Os Patriarcas na Palestina

Enquanto o Antigo reino dos heteus ganhava força e influência, os patriarcas hebreus davam continuidade à sua existência nômade em Canaã. Abraão não desejava permitir que seu filho Isaque se casasse com uma mulher heteia, isto é, uma nativa de Canaã, e por isto enviou seu servo Eliézer a Harã, para dali conseguir uma esposa entre os seus parentes de Harã. Foi feito um contrato de casamento em nome de Rebeca (a noiva em potencial), por seu irmão Labão, que agiu em nome de seu pai idoso, Betuel, e assim Rebeca chegou a Canaã.

Pouco tempo depois, Abraão morreu e foi sepultado com Sara, na cova de Macpela. A união de Isaque e Rebeca, que, a princípio, não produziu descendência, foi enriquecida com o nascimento de gêmeos, Esaú e Jacó. O primeiro reivindicava o direito de primogenitura. Esaú era o filho favorito de Isaque, e mostrava interesse por atividades agrícolas. Isto pode, talvez, ser interpretado como uma indicação de que Isaque assinala a transição do modo de vida nômade para o seminômade entre os patriarcas.” A narrativa do livro de Gênesis retrata as relações entre os vários membros da família com uma abordagem de percepção e delicadeza. Com típica astúcia oriental, Jacó conseguiu comprar o direito de primogenitura de Esaú, e então enganou seu pai cego levando-o a uma declaração equivocada da sua bênção final. Como esta bênção era considerada obrigatória, de acordo com o costume contemporâneo, a trapaça despertou a ira de Esaú, e Jacó foi enviado a se refugiar em Harã, onde viveu com seu tio, Labão.

Durante a sua viagem, Jacó teve uma manifestação Divina (Gn 28.11 e versículos seguintes), que confirmou a aliança feita com Abraão, e assegurou-lhe a continuidade da bênção Divina. Quando chegou a Padã-Arã, Jacó, aparentemente, foi adotado por Labão, e concordou em servi-lo durante sete anos, para obter a mão de Raquel, uma das filhas de Labão. No final deste período, Jacó foi ludibriado e casou-se com Leia, a irmã mais velha de Raquel, e foi forçado a trabalhar outros sete anos, sem receber pagamento, para conseguir Raquel como sua esposa. Enquanto isto, Labão teve filhos, que mudaram toda a situação de Jacó (se é que tinha sido realmente adotado por Labão, o que parece muito provável), privando-o de seus direitos de herdeiro. LJma vez que a sua posição na família agora tinha se deteriorado, Raquel e Leia conspiraram, com Jacó, planejando íugir de casa, e antes da partida Raquel roubou os ídolos da casa, que, segundo a lei de Nuzu, eram propriedade do filho natural, e não do adotivo. Durante a fuga, foram alcançados por Labão, que protestou e exigiu de volta os deuses ou terafins da casa que, mesmo depois de uma busca, tinha sido incapaz de recuperar.

A luz dos costumes que conhecemos da época, Jacó, suas esposas e todos os seus bens ainda pertenciam, legalmente, a Labão (se Jacó estivesse na posição de um filho adotivo, que tinha deveres filiais para com os pais adotivos). Este impasse foi solucionado com um gesto magnânimo por parte de Labão, que permitiu que suas filhas partissem com Jacó depois de terem feito um acordo solene, segundo o qual Jacó se comprometia a não contrair novos casamentos, e prometia respeitar os limites territoriais de Labão.

A caminho de Canaã, Jacó encontrou-se com seu irmão, Esaú, perto do rochoso cânion (vale de Jaboque), no leste da Palestina. Os dois homens se comportaram com dignidade, e Esaú graciosamente perdoou a Jacó, que se inclinou a terra sete vezes, como exigiam os costumes da época em tais ocasiões. Esaú foi viver em Edom, onde obteve considerável autoridade local como um patriarca, enquanto Jacó viajava em Siquém e Hebrom. Em sua chegada a Siquém, Jacó comprou terras de Bene-Hamor, estabeleceu-se no lugar e passou a dedicar-se a atividades agrícolas. Quando Diná, uma de suas filhas, foi objeto de um interlúdio amoroso nas mãos de um príncipe siquemita, dois dos olhos de Jacó, Simeão e Levi, realizaram um ato enganoso contra Bene-Hamor. A resultante matança dos siquemitas aborreceu Jacó, porque ele não tinha aliados na época e estava em uma posição econômica vulnerável, devido à sua chegada recente ao local. O incidente não teve represália, e pode ter resultado, de maneira indireta, no prestígio de Jacó.

Ao receber uma ordem Divina para residir em Betel, depois de assegurar que todos os seus ídolos domésticos tinham sido enterrados, ele mudou a sua casa para lá (Gn 35.4). Isto é uma evidência do fato de que os patriarcas ainda se apegavam, de alguma maneira, aos seus deuses domésticos mesopotâmios tradicionais. Em Betel, Deus renovou a sua aliança com Jacó e, como uma comemoração, concedeu-lhe o seu novo nome, “Israel”. A família então se mudou outra vez de Betel para a vizinhança de Jerusalém, e foi aqui que Raquel morreu, ao dar à luz ao seu segundo filho, Benjamim. Pouco tempo depois, ocorreu outro luto na família, com a morte de Isaque, já em idade avançada, e foi enterrado junto a Esaú e Jacó, na cova de Macpela (Gn 35.29).

As Narrativas a Respeito de José

Neste ponto, as narrativas dos patriarcas dão início às histórias sobre José, o filho mais velho de Raquel, e o favorito de Jacó. O ressentimento com que seus meios-irmãos recebiam sua popularidade com seu pai, aumentou quando José teve dois sonhos que indicavam que seria muito superior a eles, em posição e autoridade. Por maldade, seus irmãos o venderam como escravo a uma caravana de midianitas que viajavam para o Egito, mas deram ao idoso Jacó a impressão de que José tinha sido devorado por animais selvagens. A delicadeza com que é retratada a reação de Jacó é característica da beleza e do drama primorosos destas narrativas, que estão entre as mais impressionantes de toda a Bíblia. Quando José chegou ao Egito, tornou-se escravo de Potifar, um oficial militar egípcio, e logo era responsável por toda a casa. Quando a esposa de Potifar alimentou uma paixão por José, ele resistiu às suas adulações, até que, como vingança, a mulher frustrada caluniou José a seu marido, que mandou prendê-lo imediatamente. Este infeliz incidente tem um correspondente em um conto do século XIII a.C. da vida egípcia, intitulado “Conto dos dois irmãos”. Esta composição romântica fala da sedução pretendida contra um homem virtuoso chamado Bata pela esposa de seu irmão mais velho, Anubis.

Como José, Bata foi caluniado pela sua virtude, mas foi forçado a suportar um grau de humilhação física muito maior do que aconteceu com José. José desfrutou do favor Divino, até mesmo na prisão, e a sua habilidade de interpretar sonhos não somente assegurou a sua libertação do cativeiro, mas o levou a uma posição de grande importância na vida política egípcia. Quando Faraó foi incapaz de interpretar um sonho que anunciava fome, José foi trazido diante dele, para uma audiência real, vestido com roupas limpas e com a barba feita à maneira egípcia. Quando José aconselhou Faraó a guardar a produção de grãos que resultasse do período de fartura, antecipando a fome que viria a seguir, recebeu a tarefa de supervisionar o projeto. Com esta responsabilidade vinha o elevado cargo de vizir, ou ministro, que o tornava, na verdade, o administrador principal do país, e supervisor da economia nacional. De acordo com a tradição egípcia, José recebeu de Faraó um anel com sinete, vestes de honra e um colar dourado. Quando viajava pelo país, somente era superado, em dignidade e autoridade, pelo rei do Egito, e tinha servos que precediam o seu carro, gritando, “Prestem atenção”.’ José, a seguir, se casou com a filha de um sacerdote de Heliópolis e posteriormente teve dois 61hos, Manasses e Efraim.

A fome que José tinha predito, e para a qual havia feito amplas provisões, se estendeu aos seminômades semitas na Palestina, e em outros lugares, e estes povos vinham periodicamente ao Egito, para comprar grãos. Os irmãos mais velhos de José foram enviados, pelo idoso Jacó, com o mesmo propósito, e foram reconhecidos por José, embora não se dessem conta da sua identidade. A narrativa que descreve a maneira como ele lidou com seus irmãos consiste de habilidosos exemplos de drama e suspense, que culminaram com a feliz reunião de toda a família no Egito. O faraó os tratou com hospitalidade, e os instalou em Gósen, uma região do delta do Nilo, bastante adequada à pastagem e a determinados tipos de agricultura. O quadro de Benê-Hasã, ao qual já se fez referência, retratou a chegada no Egito de um grupo de nômades semitas ocidentais do período patriarcal, que fornece um cenário autêntico da migração de Israel e de seus filhos ao Egito. Uma inscrição egípcia do século XIV a.C. confirma isto, mostrando que os oficiais de fronteira estavam acostumados a permitir que os habitantes de territórios sob controle egípcio entrassem na região de Gósen, durante os tempos da fome.

A medida que a fome no Egito crescia e ficava cada vez pior, José gradativamente convertia a terra, seus habitantes e seus pertences em propriedade real. O povo tinha que cultivar a terra e entregar um quinto da produção ao Faraó, mas os sacerdotes eram isentos desta obrigação, uma vez que o Faraó já tinha designado terras da coroa para o uso deles. Muitos estudiosos associaram o assentamento israelita no Egito com as conquistas dos hicsos (1720-1570 a.C.) naquela região. Os hicsos faziam, provavelmente, parte do grande movimento nômade da Mesopotâmia, que tornou-se pronunciado por volta de 1900 a.C. Estes “governantes de terras estrangeiras”, como os egípcios os descreviam, eram um grupo mesclado de povos asiáticos, com um elemento semita predominante que provavelmente incluía alguns habiru nômades.33 No século XVIII, os hiscos estabeleceram um reino poderoso na Síria e em Canaã, que tinha estado anteriormente sob controle egípcio. Eles forti6caram a terra em pontos estratégicos (um dos quais era Jerico), por meio de fortes cercados de proteções de terra batida (terre pisée), que eram conhecidas pelos hebreus como “khaserim” (Dt 2.23 — “caftorins” na ARC). Por volta de 1720 a.C, eles entraram no próprio Egito, e por aproximadamente dois séculos controlaram a maior parte do país, da sua capital em Avaris, que também foi chamada de Tânis, no delta do Nilo. Os hicsos eram um povo guerreiro de considerável prosperidade material, e foram os primeiros a introduzir o cavalo e o carro puxado por cavalos, no Egito como armas militares.

Se houvesse alguma conexão entre os hicsos e os hebreus nômades, a entrada destes últimos no Egito teria sido menos difícil sob governantes hiscos do que sob uma dinastia egípcia, uma vez que os egípcios nativos não eram particularmente tolerantes aos estrangeiros, especialmente se houvesse oportunistas políticos entre eles. Mas antes que as implicações desta situação possam ser examinadas um pouco mais, é necessário inserir todo este período no cenário mais amplo da história antiga egípcia.

——- Retirado de R. K. Harrison – Tempos do Antigo Testamento.


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