Contexto do Período Pré-Monárquico

Como complemento e auxílio às histórias para o Universo Anthares, este post trata de algumas informações históricas do período que, na Bíblia, é relacionado ao Período dos Juízes.


Um vácuo político havia resultado da longa luta entre egípcios e hititas (capítulo 10). Outros aspectos podem ser observados em nossos esforços para compreender esse período crítico.

A Migração de Povos. Na última parte do segundo milênio, movimentos populacionais no sudeste da Europa e no sudoeste da Ásia conturbaram seriamente a distribuição de povos que prevalecia há séculos. As culturas minóica e micênica de Creta e do Peloponeso chegaram ao fim. Os invasores da Ásia Menor destruíram a capital hitita e empurraram os hititas para a Síria, ao leste.

Os personagens principais do drama foram os Povos do Mar. Eles deixaram suas habitações costeiras na Grécia, na Ásia Menor e nas ilhas do Egeu (especialmente Creta, Caftor na Bíblia) e encheram a costa sudeste do Mediterrâneo numa série de invasões. Também contribuíram para o colapso dos reinos hitita e ugarítico. Embora Ramsés III tenha conseguido repelir o ataque contra a costa egípcia durante o oitavo ano de seu reinado (c. 1188),(os Povos do Mar não encontraram resistência semelhante em Canaã. Os filisteus de Caftor (cf. Am 9.7) ocuparam o extremo sul da planície marítima da Palestina. Esses invasores não-semitas logo estabeleceram cinco redutos: Gaza, Asquelom, Asdode, Gate e Ecrom —nomes encontrados diversas vezes em Juízes e Samuel. Essa liga de cidades, “a pentápole dos filisteus”, representava uma ameaça unida a quem os israelitas, pouco coesos, não conseguiam se contrapor. O “ciclo de Sansão” (13.1-16.31) retrata os filisteus.

As migrações no sudeste da Europa e no leste do Mediterrâneo envolviam principalmente povos indo-europeus, ainda que de tempos em tempos houvesse incursões de semitas provenientes do deserto arábico. Indícios disponíveis sugerem uma invasão da região transjordaniana no século XIII a.C., resultando no estabelecimento de Edom, Moabe e Amo®. Os israelitas, em jornada de Cades-Barneia a Moabe sob liderança de Moisés, tiveram problemas com os edomitas e os moabitas; e no período de Juízes foram oprimidos pelos moabitas e pelos amonitas. Os midianitas chegaram antes à região e parecem ter sido tolerados pelos moabitas — aliás, o rei moabita solicitou a cooperação deles contra os israelitas (Nm 22.4); mais tarde, montados em camelos, os midianitas envolveram-se numa série prolongada de investidas contra Israel (Jz 6.1-6). E provável que fossem um povo nômade proveniente do leste do golfo de Ácaba, que cruzava a região, como fazem hoje os beduínos.

O Início da Idade do Ferro. A Idade do Ferro no Oriente Médio começa em c. 1200. A aplicação bem difundida dos novos métodos de refino do minério de ferro e a manufatura de instrumentos e armas de ferro encerraram a Idade do Bronze precedente (sendo o bronze uma mistura de cobre e estanho). A palavra hebraica correspondente a ferro (barzel) é emprestada do hitita; justamente, a metalurgia do ferro parece ter sido introduzida no distrito de Kizzuwatna, no leste do império hitita. É provável que já em 1400 (antes da conquista hitita de Mitani em c. 1370), os reis de Mitani tenham enviado objetos de ferro como presentes para os faraós egípcios. Entre as primeiras referências ao ferro no Antigo Testamento estão a cama de ferro (ou sarcófago) de Ogue, rei de Basã (Dt 3.11, se devidamente interpretado), as rodas de carros com aro de ferro, dos cananeus (Js 17.16) e de Sísera (Jz 4.3), e o monopólio filisteu da metalurgia do ferro (ISm 13.19, 22). Entretanto, o monopólio desfrutado pelos hititas e, mais tarde, pelos filisteus logo foi quebrado. Pelo século XII a.C., o ferro era comum no Oriente Médio.

Canaã e seus Povos. Terra formada principalmente por montanhas e vales (veja capítulo 48), a Palestina era mais adaptada a abrigar grande número de pequenas cidades-estados que um povo integrado, pois produzia isolamento em vez de comunicação. Entre as nações deixadas na terra para provar os israelitas, estavam os cananeus, os heteus, os amorreus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus (3.5). Que de fato se sabe a respeito desses povos? “Cananeu” é um termo impreciso, empregado às vezes no sentido mais amplo de todos os que viviam em Canaã, e às vezes com referência a um povo em particular (compare Js 7.9 e 11.3). Quando finalmente os israelitas se tornaram dominantes na Palestina, o centro da população cananeia mudou-se para o que é hoje conhecido por Líbano, e o termo “ fenício” passou a ser aplicado a eles. Merece crédito a ideia de que uma mistura de nômades amorreus com uma cultura preexistente na região de Biblos resultou no povo conhecido como os cananeus; eles emigraram para a Palestina em c. 2300 a.C.

Quanto aos “amorreus”, fontes babilónicas referem-se a um povo com o mesmo nome que veio da terra de Amurru, cuja capital ficava em Mari, no Eufrates. Eles invadiram o sul da Mesopotâmia logo no início do segundo milênio e fundaram uma dinastia em Isin e Larsa. Hamurábi, cujo nome demonstra ligação com os amorreus, conquistou Mari e logo depois os hititas encerraram a dinastia dos amorreus. Os, amorreus ocuparam cidades-estados na Síria, de acordo com as cartas de Amarna.|Eles estavam tanto na Palestina como na Transjordânia (Jz 1 0 .8 ; 1 1 .1 9S S .).9 ) ” Quanto aos outros povos, os dados são ainda mais escassos. Os jebuseus eram os habitantes de Jerusalém (1.21). Os ferezeus são mencionados muitas vezes, mas nada se sabe a respeito deles. É provável que o nome signifique “ aqueles que não moram em cidades muradas” .]Os heveus estabeleceram-se no monte Líbano (3.3), monte Hermon (Js 11.3), ao longo da rota de Sidom a Berseba (2Sm 24.7) e nas cidades gibeonitas (Js 9.7; 11.19). Muitas vezes, ocorrem confusões entre heveus e horitas em relatos ou entre textos hebraicos e gregos; às vezes esses termos são confundidos com “ hititas” . As três palavras são bem parecidas na escrita hebraica.

Os hititas (ou heteus) são mencionados no Antigo Testamento já na era dos patriarcas, mas não há registro de movimentos migratórios de hititas para a Síria até por volta do século XII a.C. O termo “hitita”, porém, carece de definição. Os hititas originais (os hattis ou proto-hititas) e os “hititas” posteriores que invadiram a terra de Hatti (c. 2000) não eram o mesmo povo. Além disso, a penetração hicsa do Egito (c. 1700) foi realizada por uma mistura de povos, alguns dos quais indo-europeus (como os hititas). Quando os hicsos foram expulsos do Egito (c. 1570), é bem possível que alguns se tenham estabelecido na Palestina. Alguns dos povos mencionados no relato bíblico como habitantes de Canaã talvez lá estivessem em consequência desse movimento indo-europeu pela terra.

A Situação Centrífuga em Israel. A junção desses vários elementos ajuda a esclarecer o quadro de Israel no tempo dos juizes. ;A geografia, as lutas contínuas com os outros habitantes e as tensões internas entre personalidades fortes tendiam a segregar as tribos.)As tribos ligadas entre si por uma relação precária eram compostas de agrupamentos de vilas, cada qual ocupada por alguns clãs que, por sua vez, eram compostos de núcleos familiares estendidos. Os laços mais estreitos baseavam-se em parentesco, e as estruturas sociais eram mais igualitárias que hierárquicas. Não havia estrutura nacional no sentido moderno. Dados arqueológicos do início da Idade do Ferro dão a entender que “ vilas de regiões montanhosas refletem a essência da estrutura social dos primórdios de Israel — quase que exatamente como o livro de Juizes […] o preserva fielmente no registro escrito”.

Alguns estudiosos aplicam a Israel o conceito grego de “ anfictionia”. O termo descreve uma associação bem tênue de doze tribos unificadas apenas pelo único santuário localizado em Siló. O uso do termo “ anfictionia” é questionável, pois a arca e seu paládio (santuário em forma de tenda) em Siló é de importância nula ou quase nula em Juizes. Antes, o fator unificador é o conceito de que Javé, que fez uma aliança com seu povo, dispunha-se a agir em benefício do povo sempre que este se voltasse para ele, levantando juizes ou libertadores.

A Cronologia de Juizes. O livro de Juizes contém referências a numerosos períodos de tempo. Por exemplo, depois de se livrar de Cusã-Risataim (3.10), a terra teve “ paz” por 40 anos (v. 11). Depois o povo voltou a pecar e foi entregue nas mãos de Eglom, rei de Moabe, por 18 anos (v. 14). Os israelitas clamaram ao Senhor, que os livrou enviando Eúde, e a terra teve paz por 80 anos (v. 30). As referências ao tempo em Juizes perfazem 410 anos. Acrescentando-se a isso os anos de invasão da terra e os anos entre o fim do juizado de Sansão e o início do templo de Salomão surge .um número próximo ao das datas obtidas com base em IReis 6.1 —c. 1440 para o êxodo e c. 1400 para a entrada em Canaã. Existem, como se observou, sérios obstáculos à aceitação dessas datas (veja cap. 4). Se a entrada em Canaã ocorreu em c. 1250, que fazer com os números em Juizes? Tentam-se duas soluções. Por uma, os números são considerados “ redondos” , uma vez que 40, 80 e 20 ocorrem várias vezes. Intercalados a eles, porém, há outros — 18, 8, 7, 3, 6. E mais: mesmo os números “ redondos” devem ter algum significado; é difícil reduzir 410 a 200 e ainda considerar os números com seriedade.

A segunda tentativa considera os períodos de opressão e de juizado locais e sobrepostos. As nações que oprimiram Israel situavam-se em lugares variados ou em partes diferentes de Canaã. Jabim “ rei de Canaã” governava Hazor no norte; o conflito foi na planície de Esdrelom (4.2-4) e só envolveu poucas tribos do norte (6. 6-10). Os ataque midianitas vieram do leste (6.3) e, embora sua ação se tenha estendido até Gaza (v. 4), o conflito ocorreu no vale de Jezreel (Esdrelom) e envolveu tribos do norte (v. 34s.). A opressão amonita foi em Gileade, na Transjordânia, estendendo-se depois para o centro da Palestina (10.8s.), mas Jefté era de Gileade (11.1), e o conflito foi na Transjordânia (v. 29-33). A opressão dos filisteus, quando Sansão era juiz, localizou-se no sul. Os juizes eram levantados para resolver situações mais ou menos regionais; nesse caso, o período de “ paz” numa região coincidia com a de “opressão” noutra.

——– Retirado de: William S. LaSor – Introdução ao Antigo Testamento.

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