A História do Templo de Salomão

Este post é uma continuação do post O Templo de Jerusalém.

Dado que o Templo de Jerusalém era o santuário de Estado da capital e o centro religioso da nação, é natural que seu destino tenha estado ligado à história política e religiosa do reino. Ele devia subsistir até à ruína deste, quase quatro séculos após sua fundação. Durante esse longo tempo, sua estrutura não foi modificada e seus edifícios sofreram apenas retoques secundários. Se, como suposto acima,164 os dois andares superiores do edifício lateral não são primitivos, esta adição pode ter sido feita por Asa para depositar as oferendas que ele consagrou ao Templo, I Rs 15.15. Um novo átrio aparece sob Josafá, de acordo com II Cr 20.5, num nível inferior em relação ao átrio primitivo, que se tomará o átrio superior de Jr 36.10. Os dois pátios se comunicavam por uma porta cuja construção é atribuída a Jotão por II Rs 15.35 e que é a Porta Superior de Jr 20.2, a Porta Nova de Jr 26.10; 36.10.

No átrio do Templo aconteceram a sublevação contra Atalia, a proclamação e a sagração de Josias, que são narradas em detalhe em II Rs 11; evidentemente, foi lá também que foram consagrados todos os reis de Judá após Salomão. Precisamente a propósito do reino de Joás são dados alguns detalhes sobre a conservação dos edifícios, que devia ser uma preocupação permanente. Uma primeira ordenança real estabeleceu que os sacerdotes tomariam das contribuições sagradas o que fosse necessário para as reparações, II Rs 12.5-6. Como os sacerdotes não tinham cumprido seu dever, Joás, por uma nova ordenança, transferiu esse ofício ao poder civil: um mealheiro colocado na entrada do templo receberia as ofertas dos fiéis e seria de tempos em tempos esvaziado pelo secretário real, que remeteria o dinheiro aos mestres de obras ligados ao Templo, II Rs 12.7-17. Essa regulamentação ainda era seguida sob Josias e foi ao ir esvaziar o cofre e se informar sobre as reparações que seu secretário soube da descoberta do Livro da Lei, II Rs 22.3-10.

Além disso, os reis sempre mantiveram o controle sobre o Templo e sua atitude religiosa ou as considerações políticas guiaram a conduta deles a seu respeito. Acaz descartou o altar de bronze que datava de Salomão e fez construir um novo conforme o modelo do que ele tinha visto em Damasco, 11 Rs 16.10-16. Ele desmontou as bases rolantes e tirou os touros que sustentavam o Mar, provavelmente sem a intenção de mudar as regras do culto e somente para ter com que pagar o tributo que ele devia a Teglat-Falazar, II Rs 16.17, e foi para agradar a seu suserano apagando marcas de independência que ele suprimiu do Templo o estrado e a entrada real. O rei ímpio Manassés levantou no Templo altares para os falsos deuses e um ídolo de Ashera, II Rs 21.4-5,7.

Os reis piedosos, pelo contrário, purificaram o santuário dessas intrusões pagãs. Ezequias fez desaparecer o Neustan, um objeto idolátrico em que os israelitas reconheciam a serpente de bronze do deserto, II Rs 18.4. Josias principalmente, após a descoberta da Lei, limpou o Templo de todos “os objetos de culto que tinham sido feitos para Baal, para Ashera e para todo o exército do céu”, e o detalhe é impressionante: a estaca sagrada, o aposento das prostitutas sagradas onde as mulheres teciam véus para Ashera, os cavalos e o carro do Sol dedicados pelos reis de Judá, os altares que os reis de Judá linham levantado no terraço e os que Manassés tinha construído nos dois átrios, II Rs 23.4-12. A reforma foi efêmera: Ez 8 descreve os ritos heterodoxos praticados no Templo às vésperas de sua ruína. O Templo era o espelho da vida religiosa da nação e essas aberrações cultuais, que eram aceitas ou toleradas no santuário oficial do javismo, mostram quanto o sincretismo foi sempre um perigo. Elas explicam em parte por que houve, entre os fiéis autênticos, uma corrente de pensamento desfavorável ao Templo; voltaremos a isso.165 O rei tinha poder sobre o tesouro do Templo,166 mas esse tesouro despertava também a cobiça dos conquistadores: assim, depois de Salomão, ele foi esvaziado por Sheshonq, I Rs 14.26, e mesmo um rei de Israel, Joás, não temeu saquear a casa de Iahvé após sua vitória sobre Amazias, II Rs 14.14. A pilhagem dos santuários era um ato da guerra antiga: o Templo pós-exílico será saqueado por Antíoco Epifano, o Templo de Herodes pelos soldados de Tito.

Essa foi também a sorte final do Templo de Salomão. Desde a primeira invasão de Nabucodonosor, em 597, o tesouro do Templo foi pilhado ao mesmo tempo que o tesouro real, II Rs 24.13. Quando do segundo ataque, em 587, o Templo partilhou da ruína da cidade de Davi e de Salomão. Tudo foi levado, as duas grandes colunas e o Mar de bronze foram despedaçados e o metal foi mandado para Babilônia, II Rs 25.13-17; Jr 52.17-23. Era o fim do Templo que tinha sido o orgulho de Israel.

O TEMPLO PÓS-EXÍLICO

Na terra do Exílio, Ezequiel teve a visão de um Templo novo em uma Jerusalém restaurada e idealizada. Essa longa descrição, Ez 40.1-44.9 só nos interessa indiretamente pois esse edifício jamais foi realizado. Todavia, Ezequiel tinha visto o Templo de Salomão ainda em pé e deu a seu santuário a mesma disposição essencial; por outro lado, esses capítulos parecem ter inspirado as reconstruções posteriores do Templo, talvez a restauração de Zorobabel, com mais certeza o Templo de Herodes. Mas mais importante é o espírito dessa visão: é o projeto de um reformador que utiliza concretamente as ideias de santidade, de pureza, de espiritualidade que animam sua pregação. As manchas que tinham contaminado o antigo santuário devem desaparecer, cf. sobretudo Ez 43.1 -12; 44.4-9. O Templo se eleva em um quadrilátero sagrado, ele é isolado do domínio profano, protegido por dois cintos de muralhas onde portas controlam os que entram, nenhum estrangeiro pode entrar nele. Nada é dito das instalações cultuais, salvo o altar dos holocaustos diante do Templo: este altar se assemelha a um zigurate em miniatura, com seus três andares cujos nomes explicados pelo acádico, comportam um simbolismo cósmico, Ez 43.13-17, salvo também, no Hekal, um “tipo de altar” de madeira, que é “a mesa que está diante de Iahvé”, Ez 41.21-22, n antiga mesa dos pães da oblação. No Debir, chamado explicitamente o Santo dos Santos, Ez 41.3-4, não há mais a arca da aliança mas a glória de Iahvé enche o santuário, Ez 44,4, onde Iahvé habita no meio dos filhos de Israel, Kz 43.7, como no deserto, Êx 25.8. O Templo é o centro da teocracia restaurada, Ez 37.23-28. Essas idéias teológicas marcaram o pensamento do judaísmo muito mais do que a descrição de Ezequiel influenciou as reconstruções futuras.

Em 538 a.C., Ciro autorizou os judeus a voltarem para Jerusalém e a reconstruir o Templo de seu Deus às custas do tesouro real, e ele fez com que devolvessem a eles a mobília de ouro e de prata que Nabucodonosor tinha levado como despojo. Esse decreto de Ciro foi conservado em duas formas: em aramaico, citado pelo decreto de Dario, do qual vamos falar, Ed 6.3-5, em hebraico em Ed 1.2-4. A autenticidade do decreto aramaico é bem estabelecida, a do hebraico é muito contestada e é provável que seja uma composição do Cronista que, sabendo que havia existido um tal documento, reconstituiu seu texto. Contudo, lentou-se justificá-lo supondo que houve dois atos oficiais: um memorando em aramaico destinado ao tesoureiro real e guardado nos arquivos, e uma proclamação em hebraico dirigida aos judeus.

Os primeiros exilados a voltarem para a Palestina restabeleceram um altar sobre o antigo sítio, Ed 3.2-6, e começaram os trabalhos do Templo sob a direção de Sesbazar, Ed 5.16. Parece que na ocasião só foi possível desobstruir o traçado das antigas paredes e nivelar em volta; depois os trabalhos foram interrompidos, por uma obstrução dos samaritanos segundo Ed 4.1-5, pela negligência dos judeus segundo Ag 1.2. Eles só foram retomados no segundo ano de Dario, em 520 a.C., sob a direção de Zorobabel e de Josué e com o encorajamento dos profetas Ageu e Zacarias, Ed 4.24-5.2; Ag 1.1-2.9; Zc 4.7-10. O sátrapa do Transeufrates, Tatenai, inquieto por causa dessa atividade, pediu instruções a Dario que, atendendo ao memorando de Ciro, ordenou que seus termos fossem respeitados e que se permitisse aos judeus continuar os trabalhos. Eles foram acabados em 515 a.C.

Desse Templo sabemos muito pouca coisa. O decreto de Ciro prescrevia suas medidas, Ed 6.3 (o texto infelizmente está corrompido), e seu modo de construção: três fiadas de pedra e uma de madeira, Ed 6.4, cf. 5.8, como nas construções salomônicas.167 É certo que o edifício tinha o mesmo desenho que o antigo e é provável que mantivesse as mesmas dimensões. Os edifícios anexos são atestados pelos livros de Esdras e de Neemias: câmaras onde seriam depositadas as oferendas trazidas por Esdras, Ed 8.29, o que lembra o edifício lateral do Templo de Salomão, I Rs 6.5-10, e também as células laterais ou as câmaras de Ez 41.5-11; 42.1-14. É nessas dependências que um alojamento tinha sido concedido a Tobias, que foi expulso dele por Neemias, Ne 13.4-9.

Segundo Ed 3.12-13 e Ag 2.3, os velhos que tinham visto o Templo antigo choraram diante do novo, que era “igual a nada”. Concluiu-se daí apressadamente que o Segundo Templo era uma coisa pobre, mas os dois textos invocados referem-se bem ao início da construção e não à sua forma acabada, e o texto de Esdras se inspira no de Ageu. É bem provável que os pagamentos que Ciro tinha prescrito sobre o tesouro real e Dario sobre o imposto do Transeufrates, Ed 6.4 e 8, não foram entregues rigorosamente, e que tenha sido necessário recorrer aos recursos locais, que eram modestos; mas o relatório de Tatenai testemunha que o trabalho era sólido e cuidadoso, Ed 5.8, e o resultado, se não atingiu o luxo lendário do Templo de Salomão, deve ter sido adequado. Para encorajar os construtores, Ageu prometeu que os tesouros das nações aí afluiriam e que a glória do novo santuário ultrapassaria a do antigo, Ag 2.7-9.

Nos confins dos séculos IV-III a.C., Hecateu de Abdera, citado por Josefo, C. Ap. I xxii, fala do templo como um grande edifício que se eleva em uma muralha ao lado de um altar de pedra, que tem as dimensões do altar de Salomão, conforme II Cr 4.1, e do de Ezequiel, Ez 43.13-17.0 edifício contém um altar e um candelabro de ouro, cujo fogo não se extingue jamais. Um século mais tarde, a Carta de Aristéias, que é um escrito de propaganda judaica, descreve com ênfase o santuário esplêndido, os três períbolos que limitavam ao átrios, a cortina pendurada diante de sua porta, o altar e sua rampa de acesso. Para a mesma época, Josefo nos conservou, Ant. XII iii 4, uma ordenança de Antíoco III, cuja autenticidade foi recentemente defendida com bons argumentos. Ela proibia a todo estrangeiro entrar no recinto do santuário, como farão mais tarde as inscrições da barreira que limitava o átrio dos Gentios no Templo de Herodes. A ordem de Antíoco pode ter sido afixada ou gravada em um lugar análogo do Templo de Zorobabel, talvez sobre a “parede do pátio interno do santuário” que Alkimo, sumo sacerdote intruso, quis demolir para agradar aos gregos, I Mb 9.54.

Os livros de Macabeus nos dão alguns detalhes sobre o Templo a propósito de sua pilhagem por Antíoco Epifano, em 169 a.C.: ele levou o altar de ouro, o candelabro, a mesa de oblação, o véu, o folheado de ouro, os vasos preciosos e os tesouros, I Mb 1.21-24; II Mb 5.15-16. Isto, como a história de Heliodoro, II Mb 3, supõe que o Templo era rico. Em 167, o Templo assim despojado foi profanado pela supressão dos sacrifícios legítimos e a introdução do culto de Zeus Olímpio, I Mb 1.44-49; II Mb 6.1-6, “a abominação da desolação”, Dn 9.27; 11.31. Três anos depois, em 164, Judas Macabeu purificou o Templo, o reparou, construiu um novo altar, restabeleceu o candelabro no santuário, o altar dos perfumes, a mesa e as cortinas; o culto foi restabelecido e a festa da nova dedicação foi depois celebrada a cada ano, I Mb 4.36-59.

Cem anos mais tarde, quando Pompeu tomou Jerusalém, ele entrou no Templo mas respeitou o santuário e não tocou no tesouro que era estimado em 2000 talentos. Em 20/19 a.C., Herodes empreendeu uma reconstrução total, que foi acabada, no essencial, dez anos depois. Mas o Templo de Herodes já não pertence às instituições do Antigo Testamento.

——- Retirado de: Vaux – Instituições de Israel no Antigo Testamento.


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