Os Mercenários Hebreus

Os adversários dos israelitas, os cananeus e os filisteus, tinham tropas permanentes de infantaria e de carros compostas de soldados profissionais, nativos ou estrangeiros. Uma tal organização militar é incompatível com o espírito e as tradições das doze tribos. Sem dúvida, Abimeleque recrutou mercenários, Jz 9.4, mas ele só era meio israelita e ambicionava a realeza conforme o modelo cananeu. Jefté também reuniu um grupo de homens armados, mas isto foi fora do território de Israel, Jz 11.3. Contudo, as derrotas sofridas na luta contra os filisteus demonstraram aos israelitas que o povo convocado em massa não podia se opor eficazmente a um exército profissional, menos numeroso mas bem treinado e sempre pronto para entrar em ação. A criação de um tal exército foi obra dos primeiros reis de Israel.

OS MERCENÁRIOS

os – Saul começou a recrutar mercenários: quando ele via um homem destemido e valente ele o alistava, ISm 14.52. Ele prefere sem dúvida homens de sua tribo, Benjamim, cf. ISm 22.7, mas também das outras tribos de Israel, assim como o judeu Davi, 1Sm 16.18 s.; 18.2, e mesmo estrangeiros, como o edomita Doeg, ISm 21.8; 22.18. Eles nunca foram numeroso, pois deviam ser pagos, cf. Jz 9.4, e o reino de Saul era pobre. Após ter rompido com Saul, Davi recrutou mercenários por sua conta: ele teve 400 homens, 1Sm 22.2, depois 600, 1Sm 25.13, com os quais passou para o lado dos filisteus, ISm 27.2 esses partidários continuaram com ele quando ele se tomou rei de Judá e de Israel e seu número aumentou ao mesmo tempo que as vitórias de Davi ampliaram sua área de recrutamento e forneceram recursos necessários para a manutenção dos mercenários. Sua origem era variada: entre os trinta heróis de Davi, IISm 23.24-39, dos quais falaremos, há sobretudo gente de Judá e das regiões vizinhas, mas também um efraimita, um manassita, um gadita e muitos estrangeiros, um arameu de Zobá, um amonita, e o hitita Urias, marido de Bate-Seba, cf. IISm 11.3s. Após ter vencido os filisteus, Davi recrutou entre eles ou entre seus vassalos um corpo de kereti e de peleti, IISm 8.18; 15.18; 20.7, 23; IRs 1.38, 44. Ele teve também um contingente de 600 homens de Gat na Filisteia, IISm 15.18s.

Agindo assim, Davi copiava uma instituição dos principados cananeus e filisteus. Recentemente, sugeriu-se que o termo especial que designava esses mercenários é conservado nas expressões yelide ha ‘anaq, Nm 13.22,28; Js 15.14, e yelide harapah, IISm 21.16,18. A palavra não significaria “descendente”, mas “dependente, servo” e se aplicaria a guerreiros profissionais alienando-se de sua liberdade para entrar em um exército, aqui o exército de Anaq ou de Rafa, o sentido dessas palavras ou nomes ainda deve ser determinado.102 Os outros empregos da palavra yalid, na expressão yelide bayt, convergiriam para este sentido: trata-se de escravos que têm, na família, uma posição particular, e Gn 14.14 os mostra empregados para fins militares. Esta hipótese é interessante, mesmo que, por falta de textos mais numerosos e mais claros, continue incerta.

Em todo caso, os mercenários israelitas não tinham estatuto de homens livres. Eles eram pessoalmente ligados ao rei. Eles eram os “homens” de Saul, I Sm 23.25-26, ou de Davi, I Sm 23 passim, 24.3 s.; 27.3, 8…, os servos, ‘abadim de Saul, I Sm 18.5,30;22.17, ou de Davi, I Sm 25.40; II Sm 2.17; 3.22; 11.9, 11, 13; 18.7,9; 20.6; I Rs 1.33. O rei pagava pelos seus serviços com isenções de taxas ou de corveias, I Sm 17.25, com doações de terras ou de direitos sobre os dízimos, I Sm 8.14-15. Quando da morte do rei, eles passavam a seu herdeiro: os “servos” de Saul tornam-se os de Ishbaal, II Sm 2.12; 4.2. Eles ficavam estacionados junto ao rei, em Jerusalém sob Davi, II Sm 11.9, 13; 15.14; 20.7; I Rs 1.33.

Eles constituíam a guarda real.103 Sua organização é difícil de precisar e parece ter sido flutuante. Além do termo geral ‘abadim, e das indicações de origem étnica, os soldados que a compõem recebem diferentes nomes cuja relação é incerta. A guarda pessoal de Saul, depois a de Davi, é chamada coletivamente mishma*at, “os que obedecem, que respondem ao chamado”, I Sm 22.14; II Sm 23.23. Sob Saul, Davi é o chefe dela, sob Davi, Benaias é o comandante, mas ele é também, ou depois, o chefe dos Kereti e dos Peleti, II Sm 8.18;20.23; cf. I Rs 1.38,44. Estes últimos parecem constituir então toda a guarda: eles são postos em paralelo com o exército popular, II Sm 8.16; 20.23 como o são os ‘abadim em II Sm 11.11. Em compensação, em II Sm 20.7, ao lado dos Kereti e dos Peleti são mencionados “valentes”, gibborim. Mas os gibborim parecem ser o equivalente dos Kereti e dos Peleti em II Sm 16.6 comparado com II Sm 15.18 e em I Rs 1.8, 10, comparado a I Rs 1.38,44, e os gibborim figuram sozinhos ao lado do exército do povo em II Sm 10.7.

Entre esses “valentes”, dois grupos se distinguem por seu valor: os Três, cujo chefe é Ishbaal, II Sm 23.8-12, e os Trinta, comandados por Abzai, H Sm 23.18 e 24-39. Sua origem em grande parte do sul de Judá toma provável que eles tenham sido os mais valorosos companheiros de Davi no início e que tomaram-se companhia de elite desde o período de Ziclague. Tem sido lembrado a esse respeito um texto egípcio que fala de um “grupo de trinta” logo depois de Ramsés II.

Esses soldados, ou uma parte deles, são às vezes chamados de n e ‘arim, literalmente “jovens”, no sentido militar, “cadetes”. Eles acompanham Davi cm sua fuga, I Sm 21.3, 5; 25.5 s. e não se vê o que os distingue dos “homens” de Davi, I Sm 25.13, 20. Saul também tinha os seus I Sm 26.22. Os “cadetes” de Davi e de Ishbaal, filho de Saul, se enfrentam em Gibeá, II Sm 2.14, e eles são chamados os ‘abadim de Davi e de Ishbaal na mesma passagem, IIS m 2.12-13, os “cadetes” de II Sm 16.2 parecem ser o mesmo que os soldados da guarda que acompanham Davi em sua fuga, os mercenários de 15.18, os gibborim de 16.6; cf. também II Sm 4.12. Encontramos mais tarde os “cadetes” dos chefes de distrito, distinguidos do exército nacional, I Rs 20.14-19. Mesmo que, em certos casos, eles façam o papel de escudeiros, I Sm 20.21 s., 35 s.; II Sm 18.15, não parece que sejam jovens recrutados, por oposição aos veteranos: quando 0 termo tem uma acepção propriamente militar, ele designa simplesmente soldados profissionais; cf. também Ne 4.10. A palavra em sentido militar já era empregada em cananeu e passou para o egípcio onde na‘anma designa um batalhão do exército, talvez recrutado em Canaã.

Por fim, há junto a Saul os ratsim, os “corredores”, I Sm 22.17, cujo chefe é provavelmente o edomita Doeg, 21.8 (corrigido). Eles são chamados ‘abadim e são neste texto os executores das vinganças do rei, como o são os n e ‘arim em II Sm 4.12. Eles formam um a guarda pessoal, um pelotão de escolta104, como os cinqüenta corredores que precediam Absalão e Adonias quando simularam um séquito real, II Sm 15.1; I Rs 1.5. Eles figuram, talvez pela mesma razão, ao lado dos escudeiros, shalishim, na história de Jeú, II Rs 10.25. Eles asseguram com os mercenários cários a guarda do palácio de Jerusalém, onde há uma sala dos corredores e uma porta dos corredores, 1 Rs 14.27-28; II Rs 11.4, 6, II, 19. Eles são, portanto, numerosos o bastante para serem divididos em centúrias.

Saul utilizou seus guardas contra os filisteus, I Sm 18.27, 30; cf. 23.27, e na perseguição a Davi, I Sm 23.25 s., mas a eficácia do exército profissional não se manifesta verdadeiramente senão sob Davi. É com seus mercenários que ele conquista Jerusalém, II Sm 5.6, e derrota os filisteus, II Sm 5.21; 21.15. São lembradas as ações bem sucedidas de seus valentes, II Sm 21.15-22; 23.8-23. Essas tropas profissionais têm um comando especial e são distintas dos contingentes que Israel e Judá fornecem em circunstâncias graves. Na lista dos funcionários de Davi, há dois militares: Joabe comanda o exército, Benaias comanda os keretitas e os peletitas a saber, a guarda, II Sm 8.16, 18; 20.23. O relato detalhado da guerra amonita esclarece a relação das duas forças: a guarda e todo Israel estão engajados, II Sm 11.1, mas, diante de Rabbá dos amonitas, Israel e Judá acampam sob tendas enquanto que a guarda fica ao ar livre, 11.11; os ataques são lançados pela guarda, 11.14-17; 12.26, os contingentes de Israel e de Judá ficam na reserva e fazem o ataque final, 12.29. Encontramos a mesma tática nas guerras aramaicas sob Acabe: os “cadetes” dos chefes de distritos, soldados profissionais, são enviados primeiro e iniciam o ataque, Israel, a saber, o exercito nacional, sai atrás deles e persegue o inimigo, I Rs 20.15-20.

Este último texto nos lembra que o exército profissional continuou a existir muito tempo após o reino de Davi. Temos já assinalado os “corredores” de Roboão, I Rs 14.27-28, os de Jeú, II Rs 10.25, os “corredores” e os cários sob Atalia, II Rs 11.4. As fortalezas estabelecidas por Roboão eram certamente ocupadas por soldados profissionais, II Cr 11.11-12. Conforme II Cr 25.6 s., Amazias, rei de Judá, recrutou mercenários em Israel e os Anais de Senaqueribe destacam os auxiliares de Ezequias que desertaram durante o cerco de 701 a.C. É a última menção segura que se tem destas tropas mercenárias.

——- Retirado de: Vaux – Instituições de Israel no Antigo Testamento.


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