mudada de Mênfis para Heracleópolis. A literatura clássica desse período reflete um governo fraco e em mudança. Perto do fim desse período a Décima Primeira Dinastia, sob os agressivos Intefes e Mentuotepes, edificou um estado forte em Tebas.

O Reino Médio (cerca de 2000 – 1780 a. C.) assinala o reaparecimento de um poderoso governo centralizado. Embora nativa de Tebas, a Décima Segunda Dinastia estabeleceu sua capital perto de Mênfis. As riquezas do Egito foram encarecidas por um projeto de irrigação que abriu o fértil vale do Faium à agricultura. As atividades de construção prosseguiram em passo acelerado em Carnaque, perto de Tebas e noutros lugares do país. Além de promoverem as operações em minas de cobre na península do Sinai, os governantes também construíram um canal ligando o rio Nilo ao mar Vermelho; isso os capacitou a manter melhores relações comerciais com a costa da Somália, na África Oriental. Ao sul, a Núbia foi anexada até à terceira catarata do Nilo, e uma colônia comercial fortificada foi mantida ali. Objetos egípcios encontrados por arqueólogos na Síria-Palestina e em Creta confirmam o vigoroso intercâmbio entre os egípcios e a esfera do Mediterrâneo Oriental.

Se o Reino Antigo é lembrado por sua originalidade e gênio artístico, o Reino Médio fez sua contribuição na literatura clássica. Escolas palacianas treinavam oficiais que sabiam ler e escrever, durante os prósperos reinados dos Amenemetes e Senusertes da Décima Segunda Dinastia. Embora as massas vivessem na pobreza, era possível que o indivíduo médio, naquela época de feudalismo, entrasse no serviço do governo através da educação, do treinamento e de habilidades especiais. Textos de instrução, inscritos nos ataúdes de pessoas não pertencentes à realeza, indicam que agora um número muito maior de pessoas desfrutava da expectação do após-vida. “O conto de Sinue” é o melhor exemplo literário do antigo Egito para finalidades de entretenimento. “O Canto do Harpista” , outra obra-prima proveniente do Reino Médio, exorta os homens a gozarem dos prazeres da vida.10 Dois séculos de desintegração, declínio e invasão se seguiram ao Reino Médio; em consequência disso, esse período é bastante obscuro para os historiadores. As débeis Décima Terceira e Décima Quarta Dinastias deram ocasião à invasão dos hicsos, ou povo amorreu. Esses ousados intrusos, que provavelmente vinham da Ásia Menor, dominaram os egípcios por meio dos carros puxados a cavalo e de seus arcos compostos, ambos os quais armamentos eram desconhecidos pelas tropas egípcias. Os hicsos fundaram Avaris, no delta do Nilo, como sua capital. Entretanto, aos egípcios foi permitido terem um simulacro de autoridade em Tebas. Pouco depois de 1600 a. C. os governantes tebanos se tornaram suficientemente poderosos para expulsar esse poder estrangeiro e para fundar a Décima Oitava Dinastia, o que deu início ao período do Novo Reino.

Canaã

O nome “Canaã” se aplica às terras que jazem entre Gaza, no sul, e Hamate, no norte, ao longo das costas orientais do mar Mediterrâneo (ver Gn 10:15-19). Os gregos, em seu intercâmbio com Canaã, durante o primeiro milênio a. C., chamavam seus habitantes de fenícios, nome esse que provavelmente teve origem no termo grego que significa “púrpura” , que designava a cor carmesim de um corante de têxteis criado em Canaã. Desde o século XV a. C. o nome “Canaã” vinha sendo aplicado, de modo geral, à província egípcia da Síria, ou, pelo menos às costas fenícias, o centro da indústria da púrpura. Consequentemente, as palavras “cananeu” e “fenício” têm a mesma origem cultural, geográfica e histórica. Mais tarde essa área veio a ser conhecida como Síria e Palestina. A designação “Palestina” teve sua origem no nome “Filístia”.

Com a migração de Abraão para Canaã, essa terra se torna o centro das atenções nos desenvolvimentos históricos e geográficos dos tempos bíblicos. Estando estrategicamente localizada entre os dois grandes centros que abrigavam as mais antigas civilizações, Canaã servia de ponte natural que vinculava o Egito à Mesopotâmia. Em resultado disso, não é de surpreender que fosse mista a população da região. Cidades de Canaã, como Jericó, Dotã e outras, já vinham sendo ocupadas desde séculos antes dos tempos patriarcais. Devido ao primeiro grande movimento semita (de amorreus) para a Mesopotâmia, parece provável que os amorreus lançaram povoados por toda a Palestina. Durante o Reino Médio, os egípcios estenderam seus interesses políticos e comerciais tão para o norte como a Síria. Muito antes de 1500 a. C. gente de Caftor se estabeleceu na planície marítima. Não menos importantes entre os invasores eram os hititas, que penetraram em Canaã vindos do norte e que figuravam como cidadãos bem estabelecidos quando Abraão adquiriu a cova de Macpela (veja Gn 23). Os refains, um povo até recentemente obscuro, exceto quanto às referências bíblicas, foram há pouco identificados na literatura ugarítica. Pouco se sabe acerca de outros habitantes que figuram na narrativa do Gênesis. A designação “cananeu” mui provavelmente abarcava a confusa mescla de povos que ocupava a região na era dos patriarcas.

Geografia

Estendendo-se por 250 km de comprimento desde Berseba, ao norte, até Dã, a Palestina tem uma área de 9654 km quadrados, entre o mar Mediterrâneo e o rio Jordão. A largura média é de 64 km, com um máximo de 87 km desde Gaza até o mar Morto, estreitando-se para 45 km no mar da Galileia. Com a adição de 6436 km quadrados, a leste do Jordão, área essa com frequência denominada Transjordânia, essa região envolve cerca de 16.090 km quadrados, isto é, ligeiramente maior que o estado brasileiro de Sergipe. Além de ocupar localização central e estratégica em relação aos centros da civilização e a grandes noções de tempos veterotestamentários, a Palestina também possui uma topografia variegada, que exerceu significativo efeito sobre os acontecimentos históricos. Por causa de sua localização, a Palestina estava sujeita a invasões, quando sua neutralidade usualmente se curvava ante o poder mais forte. Os acontecimentos frequentemente se originavam em fatores topográficos.

Para efeito de análise de suas características físicas, a Palestina pode ser dividida em quatro áreas principais: a planície marítima, a região montanhosa, o vale do Jordão e o platô oriental. A planície marítima consiste da área costeira do mar Mediterrâneo. A linha da costa é imprópria para instalações portuárias; em consequência, o comércio como um todo era canalizado para Tiro e Sidom, ao norte. Nem mesmo Gaza, que foi um dos maiores centros comerciais da Palestina antiga, localizada a cinco quilômetros do Mediterrâneo, tinha quaisquer instalações portuárias permanentes. Essa rica região, ao longo da faixa marítima, pode ser facilmente dividida em três áreas: a planície de Aco, ou Acre, que se prolongava para o norte desde o sopé do monte Carmelo por cerca de 32 km, com uma largura que variava de pouco mais de três até dezesseis quilômetros. Ao sul do Monte Carmelo fica a planície de Sarom, com aproximadamente 80 km de extensão, com uma largura máxima de 19,5 km de largura. A planície da Filistia começa a oito quilômetros ao norte de Jope, espraiando-se por 112 km para o sul e alargando-se por quarenta quilômetros na direção de Berseba.

A região montanhosa, localizada entre o vale do Jordão e a planície marítima, é a mais importante secção da Palestina. As três áreas principais — a Galileia, a Samaria e a Judéia — têm uma elevação aproximada que varia entre 600 a 1200 m acima do nível do mar. A Galileia se prolonga para o sul a partir do rio Leontes, imediatamente a leste da Fenícia e da planície de Acre. Provê um solo fértil para o cultivo de uvas, azeitonas, castanhas e outras culturas, além de ter áreas pastoris. Um dos mais produtivos e pitorescos vales de cultivo agrícola da Palestina separa as colinas da Galileia das da Samaria. Conhecido como vale de Jezreel, ou Esdrelom, essa região é vitalmente importante devido à sua localização estratégica, desde os tempos bíblicos até aos nossos próprios dias. A sudeste do monte Carmelo, essa planície fértil se estende por cerca de 64 km até ao monte Moré, de onde se divide em dois vales e prossegue até o rio Jordão. Nos tempos do Antigo Testamento, os hebreus faziam distinção entre as regiões oriental e ocidental, conhecidas respectivamente como vales de Jezreel e de Esdrelom. A cidade de Jazreel, cerca de 24 km distante do Jordão, assinalava a entrada para esse famoso vale. A secção ocidental também era conhecida como planície de Megido, pois o famoso passo nas montanhas de Megido era de importância crucial para os invasores. Essa planície fértil pode ser vista da colina de Moré, no vale de Jezreel, tendo o monte Carmelo a ocidente, o monte Tabor ao norte e o monte Gilboa ao sul. O centro geográfico da Palestina, a região montanhosa de Samaria, se eleva abruptamente, começando pelo monte Gilboa, e continuando para o sul até Betei. As colinas e vales interrompidos dessa elevação fértil ofereciam um paraíso aos criadores de gado, bem como aos agricultores. Siquém, Dotã, Betei e outras cidades dessa área eram frequentadas pelos patriarcas. As terras altas da Judéia se estendiam para o sul desde Betei por cerca de 97 km até Berseba, com uma elevação de cerca de 760 m de altura em Jerusalém, atingindo um ponto culminante de mais de 920 m perto de Hebrom. Começando nas vizinhanças de Berseba, as colinas da Judéia se espraiam pelas colinas ondulantes do grande deserto que com frequência é denominado Neguebe, ou Terras do Sul, onde Cades-Barnéia assinala sua extremidade sul. Para leste das colinas da Judéia fica a região erma que é apropriadamente chamada “Deserto da Judéia”. Para oeste dessa bacia hidrográfica da Judéia fica a Sefelá, conhecida como terras baixas. Nessa área — estrategicamente importante para a defesa e economicamente valiosa como área de fazendas — estavam localizadas cidades fortificadas como Laquis, Debir e Libna.

O vale do Jordão representa uma das áreas mais fascinantes do mundo. Além dele, a cerca de 65 km ao norte do mar da Galileia, eleva-se o monte Hermom, com uma altitude de 2.800 m. Para o sul o vale do Jordão atinge sua porção mais baixa no mar Morto, a cerca de 389 m abaixo do nível do mar. Quatro riachos — um da planície ocidental e três do monte Hermom — se combinam para formar o rio Jordão, cerca de 16 km ao norte do lago Hulé. Do lago Hulé, 18 que era de cerca de seis quilômetros e meio de comprimento e que tinha cerca de 2,10 m acima do nível do mar, descia o rio Jordão, em um curso de 32 km, para 209 m abaixo do nível do mar, despejando-se no mar da Galileia. Esse acúmulo de água, com aproximadamente 24 km de extensão, também era conhecido como mar de Quinerete, nos dias do Antigo Testamento. Por uma distância de quase noventa e sete quilômetros, com uma largura média entre 27 e 30 m, o rio Jordão ziguezagueava para o sul através de um curso de 320 km até ao mar Morto, descendo quase cem metros mais. A área do vale, que na realidade é uma grande valeta entre duas cadeias montanhosas, algumas vezes é chamado Gor. Começando com uma largura de seis quilômetros e meio, no mar da Galileia, alarga-se para pouco mais de onze quilômetros em Betesã, e estreitando-se para uma largura de pouco mais de três quilômetros, antes de expandir-se para vinte e dois quilômetros e meio em Jericó, já a oito quilômetros do mar Morto. Nos tempos bíblicos, esse lago era chamado “ Mar Salgado” , porquanto suas águas contêm uma taxa de 25 por cento de sal. Mui provavelmente, o vale de Sidim, na extremidade sul do mar de 74 km de extensão, era a localização de Sodoma e Gomorra, nos dias de Abraão.19Ao sul do mar Morto espraia-se a região estéril e desolada conhecida como Arabá. Na distância de 105 km até Petra, esse deserto se eleva para mais de 600 m. acima do mar, descendo novamente para o nível do mar, oitenta quilômetros adiante, no golfo de Ácaba.

O platô oriental geralmente pode ser dividido em quatro áreas principais: Basã, Gileade, Amom e Moabe. Basã, com seu solo rico, se prolonga para o sul do monte Hermom até o rio Jarmuque, com uma largura de setenta e dois quilômetros e uma elevação de cerca de seiscentos metros acima ao nível do mar. Abaixo disso fica a bem conhecida área de Gileade, com seu rio principal, o Jaboque. Estendendo-se para o nordeste do mar Morto até às nascentes do Jaboque fica o território de Amom. Diretamente a leste do Mar Morto e ao sul do rio Arnon fica Moabe, cujos domínios se prolongaram mais para o norte em diversas vezes.

A Narrativa Bíblica — Gn 12- 50

A erudição moderna concorda em atribuir aos patriarcas um lugar na história do Crescente Fértil, na primeira metade do segundo milênio a. C. A assertiva de que a narrativa bíblica consiste tão-somente de lendas fabricadas tem sido substituída pelo respeito geral pela qualidade histórica de Gn 12-50. Grandemente responsável por essa mudança revolucionária foi a descoberta e publicação dos tabletes de Nuzu (ou Nuzi), além de outras informações arqueológicas que vieram à luz desde 1925. Embora nenhuma evidência concreta seja disponível e que nos permita identificar quaisquer nomes ou eventos específicos com base em fontes externas com aqueles mencionados na narrativa do Gênesis, é fácil reconhecer que o meio ambiente cultural é o mesmo em ambos os casos. A única evidência em prol da existência de Abraão procede da narrativa hebraica, mas muitos eruditos do Antigo Testamento reconhecem agora o seu devido lugar nos primórdios da história dos hebreus.

A cronologia relativa aos patriarcas continua um ponto debatido. Dentro desse período geral, a data advogada para Abraão varia do século XXI ao século XV a.C. Visto que as cronologias relativas a esse período estão em estado de fluxo, convém dar atenção a vários pontos de vista quando se fixam as datas sobre os patriarcas. Com bases em certas notas cronológicas que são dadas nas Escrituras, a entrada de Abraão em Canaã pode ser calculada como algo que teve lugar em 2091 a.C. Isso dá margem para 215 anos para a vida dos patriarcas em Canaã, 430 anos para a servidão no Egito, e para uma data recuada para o êxodo do Egito (1447 a.C.). A correlação entre os eventos seculares e os bíblicos, baseada nessa cronologia, tem sido sujeitada a revisões. A teoria que identifica Anrafel (veja Gn 14) como Hamurabi, requer uma reinterpretação dos informes bíblicos juntamente com a aceitação de uma cronologia babilônica mais baixa.

Embora Gordon tenha sugerido uma data posterior, parece que a Era Patriarcal se ajusta melhor com o período aproximado de cerca de 2000 — 1750 a. C., de acordo com Kenneth A. Kitchen. Ele frisa que grandes acontecimentos e a história externa, como a densidade da população, os nomes dos reis orientais (cf. Gn 14), e o sistema de alianças mesopotâmicas são características dessa era. Os nomes pessoais dos patriarcas combinam bem com os nomes dos documentos mesopotâmicos e egípcios desse período. Também era durante essa época que o Neguebe era ocupado em certas estações do ano. Uma data razoável para a migração de Abraão para Canaã é a primeira metade do século XIX a. C. Em face das cronologias recém-ajustadas para o Crescente Fértil, essa data parece permitir uma melhor correlação entre os eventos seculares e os eventos bíblicos. Isso poria em paralelo a entrada de Jacó e José no Egito com o período dos hicsos, levando os tempos de Abraão, Isaque e Jacó |em associação mais próxima com a era de Hamurabi e com a cultura refletida nos documentos de Nuzi e Mari. Os documentos de Mari revelam a situação política na Mesopotâmia em cerca de 1750 — 1700 a. C. Sem se importar se os trabletes de Nuzi refletem as instituições sociais existentes entre os hurrianos (os horeus da Bíblia), em torno de 1500 a. C., reconhece- -se que alguns desses costumes provavelmente prevaleciam na cultura da porção norte da Mesopotâmia, desde tão cedo quanto 2000 a. C. A presença de uma colônia hitita nos dias de Abraão também ressalta uma data depois de 1900 a. C. (veja Gn 23).25 Embora nem todo problema seja solucionado se for postulada uma data no século XIX a. C. para Abraão, esse ponto de vista parece ter mais pontos a seu favor. Com base nas principais personagens, as narrativas da época patriarcal podem ser convenientemente divididas como segue: Abraão = Gn 12:1 — 25:18; Isaque e Jacó = Gn 25:19 — 36:43; José = Gn37:1 — 50:26.

Abraão (Gn 12:1 — 25:18)

A Mesopotâmia, a terra entre os dois rios, era a terra natal de Abraão (veja Gn 12:6; 24:10 e At 7:2). Localizada às margens do Balique, um tributário do rio Eufrates, Harã constituía o centro da cultura onde ele vivia com seus parentes. Nomes da gente de Abraão — Terá, Naor, Pelegue, Serugue, além de outros — são confirmados nos documentos de Mari e dos assírios como nomes de cidades daquela área. 6Essas terras também eram conhecidas como Padã-Arâ, motivo pelo qual foi aplicado o nome de “ arameus” a Abraão e seus parentes. Cf. Gn 25:20; 28:5; 31:20,24 e Dt 26:5. Além disso, Labâo falava o aramaico. Cf. Gn 31:47.

Em obediência à ordem divina de deixar sua terra natal e sua parentela, Abraão deixou Harã a fim de fixar nova residência na terra de Canaã. Abraão vivera em Ur dos caldeus antes de ter vindo para Harã (ver Gn 11:28- -31). A identificação mais geralmente aceita de Ur é a moderna Tell el-Muqayyar, que está localizada a catorze quilômetros e meio a oeste de Nasiryeh, no rio Eufrates, no sul do Iraque. Alguma consideração tem sido dada a indicações geográficas, contemporâneas da época de Abraão, a uma cidade chamada Ur, localizada no norte da Mesopotâmia. O sítio de Ur no sul (Uri) foi escavado em 1922-34 conjuntamente pelo Museu Britânico e pelo Museu da Universidade de Filadélfia, sob a direção de Sir Leonard Woolley. Ele seguiu a história de Ur desde o quarto milênio a. C. até 300 a. C., quando essa cidade foi abandonada. Nesse local foram achadas as ruínas de um zigurate que fora construído pelo próspero monarca sumério Ur Namu, que reinou pouco antes de 2000 a. C. Essa cidade continuou sendo a grande capital da Terceira Dinastia de Ur. O deus-lua Nanar, que era adorado em Ur, também era a principal divindade em Harã. “ Seja como for, podemos dizer com segurança que Harã era o lar com o qual os patriarcas estiveram mais intimamente ligados, havendo pouca evidência de qualquer influência sobre suas tradições da parte do sul da Mesopotâmia.

A vida de Abraão se presta a um estudo feito de vários ângulos. Geograficamente, pode-se acompanhar seus movimentos, a começar pela cidade de Harã, altamente civilizada. Deixando a sua parentela, mas acompanhado por Ló, seu sobrinho, ele viajou por cerca de 650 km para a terra de Canaã, onde fez alto em Siquém, a cerca de 50 km ao norte de Jerusalém. Em adição a uma excursão pelo Egito, o que foi necessário devido à fome, Abraão fez paradas em lugares bem conhecidos como Betei, Hebrom, Gerar e Berseba. Sodoma e Gomorra, as cidades da planície, para onde Ló migrou, ficavam diretamente a leste das terras do sul ou Neguebe, onde Abraão se instalou. Referências frequentes indicam que Abraão era homem de considerável riqueza e prestígio. Longe de ser um nômade vagabundo, no sentido beduíno, ele demonstrou ter atividades mercantis. Embora a avaliação de suas possessões seja modestamente sumariada em uma única declaração — “ Levou Abrão consigo… todos os bens que haviam adquirido, e as pessoas que lhe acresceram em Harã” (Gn 12:5) — é bem provável que suas riquezas fossem representadas por uma grande caravana, quando ele migrou para a Palestina. Uma força de 318 servos, subsequentemente usada para livrar a Ló (veja Gn 14:14) e uma caravana de dez camelos (veja Gn 24:10) indicam apenas uma porção dos recursos materiais de Abraão.29 Os servos eram adquiridos por meio de compra, presentes ou direito de nascimento (veja Gn 16:1; 17:23,27 e 20:14). Numerosos rebanhos de gado vacum e ovino, prata e ouro, além de servos que cuidassem de suas grandes possessões, indicam que Abraão era homem de grandes posses. Os chefes tribais da palestina reconheciam em Abraão um príncipe com quem estabeleceram alianças e firmaram tratados (veja Gn 14:13; 21:22 e 23:6).

Do ponto de vista das instituições sociais, a narrativa do Gênesis sobre Abraão forma um estudo fascinante. Os planos de Abraão para que Eliezer fosse o herdeiro de suas possessões, porquanto não tinha filhos (veja Gn 15:2), refletem as leis de Nuzu, que determinavam que um casal sem filhos poderia adotar como filho um servo fiel, o qual teria plenos direitos legais e seria recompensado com a herança, em troca do cuidado constante e de um sepultamento condigno, quando da morte daqueles. Os costumes maritais provenientes de Nuzu, bem como o código de Hamurabi, estabeleciam que se a esposa de um homem não lhe desse filhos, então um filho de uma criada poderia ser reconhecido como herdeiro legal. O relacionamento de Hagar com Abraão e Sara tipifica os costumes que prevaleciam na Mesopotâmia. A preocupação de Abraão pelo bem estar de Hagar também pode ser explicado pelo fato que, legalmente, uma criada que desse um filho a um homem não podia ser vendida como escrava. O estudo devocional da vida de Abraão também produz dividendos. A sêxtupla promessa feita ao patriarca tem implicações de longo alcance na história. A promessa divina de que ele se tornaria uma grande nação se concretiza nos desenvolvimentos subsequentes do Antigo Testamento. “ Eu te abençoarei” logo se tornou uma realidade em sua experiência pessoal. O nome de Abraão foi “ engrandecido” não somente como pai dos israelitas e islamitas, mas também como o grande exemplo de fé para os crentes cristãos, nos escritos neotestamentários das epístolas aos Romanos, aos Gálatas, aos Hebreus e de Tiago. Em adição, a atitude da humanidade para com Abraão e seus descendentes teria ligação direta com as bênçãos ou maldições divinas acerca da humanidade; isso assegurou para Abraão uma posição singular nos desígnios providenciais para a raça humana. Realmente, a promessa de que Abraão seria uma bênção foi literalmente cumprida durante sua vida, bem como em tempos subsequentes. Finalmente, a promessa de que seriam abençoadas todas as famílias da terra se desdobra em escopo mundial, quando Mateus inicia seu relato sobre a vida de Jesus Cristo, ao declarar ser ele “filho de Abraão”.

O pacto desempenhou importante papel na experiência de Abraão. Notemos as sucessivas revelações de Deus, depois da promessa inicial à qual Abraão respondeu obedientemente. À medida em que Deus foi ampliando essa promessa, Abraão foi exercendo fé, o que lhe era lançado na conta como justiça (veja Gn 15). Nesse pacto, a terra de Canaã foi especificamente prometida à descendência de Abraão. Com a promessa de um filho, a circuncisão se tornou o sinal do pacto (veja Gn 17). Esse pacto-promessa foi finalmente selado quando do ato de obediência de Abraão, ao mostrar ele sua disposição em sacrificar seu filho único, Isaque (veja Gn 22). A religião de Abraão forma um tema vital nas narrativas sobre os patriarcas. Vindo de um ambiente politeísta, onde o deus-lua Nanar era reconhecido como principal divindade da cultura babilônica, Abraão chegou em Canaã. Que sua família servia a outros deuses é claramente afirmado em Js 24:2. Em Canaã, em meio a uma circunvizinhança pagã, a marca de Abraão foi que ele “erigiu um altar ao Senhor” . Depois que resgatou a Ló e ao rei de Sodoma, ele repeliu uma recompensa oferecida, reconhecendo ser totalmente devotado a Deus, “criador dos céus e da terra”. A comunhão íntima e o companheirismo que havia entre Deus e Abraão é algo belamente retratado no décimo oitavo capítulo, onde ele intercede em favor de Sodoma e Gomorra. Talvez seja com base em Is 41:8 e Tg 2:23 que a tradução da Septuaginta tenha inserido as palavras “meu amigo”, em Gn 18:17. Através dos séculos, desde então, o portão sul de Jerusalém, que conduz a Hebrom e Berseba, tem sido intitulado de “portão da amizade”, em memória a esse relacionamento entre Deus e Abraão.

Isaque, o filho prometido, foi herdeiro de tudo quanto Abraão possuía. Outros filhos de Abraão, como Ismael, de quem descendem os árabes, e Midiã, pai dos midianitas, receberam presentes, ao se despedirem da terra de Canaã, deixando esse território para Isaque. Antes de sua morte, Abraão proveu para seu filho Isaque uma esposa, Rebeca. Abraão também comprou a caverna de Macpela, que se tornou.

Isaque e Jacó (Gn 25:19 — 36:43)

O caráter de Isaque, retratado no livro de Gênesis, é um tanto obscurecido pelas vidas movimentadas tanto de seu pai quanto de seu filho. Depois da notícia da morte de Abraão, o leitor é imediatamente apresentado a Jacó, o qual emerge como o elo da sucessão patriarcal. Talvez muitas das experiências de Isaque fossem similares às de Abraão, pelo que relativamente pouco da narrativa é devotado ao primeiro. Embora Isaque tivesse herdado as riquezas de seu pai e tivesse prosseguido no mesmo padrão de vida, é interessante observar que ele se ocupou da agricultura, perto de Gerar (veja Gn 26:12). De certa feita, Abraão estivera em Gerar, no território filisteu, mas passava a maior parte de seu tempo nas cercanias de Hebrom. Quando Isaque começou a cultivar o solo, colheu safras que produziram a cem por um. Esse sucesso incomum no plantio excitou a inveja dos filisteus, em Gerar, pelo que Isaque viu ser mister mudar-se para Berseba, a fim de poder manter relações pacíficas. A presença dos filisteus em Canaã, durante o período patriarcal, tem sido reputado como um anacronismo. A colônia de caftorins em Canaã, por volta de 1200 a.C., representou uma migração tardia do Povo Marítimo que já fizera anteriores estabelecimentos, durante um prolongado período. Os filisteus, pois, se tinham estabelecido em menores números muito antes de 1500 a.C. Com o tempo eles se amalgamaram com outros habitantes da terra de Canaã, mas o nome “Palestina” (Filistia) continua a prestar testemunho da presença deles em Canaã. A cerâmica dos caftorins, por toda a porção sul e central da Palestina, além das alusões literárias, testificaram acerca da superioridade dos filisteus nas artes e ofícios. Nos dias de Saul eles monopolizavam o trabalho em metais na Palestina.

De comportamento belicoso, Jacó emergiu como herdeiro do pacto. De acordo com os costumes de Nuzu ele negociou com Esaú, para adquirir os direitos de herança. Sua capacidade de barganhar se tornou de pronto evidente quando obteve os direitos da primogenitura, pelo preço irrisório de um prato de lentilhas. O irreal senso de valores de Esaú pode ter-se devido à fadiga temporária e à exaustão, após uma infrutífera expedição de caça. Em adição a isso, Jacó obteve a bênção final de Isaque, mediante truques e engodos instigados por sua mãe, Rebeca. A significação dessa aquisição pode ser melhor compreendida quando se faz confronto com as leis contemporâneas, que tornavam essas bênçãos orais obrigatoriamente legais. Digno de atenção, entretanto, é o fato de que a narrativa bíblica salienta o lugar da liderança acima das bênçãos materiais. Temendo o provável casamento de Jacó com mulheres heteias, como também a vingança de Esaú, Rebeca traçou um plano para enviar seu filho favorito a Padã-Arã. Na viagem, Jacó reage a um sonho, tido em Betei, com a promessa condicional de servir a Deus e com o compromisso tentativo de dar-Lhe os dízimos de seus rendimentos. Tendo recebido acolhida cordial na terra de seus antepassados, Jacó entra em acordo com Labão, o irmão de Rebeca. De conformidade com os costumes de Nuzu, isso pode ter sido mais que um simples contrato de trabalho com vistas a casamento. Aparentemente Labão não tinha filhos nessa época, pelo que Jacó foi feito seu herdeiro legal. Típico da época foi o fato de que Labão presenteou cada uma de suas filhas, Lia e Raquel, com uma criada. Posteriormente, a esposa de Labão lhe deu filhos, pelo que Jacó não era mais o herdeiro principal. Essa mudança nos acontecimentos não agradou a Jacó; ele queria partir, mas foi dissuadido disso por meio de um novo contrato, que lhe abriu caminho para obter riquezas através dos rebanhos de ovelhas de Labão. No decurso do tempo Jacó prosperou, a despeito dos reajustes no contrato impostos por Labão, por causa do que sofrem tensão as relações entre sogro e genro.

Encorajado por Deus a voltar à terra de seus pais, Jacó reuniu todas as suas posses e partiu em momento oportuno, quando Labão estava distante, em missão de tosquia das ovelhas. Três dias depois Labão soube do rumo tomado por Jacó, e saiu em feroz perseguição. Após sete dias o alcançou, na região montanhosa de Gileade. Labão estava profundamente perturbado ante o desaparecimento de seus deuses domésticos. O terafim que Raquel ocultou com êxito, enquanto Labão rebuscava por todas as possessões de Jacó, talvez tivesse um significado mais legal do que religioso aos olhos de Labão.32 De acordo com as leis de Nuzu, um genro que possuísse os deuses domésticos podia reivindicar em tribunal a herança da família. Desse modo, Raquel buscava obter alguma vantagem para seu marido, ao furtar os ídolos. Mas Labão anulou qualquer benefício dessa ordem mediante um pacto que firmou com Jacó antes de se separarem. Continuando na direção de Canaã, Jacó antecipava o temível encontro com Esaú. O temor o assaltou, embora cada crise houvesse terminado em seu favor, no passado. No ponto de onde não mais podia recuar, Jacó enfrentou uma experiência crucial (veja Gn 32:1-32). Tendo dividido todas as suas possessões às margens do rio Jaboque, ao preparar-se para enfrentar Esaú, ele se voltou para Deus em oração. Humildemente reconheceu que era indigno de todas as bênçãos que Deus lhe havia conferido. Porém, diante do perigo, ele solicitou livramento. Durante a solidão da noite, lutou contra um certo homem. Nessa estranha experiência, que ele reconheceu como um encontro divino, o seu nome foi mudado de “ Jacó” para “ Israel” . Dali por diante, Jacó não seria mais o enganador; pelo contrário, ficou sujeito ao ludibrio e às tristezas, da parte de seus próprios filhos.

Quando Esaú chegou, Jacó se prostrou por sete vezes — outro costume antigo, mencionado nos documentos de Amarna e Ugarite — e foi perdoado por seu irmão. Declinando cortezmente da generosa ajuda oferecida por Esaú, Jacó prosseguiu lentamente para Sucote, enquanto Esaú voltou a Seir. Na rota para Hebrom, Jacó acampou em Siquém, Betei e Belém. Embora houvesse comprado alguma terra em Siquém, o escândalo e a perfídia de Levi e Simeão tornaram impraticável a sua permanência na região (34:1-31). Esse incidente, bem como o ato ofensivo de Rúben (veja Gn 35:22), exerceram efeito sobre as bênçãos finais de Jacó para seus filhos (veja Gn49). Quando foi instruído por Deus para mudar-se para Betei, Jacó preparou-se para seu retorno a esse local sagrado, removendo a idolatria de sua casa. Em Betei ele erigiu um altar. Ali Deus renovou seu pacto, dando a certeza que não só uma nação, mas um conjunto de nações e reis emanaria de Israel (veja Gn 35:9- -15). Ao longo da caminhada para o sul, faleceu Raquel, ao dar nascimento a Benjamim. Ela foi sepultada nas vizinhanças de Belém, em um lugar de nome Efrata. Viajando para mais além, com seus filhos e possessões, finalmente Jacó chegou em Hebrom, terra de seu pai, Isaque. Quando Isaque morreu, Esaú retornou de Seir a fim de juntar-se a Jacó no sepultamento do seu pai. Os edomitas evidentemente tiveram uma história ilustre. Pouco se sabe sobre eles fora dessa narrativa sumária (veja Gn 36:1-43), que indica que eles tiveram vários reis, antes mesmo que qualquer rei tivesse reinado em Israel. Dessa maneira, a narrativa do Gênesis expõe de modo final a linhagem colateral, antes de reiniciar a narrativa patriarcal.

José (Gn 37:1 — 50:26)

Em uma das mais dramáticas narrativas na literatura mundial, as experiências de José entrelaçaram a vida patriarcal com o Egito. Se os contatos anteriores haviam sido primariamente com o meio ambiente mesopotâmico, a transição para o Egito resultou numa mescla de costumes derivados desses dois centros máximos da civilização. Nesse relato, notamos a continuidade das influências prévias, a adaptação ao meio ambiente egípcio e, acima de tudo, a orientação controladora de Deus, na sorte fascinante de José e seu povo. José, filho de Raquel, era o orgulho e a alegria de Jacó. Para mostrar seu favoritismo, Jacó o enfeitou com uma túnica que aparentemente era sinal distintivo de um chefe tribal.3 Seus irmãos, que já se ressentiam dos maus relatórios de José a respeito deles, foram incitados por isso a um ódio mais profundo. A questão chegou a um ponto crítico quando José lhes contou dois sonhos que previam sua exaltação pessoal.34Os irmãos mais velhos deram vazão a seus sentimentos ao se desvencilharem de José ao surgir a primeira oportunidade. Enviado por seu pai a Siquém, José não pôde achar seus irmãos senão quando chegou a Dotã, aproximadamente 130 km ao norte de Hebrom. Até hoje os pastores levam seus rebanhos do sul da Palestina à fonte de Dotã, segundo J. P. Free, que tem escavado Dotã desde 1953. Na falda superior do monte, os níveis terceiro e quarto representam cidades da Era do Bronze Média (2000 – 1600 a.C.), que datam do período de José e dos primeiros patriarcas. O nível inferior retrocede até 3000 a.C.

Após terem-no sujeitado ao ridículo e a maus tratos, seus irmãos venderam-no a traficantes midianitas e ismaelitas, que subsequentemente se desfizeram dele vendendo-o a Potifar, como escravo, no Egito. Diante da túnica manchada de sangue, que pertencia a José, Jacó lamentou a perda de seu filho favorito, crendo que ele fora despedaçado pelas feras (veja Gn 37:1-36).

O leitor é deixado em estado de suspense, acerca do bem estar de José, devido ao episódio que envolveu Judá e Tamar (veja Gn 38:1-30). Esse relato tem significação histórica, porquanto fornece o pano de fundo genealógico da linhagem davídica (veja Gn 38:29; Rt 4:18-22 e Mt 1:1). Outrossim, apesar da conduta não exemplar de Judá, foi mantida a prática do casamento levirato. A exigência imposta por Judá, de que Tamar fosse morta na fogueira devido à prostituição talvez reflita um costume introduzido em Canaã por indo-europeus como os hititas e os filisteus. Fontes ugaríticas e mesopotâmicas confirmam o uso de três artigos para mostrar a identificação pessoal. Tamar provou a culpa de Judá, por estar grávida, ao exibir o sinete, o cinto e o cajado dele. Visto que a lei dos hititas permitia que um sogro cumprisse as obrigações do casamento levirato, casan- dose com uma nora viúva, Tamar não estava sujeita à punição sob a legislação local, por ter enganado a Judá a fim de neutralizar o plano de Judá que pretendia ignorar os direitos matrimoniais dela. Na legislação mosaica havia provisão para o casamento levirato (veja Dt 25).

O pano-de-fundo das experiências de José nas terras de Nilo tem sido comprovado como autêntico em muitos detalhes (veja Gn 39-50).Ocorrem nomes e títulos egípcios, como seria de esperar. Potifar é designado “ capitão da guarda” ou “ chefe dos executores” , que era o nome da guarda pessoal do rei. Asenate (um nome próprio egípcio), filha de um sacerdote de Om (Heliópolis), tornou-se esposa de José. Importantes oficiais da corte egípcia são devidamente identificados como “copeiro-mor” e “padeiro-mor”. Também há reflexos dos costumes egípcios. Sendo Semita, José tinha barba, mas para comparecer diante de Faraó ele teve a barba raspada, de conformidade com os costumes do Egito. A túnica de linho fino, o colar de ouro e o anel de sinete adornavam José, à moda tipicamente egípcia, quando ele assumiu autoridade administrativa sob Faraó. “Inclinai-vos” é tradução de provável vocábulo egípcio que quer dizer “ prestai atenção” , o que foi ordenado a todos os egípcios quando da inauguração de José em seu ofício (veja Gn 41:43). O embalsamamento de Jacó e a mumificação de José também seguiram padrões egípcios no cuidado com os mortos. Os paralelos na vida de José e na literatura egípcia também são dignos de nota. A transição por que passou José, de escravo a governante, tem semelhanças com o clássico egípcio. “O Aldeão Eloquente”. Os sete anos gordos de abundância, nos sonhos de Faraó, trazem similaridade com uma antiga tradição egípcia.

Por todos esses anos de adversidade, sofrimento e sucesso fica evidenciada perfeitamente o relacionamento divino-humano. Tentado pela esposa de Potifar, José não cedeu. Ele não quis pecar contra Deus (veja Gn 39:9). Na prisão, José confessou abertamente que a interpretação dos sonhos pertencia a Deus (veja Gn 40:8). Quando se apresentou diante de Faraó, José reconheceu que Deus se utiliza de sonhos para revelar o futuro (veja Gn 31:25-36). Até ao dar nome a seu filho, Manassés, reconheceu que Deus era o originador de sua promoção e de seu livramento da aflição (veja Gn 41:51). Ele também levava Deus em conta quando de sua interpretação da história: ao revelar a sua identidade a seus irmãos, humildemente ele deu crédito a Deus por havê-lo conduzido ao Egito. De forma alguma ele os chamou à responsabilidade por terem-no vendido como escravo (veja Gn 45:4-15). Após o falecimento de Jacó, José assegurou uma vez mais a seus irmãos de que não se vingaria. Deus havia determinado os eventos da história com vistas ao bem de todos (veja Gn 50:15-21).

O fato que José magnificou a Deus, em meio a muitas vicissitudes, foi recompensado por sua própria exaltação. Na casa de Potifar ele se mostrou tão digno de confiança e tão eficiente que foi promovido ao cargo de superintendente. Lançado na prisão por falsas acusações, logo José foi agraciado com responsabilidades de supervisão, que ele usava sabiamente para ajudar a seus colegas de prisão. Por intermédio do copeiro-mor, que durante dois anos não relembrou a ajuda que lhe fora prestada, subitamente José foi conduzido à presença de Faraó, para interpretar os sonhos do monarca. Isso ocorreu em ocasião realmente oportuna — o governante egípcio precisava de um homem dotado da sabedoria que José demonstrou possuir. Na qualidade de principal administrador, José não somente guiou-o Egito através dos anos cruciais de abundância e de escassez, mas também foi instrumento da salvação de seus próprios familiares. A posição e o prestígio de José possibilitaram-lhe separar a terra de Gósen para ser ocupada pelos israelitas, quando estes migraram para o Egito. Isso lhes foi sumamente vantajoso, por causa de suas atividades pastoris. As bênçãos proferidas por Jacó formam uma conclusão apropriada para a era patriarcal, na narrativa do Gênesis. No leito de morte ele proferiu sua vontade final e seu testamento. Embora ele se achasse no Egito, essa bênção é reflexo de um costume de sua terra originária da Mesopotâmia, onde as declarações orais eram reconhecidas como válidas, quando contestadas em tribunal. De acordo com as promessas divinas, feitas aos patriotas, as bênçãos proferidas por Jacó, expressas em forma poética, tiveram significação profética.

——- Retirado de Samuel J. Schultz – A Historia de Israel no Antigo Testamento.


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