O Declínio da Suméria

Os últimos anos do reinado de Shulgi testemunharam o primeiro indício de uma Babilônia semita revivida, o que tornou necessário que ele dedicasse considerável tempo e esforço para esmagar as revoltas que eclodiam periodicamente nos estados beligerantes que ficavam a leste do Tigre.

Sob Amar-Sin, sucessor de Shulgi, o império sumério começou a sentir a ameaça de uma invasão dos amorreus do norte e do leste. Os amorreus viveram na Palestina e na Síria durante o terceiro milênio a.C, mas por algum tempo vinham dirigindo-se para o leste, em direção ao Crescente Fértil juntamente com outros semitas do oeste. Durante o reinado de Shulgi, consolidaram a sua posse na terra ao norte do império babilônio, e ali ocuparam determinadas cidades antigas, entre as quais Mari, a futura capital dos amorreus. Shu-Sin, que subiu ao poder depois que Amar-Sin tinha reinado por nove anos, foi incapaz de restaurar o controle militar sobre as províncias distantes, e, nos dias do seu sucessor, Ibbi-Sin, a ameaça ao poder sumério tornou-se uma realidade com as invasões elamitas (1960 a.C.) das colinas em direção ao leste. Ao mesmo tempo, enquanto os elamitas saqueavam Sumer, o capitão amorreu de Mari, Ishbi-Irra, rebelou-se contra Ibbi-Sin, ocupou Acade e levou Ibbi-Sin acorrentado a Anshan. Uma tábua de Nippur preservou a narrativa da destruição ocorrida:

Eles exilaram a sagrada dinastia do templo.
Demoliram a cidade, demoliram o templo,
Apoderaram-se do governo da terra…

Tão completa foi a devastação que o domínio político e cultural da Suméria sofreu um golpe mortal, deixando o império de Acade e Sumer, antigamente unido, aos desígnios de oportunistas militares. Isto resultou em uma reversão à ideia da antiga cidade-estado independente vivendo em precária coexistência com seus vizinhos. Desta maneira, o período que se seguiu às invasões dos amorreus e elamitas foi um tempo de contínuo estado de guerra entre as mais poderosas comunidades, tais como Quis, Ereque, Babilônia, Larsa, Isin e Lagash. Entre elas, Isin, Larsa e Babilônia tornaram-se os Estados dominantes, e a conquista de Isin pelo elamita Rim-Sin de Larsa resultou na existência de dois únicos pretendentes à liderança no sul da Mesopotâmia.

Os reis de Larsa começaram a consolidar a sua posição na Suméria, e algumas das cidades mais antigas foram extremamente fortificadas contra ataques. A dinastia Larsa, em um esforço para promover o apoio moral dos povos conquistados, também fez reviver a religião suméria, e é um fato curioso que, durante este período, tenham emergido as maiores obras literárias e históricas que os sumérios produziram. O panteão oficial estava firmemente estabelecido, e as várias lendas que tratavam das atividades dos deuses foram colocadas por escrito, e assumiram a sua forma final. Listas de reis foram compiladas, textos litúrgicos editados e conferidos, e procedimentos mágico-médicos tabelados para gerações futuras. Esta grande explosão na atividade literária e religiosa preservou a riqueza acumulada da cultura suméria e foi providencial, pois, assim que foi concluída, o desastre assolou o reino de Sumer, uma vez mais.

O Período de Hamurabi

Enquanto os recursos do sul tinham sido progressivamente esgotados pelas guerras internas, as fortunas da Babilônia estavam em ascensão. A Primeira Dinastia da Babilônia, fundada por Sumu-abum, produziu uma sequência de governantes que estenderam a jurisdição territorial da sua capital Bab-ilu (Porta de Deus), como era chamada originalmente, e se aliaram com as cidades-estado vizinhas contra a ameaça da dominação elamita. A influência da Babilônia foi revertida temporariamente, quando sua aliada Isin foi conquistada por Rim-Sin; mas houve uma mudança dramática quando o notável soldado e administrador Hamurabi, último grande rei da Primeira Dinastia, ascendeu ao trono. Hamurabi comandou suas forças contra a dinastia Larsa, e seis anos depois da queda de Isin, defendeu Rim-Sin e seus aliados, desta maneira reconquistando Isin e Ereque. Os vinte anos seguintes foram passados reorganizando e fortalecendo suas possessões, e depois disto, ele desferiu um golpe devastador contra o idoso Rim-Sin, que resultou no fim do poder elamita na Suméria. Hamurabi fez de Larsa a sua sede administrativa no sul, e deu início à unificação de seu império, apesar do perigo de ataques da poderosa fortaleza dos amorreus em Mari, ao norte. Após trinta e um anos no trono, Hamurabi finalmente removeu esta ameaça à segurança imperial da Babilônia, e estabeleceu a plena glória do Antigo Período Babilônio, que durou até a metade do século XVI a.C.

Comparativamente, tal como era nos dias de Hamurabi (1792-1750 a.C), pouca coisa da cidade da Babilônia sobreviveu, devido ao fato de que a reconstrução ocorrida no século VI a.C. destruiu a maioria dos edifícios que eram contemporâneos do último grande rei da Primeira Dinastia. Os poucos que sobreviveram, no entanto, mostram um genuíno esforço de planejamento urbano durante o seu reinado, com as propriedades arranjadas em seções, e as ruas interceptando-se em ângulos retos. Isto, para a época, representou um progresso considerável sobre as condições anteriores, entretanto, o lugar retornou aos tempos pré-semitas, quando a cidade se desenvolvia, em volta de um santuário religioso, repetindo assim a maneira aleatória que tinha caracterizado a maioria das antigas cidades na planície de Sinar.

Inúmeros textos diplomáticos encontrados em Mari por André Parrot, que escavou o lugar a partir de 1938, foram comprovados como sendo a correspondência entre Hamurabi e os embaixadores de Zimri-Lim, o último rei de Mari. Estes governantes tinham sido aliados por inúmeros anos, e gozavam de um relacionamento amigável, como indica o trecho seguinte, extraído de uma carta escrita por Ibal-pi-El, embaixador de Zimri-Lim a Hamurabi:

Quando Hamurabi está ocupado com alguma coisa, ele me escreve e eu vou ter com ele, onde quer que esteja. Qualquer que seja o assunto, ele o conta para mim.

No entanto, Hamurabi também havia tido bom relacionamento com outro governante, cujo poder iria destruir posteriormente. Aquilo que é, provavelmente, um relatório secreto para Zimri-Lim, continha um relato de uma carta enviada por Hamurabi a Rim-Sin, de Larsa, na qual Hamurabi dizia, “Você não sabe que é a pessoa que eu amo?” Evidentemente, era costume de Hamurabi lidar com reis vizinhos em termos íntimos, até que estivesse em posição de destruí-los rapidamente. Mas quaisquer que fossem os meios pelos quais ele obtinha o poder, não se pode negar que era vastamente superior a seus contemporâneos, tanto em perspicácia política quanto em estratégia militar. Nestes aspectos, o seu único rival sério era Shamshi-Adad I (1813-1781 a.C), o governante amorreu da Assíria.

O Código de Hamurabi

Quase imediatamente, o seu império começou a sentir os benefícios do seu claro modo de pensar e da sua administração com visão de futuro. Hamurabi tinha um sério interesse pelo bem-estar do seu povo, e uma de suas primeiras tarefas foi estabelecer um código de leis escrito, que seria uniforme para todo o seu reino. O movimento a favor de um código legal tinha ficado aparente nos dias de LIr-Nammu e Shulgi, mas naquela época a lei civil era, por natureza, estabelecida de maneira oral, e abrangia as decisões transmitidas em casos particulares que tinham comparecido perante os tribunais. Hamurabi coletou, classificou, e modificou estas decisões sumérias anteriores, e estendeu o seu escopo para que abrangesse praticamente todos os aspectos da vida civil, social, moral e profissional. Embora sem dúvida ele incorporasse outros códigos de lei, do Antigo Período Babilônio (1830-1550 a.C), como os de Eshnunna e Lipit-Ishtar, sua legislação continua sendo um monumento de jurisprudência da antiguidade. LJma cópia deste código foi encontrada em 1901 por }. de Morgan, em Susa, para onde havia sido levada, aparentemente como um troféu de batalha, por guerreiros elamitas. Era uma stela imponente de diorito negro, com aproximadamente um metro e oitenta centímetros de altura.” Um baixo-relevo de Hamurabi em pé, diante do deus do sol, Shamash, patrono da justiça, encabeçava as cinquenta e uma colunas de texto cuneiforme, escrito em babilônio semita. Um prólogo declarava que os deuses tinham comissionado Hamurabi a “fazer a justiça brilhar na terra, destruir o malfeitor e o ímpio… e iluminar a terra”, ao passo que um extenso epílogo reafirmava o seu desejo de ser conhecido como “um senhor que é um pai para os seus súditos”.

A legislação do código foi agrupada em aproximadamente trezentas seções,37 das quais muitas refletiam um cenário social altamente complexo. Determinados tipos de crime, como o sequestro, eram considerados infrações graves e, por isso, puníveis com a morte, ao passo que violações da moralidade eram tratadas também muito severamente. Um casamento, para ser legal, deveria ser registrado, mas ambas as partes tinham direitos iguais na questão do divórcio. Determinadas seções do código estabeleciam os deveres dos oficiais encarregados da arrecadação de impostos, soldados e servos civis, ao passo que outras estipulavam os padrões necessários para uma grande variedade de profissões e ocupações comerciais. O código reconhecia uma divisão da sociedade em três partes, em termos de classe alta, a classe dos artesãos ou operários, e os escravos, embora não houvesse nenhum estigma social relacionado à última classe. A reparação legal do mal ou da ofensa geralmente era feita através de retaliações do mesmo tipo, e foi modificada para acomodar os vários níveis da sociedade.

Existem algumas correspondências estreitas entre o Código de Hamurabi e as leis hebraicas do Pentateuco, o que não é de surpreender, tendo em vista a similaridade da herança cultural e da antecedência racial. Por exemplo, quando um homem cometesse adultério com a esposa de outro homem, o Código de Hamurabi (seção 129) e a lei Mosaica (Lv 20.10 e Dt 22.22) estavam de acordo com que ambos fossem condenados à morte. A lei de retaliação, ou lex talionis no Código de Hamurabi era exatamente igual à que há no Pentateuco (Ex 21.23 e versículos seguintes, e Dt 19.21). Por outro lado, há diferenças importantes. A lei hebraica permitia que um homem se divorciasse da sua esposa (Dt 24.1), mas não concordava com o código da Babilônia (seção 142) que permitia que a esposa tivesse o mesmo privilégio. O Código de Hamurabi é claramente deficiente de pensamento espiritual, e, de modo geral, atribuía à vida humana um valor menor do que a legislação Mosaica.

Os códigos legais não foram o único resultado deste produtivo período da cultura babilônia semita. A estabilidade e a prosperidade que tinham tido lugar em Acade e Sumer, com a consolidação do império, sob Hamurabi, propiciou incentivo para que as classes sacerdotais se dedicassem a empreendimentos literários e educacionais. A língua suméria tinha sido substituída, anteriormente, pelo idioma acadiano, mas muitas palavras sumérias ainda eram usadas, tornando necessário que se compilassem glossários, listas de palavras e dicionários. Os dois séculos que se seguiram à época de Hamurabi presenciaram notáveis progressos no campo da ciência. Textos matemáticos que foram recuperados deste período mostram que os babilônios estavam familiarizados com uma grande variedade de problemas aritméticos, e algumas das suas técnicas prediziam procedimentos muito posteriores. Aquilo que se conhece como Tábuas de Vênus, de Ammizaduga revelou o interesse que eles tinham nas posições e nos movimentos das estrelas. Seguindo o costume sumério, deram nomes às várias constelações e aos vários planetas, e as listas que compilaram permaneceram como um padrão durante toda a história da Babilônia.


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