Os Judeus do Vale de Hinom

As narrativas do AT evidenciam a decadência moral tanto do Reino do Norte (Israel) quanto do Reino do Sul (Judá). Ou seja, é a própria Bíblia que nos mostra como o povo de Deus quebrava constantemente a lei, tanto individual quanto coletivamente. Mas além disso, a Bíblia também nos mostra que nem mesmo a adoração exclusiva a Iavé foi preservada. Particularmente nas narrativas dos livros dos Reis e das Crônicas, vemos a idolatria dos hebreus como principal motivo para a destruição dos dois reinos: em 722 a.C., o Reino de Israel caiu definitivamente nas mãos do Império Assírio com a destruição de sua capital, Samaria; e cerca de 125 depois, Judá teve um fim ainda mais trágico, com Jerusalém sendo tomada e devastada por Nabucodonosor, rei do Império Neobabilônico, quando o templo foi destruído.

Esse destaque devastador não aconteceu de forma aleatória, mas como consequência de sucessivos levantes contra o já estabelecido domínio babilônico. Os últimos reis-fantoches de Judá, principalmente Zedequias, tentaram se aliar aos seus vizinhos para reverter a dominação babilônica que, naquele momento, se contentava com o pagamento de tributos e prestação de lealdade. Após essa revolta ser descoberta, as tropas babilônicas foram enviadas novamente para Judá e seguiu-se um cerco a Jerusalém que durou quase dois anos. Ao fim desse período, a cidade caiu e foi destruída, ou seja, a política de dominação dos babilônios, que no início consistia em manter a dinastia de Davi como seus reis-títeres, foi mudada para uma estratégia mais extrema por causa da rebeldia dos próprios reis de Judá.

A destruição de Jerusalém em 586 a.C. levou à deportação de uma parcela importante da população. A elite e a classe educada, a nata da então sociedade judaica, foram levadas cativas para a Babilônia, onde se estabeleceram. De acordo com Scott,

O número exato de judeus levados para a Babilônia é incerto: 2Reis 24:14 observa 10 mil na deportação de Joaquim; Jeremias 52:28-30 lista 4.600 em três deportações distintas (o número talvez inclua apenas os homens adultos). Em todo caso, o total era apenas uma pequena parte da população; expressivamente, no entanto, parece ter incluído os líderes da nação. Outros hebreus procuraram lugares de refúgio no Egito (Jr 43:1-7) e em outras partes. É provável que a guerra tenha desestabilizado de forma séria apenas as imediações de Jerusalém, e a vida nas áreas vizinhas tenha continuado, em parte, como era antes.

Embora a elite tenha sido levada cativa, uma parte considerável dos judeus permaneceu em sua terra (cf. 2Reis 25:12; Jeremias 39:10; 52:16). De acordo com McNutt, os túmulos encontrados no Vale de Hinom indicam que, mesmo durante o exílio, havia pessoas vivendo nos arredores de Jerusalém. Após a destituição da dinastia davídica, os babilônios colocaram sobre a administração da terra outro judeu, Gedalias, que não tinha sangue real (cf. 2Reis 22:3-14), entretanto, a ordem social já estava completamente abalada na região. Com o temor de uma nova investida dos babilônios, muitos judeus começaram a se espalhar por regiões circunvizinhas. Ademais, vários levantes revoltosos contra a Babilônia aconteceram, um deles capitaneados por Ismael, integrante da casa real davídica (cf. Jeremias 41:1). Entretanto, essas movimentações serviram apenas para que a Babilônia intensificasse seu controle sobre a região.

A destruição do templo de Jerusalém trouxe sérias consequências para os judeus. Primeiramente, a base da própria religião judaica foi destruída. O templo era considerado o lugar da habitação de Iavé. Todos os sacrifícios e todas as celebrações litúrgicas importantes ocorriam naquele lugar. Sem o templo, a casta sacerdotal perdeu a sua razão de ser. O lugar que simbolizava a aliança de Iavé com o seu povo por meio da eleição – pois em Sião Iavé depositaria o seu Nome (cf. Sl 68:17; 76:3; 78:68) – agora não existia mais.

Em segundo lugar, a destruição do templo significou o questionamento da existência dos judeus como nação, uma vez que se tratava do maior símbolo da garantia dos judeus como povo eleito e protegido por Iavé. Os judeus começaram a viver a diáspora, ou seja, a dispersão dos judeus pelo mundo. A perda da posse da terra também pode ser vista como uma ruptura grave na aliança entre Iavé e Judá, uma vez que Canaã era garantia e cumprimento da promessa de Deus a Abraão e à sua descendência. Longe da terra e em contato com os povos gentios, pouco a pouco a identidade nacional e os vínculos religiosos que os tornavam coesos se perderam depois de 586 a.C.

Jeremias, um membro da família sacerdotal (Jr 1:1), foi chamado para profetizar durante o trigésimo primeiro ano do reinado de Josias (2Rs 22:1). Ele foi o último dos reis de Judá dos quais está escrito: “Fez ele o que era reto perante o SENHOR, andou em todo o caminho de Davi, seu pai” (22:2). Os reis que o sucederam não fizeram o que era reto aos olhos de Yahweh. Jeremias teve muitas dificuldades e tristezas enquanto proclamava a queda da casa de Davi e o exílio do reino de Judá. Ele foi forçado a unir-se a um grupo remanescente de Judá que fugiu para o Egito (43:6) após os babilônios levarem muitos cidadãos de Judá em cativeiro.

O exílio babilônico significava o fim da monarquia, mais especificamente da dinastia de Davi, criando uma ruptura naquilo que Deus havia prometido em relação à longevidade desse reino (2Sm 7:12-16). Agora, pela primeira vez na história do povo de Deus não haveria mais um governo autônomo, com legitimidade divina. Judá estaria sob a dominação e jurisdição direta dos reis babilônicos e persas durante quase um século. Estava instaurada uma crise relacionada com a própria manutenção e sobrevivência de Judá como povo da aliança.

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