
Lendas Arthurianas e Halloween
Essas são as primeiras, ou talvez as únicas, lembranças que grande parte das pessoas têm em mente quando pensam no legado cultural dos celtas para o ocidente.
No primeiro caso, as lendas arthurianas, estamos falando de um corpus de narrativas de autorias conhecidas ou anônimas circulantes desde o século 6 d.C. e que incorporaram e mesclaram diversos relatos históricos, literários e religiosos. Nessas obras, entramos em contato com as aventuras do Rei Arthur, governante da Bretanha e portador da poderosa espada Excalibur. Ao lado de sua esposa, a Rainha Guinevere, dos cavaleiros da Távola Redonda como, dentre outros, Lancelot, Gawain, Kay, Perceval, Galahad, e auxiliado pelo seu mentor, o mago Merlin, Arthur luta contra inimigos diversos do castelo de Camelot, entre eles, a sua meia-irmã, a bruxa Morgana e seu filho, Mordred. Essa é a versão da história, impregnada da ideologia cristã em relação às mulheres e às crenças não-cristãs, que chegou a nós em fins do século XV no romance Le Morte D’Arthur (1485), de sir Thomas Malory, obra que congrega e unifica as diferentes versões dos textos medievais.
No segundo caso, o Halloween, falamos de uma celebração amplamente difundida hoje na América e na Europa, popularmente conhecida também como “O Dia das Bruxas”, e que possui raízes no grande festival de Samhain, início do calendário celta, no dia 1° de novembro. Tratava-se de uma celebração pastoral, marcando o começo do período de dias mais curtos e noites mais longas no Hemisfério Norte, que se realizava depois das colheitas e de feitas as oferendas aos antepassados para compartilhar a boa sorte. Segundo John Sharkey (1994), até o fim do século XX, na Irlanda, ainda se faziam as limpezas das casas e alimentos eram deixados nas mesas ou nas entradas das moradas para os antepassados na véspera do dia de Todos os Santos. Especula-se que essa seja uma das origens do costume das crianças norte-americanas de se fantasiar e passar nas residências das pessoas em busca de doces e outros aperitivos.
Mas, quando detemos o nosso olhar nestas duas expressões culturais, encontramos, sob a superfície dos romances medievais de cavaleiros com armaduras brilhantes e das abóboras iluminadas em meio a vestimentas infantis de bruxas, a presença de um repertório ancestral de narrativas, ainda envoltas em mistérios. Se no século XXI você precisa viajar até as baías e penhascos do extremo oeste da costa marítima da França, Inglaterra, Irlanda ou ilhas da Escócia para estar mais próximo da cultura celta, no passado essa tarefa seria mais fácil. De fato, os celtas já dominaram grande parte da Europa desde o Mar Negro até o oceano Atlântico.
Neste ponto, é importante destacar que não existe um único povo celta, mas sim uma civilização composta de diferentes tribos que compartilhavam a mesma língua, crenças religiosas, estilos artísticos e tradições. Tendo as suas origens nas regiões da Europa Central, foi a partir do ano 1200 a.C. que essa cultura começou a se formar de forma mais coesa, a partir dos registros da existência de uma língua céltica em meio a tribos guerreiras.
As primeiras referências históricas a respeito dos celtas ocorrem no Império Romano entre os séculos VIII a.C. e VII a.C., quando os romanos passaram a usar o termo “Galli” (“Bárbaros”) para nomear os gauleses, celtas da antiga região francesa da Gália imortalizados hoje nas histórias em quadrinhos de Asterix e Obelix, criações de Albert Uderzo e René Goscinny. Já o primeiro registro escrito sobre as tribos celtas pode ser encontrado em fins do século VI a.C. nos trabalhos do geógrafo grego Hecateu de Mileto, que descreveu a região de Narbonne, na atual França, como uma cidade de celtas. No século seguinte, o historiador grego Heródoto descreveu os Keltoi (“bárbaros”) como o povo que habitava tanto as regiões mais extremas ao oeste do continente europeu quanto os territórios do rio Danúbio. Encontra-se aqui em Heródoto com a palavra “keltoi”, a origem do nome “celta”.
Diga-se de passagem, neste ponto, que há poucos indícios de que esses povos chamassem a si mesmos de “celta”. Estamos falando aqui de tribos que se identificavam como Icenos, Trinovantes, dentre outras denominações. Todavia, por conta de suas proximidades culturais e das trocas comerciais entre as aldeias realizadas pelos rios europeus, é correto considerá-los como uma civilização relativamente coesa e distinta da romana e da grega. Seriam também os romanos que, a partir do século II a.C., começaram a pressionar esses povos, empurrando-os para as extremidades ocidentais do continente europeu e para as ilhas britânicas.
OS DRUIDAS
Em termos de organização social, a figura mais lembrada dos celtas até hoje, tendo atravessado os séculos e se tornado parte da cultura de entretenimento, é o druida. Em Os melhores contos de fadas celtas, esse personagem fascinante aparece em contos como “A história de Deirdre” (1892), de Joseph Jacobs e “A tosa da lã encantada” (1904), de Anna MacManus.
Os druidas desempenhavam papel chave na sociedade celta, controlando o seu poder político e religioso. Tão forte era a influência dos druidas sobre seu povo que eles eram vistos como uma ameaça pelo próprio Império Romano. Entre os anos de 58 a.C. e 57 a.C., Júlio César mandou esmagar primeiramente esses sacerdotes e seus bosques sagrados antes de prosseguir seus ataques à Gália. A mesma tática foi seguida na Bretanha romana no ano 61 d.C., quando o governador Suetônio Paulino acabou com os druidas na região de Anglesey, no País de Gales, oficializando o domínio romano sobre a Bretanha.
A partir desse ponto, é incerto afirmar como o druidismo sobreviveu na Irlanda e nas terras baixas da Escócia, visto que registros históricos começaram nestas áreas apenas após a conversão da população local ao Cristianismo a partir do século V.7 Por esta razão, ao longo da Idade Média a figura do druida passou gradativamente da esfera da História para a dos textos religiosos e da Literatura. O que sabemos hoje sobre os druidas durante o período medieval vem única e exclusivamente através dos registros de monges católicos, que obviamente tinham interesse especial em descrevê-los da perspectiva de um povo derrotado e pertencente ao passado.
A imagem recorrente dos druidas no imaginário popular os situa em meio aos bosques e florestas. Essa relação entre os druidas e as árvores advinha da crença de que os seus deuses e deusas não habitavam o céu ou o topo de uma montanha, mas as árvores, rios, córregos e colinas. Esta forma de visão religiosa, conhecida como Panteísmo, contempla a existência do divino dentro do mundo físico e é distinta de outras religiões que o consideram como uma forma separada ou transcendente sobre a natureza.
Ao contrário do que comumente se imagina, os druidas não se constituíam como um grupo único. Eles se organizavam em três classes com funções que por vezes se sobrepunham: primeiro, havia os “druidas” que eram os legisladores, os responsáveis pelos ensinamentos de astronomia, astrologia, magia, medicina e pelo aconselhamento dos governantes. Em segundo lugar, os “vates” ou “ovates”, encarregados das profecias e dos ofícios sacerdotais. Por fim, a terceira classe dos “bardos”, guardiões da história e da sabedoria celta por meio da poesia e da narração de histórias. Com a queda dos druidas, conforme acredita Leslie Ellen Jones (2002) a partir de pesquisas etnográficas, os bardos podem ter assumido, ao longo da Idade Média, o papel de poetas e contadores de histórias, incorporando também a função dos vates, ao passo que o lugar dos druidas como conselheiros de reis foi ocupado por membros da Igreja Católica medieval. Essa passagem do mundo dos druidas e seus deuses para o mundo do Deus único do Cristianismo é um elemento recorrente das lendas arthurianas e suas adaptações para a Literatura, o Cinema e a TV, como visto na quadrilogia iniciada por As brumas de Avalon (1979), de Marion Zimmer Bradley, no filme Excalibur (1981) e na série Cursed: a lenda do lago (2020).
Falando em religião, duas das maiores diferenciações interrelacionadas dos celtas em relação aos gregos e romanos eram a constituição e organização de suas divindades e o lugar reservado ao feminino nesta sociedade.
Quando pensamos em deusas e deuses no ocidente, logo lembramos da mitologia greco-romana e nórdica e, principalmente, dos seus respectivos mitos de criação e de fim, assim como da organização de seus panteões. Sabemos como o universo se iniciou, quem são os governantes supremos, suas relações de parentesco, atribuições, poderes de cada divindade e como essas entidades encontrarão o seu fim.
Mas e quanto aos Celtas? Bem, como explicamos em Quem eram os celtas?, a falta de um mito celta mais robusto sobre o início do universo tem levado alguns estudiosos a acreditar que essas tribos compartilhavam a visão de que o seu mundo estava em contínua criação ou de que ele sempre existiu. Isso também se aplicava na descrição da esfera sobrenatural. O outro mundo celta possuía similaridades com o Tempo do Sonho dos aborígines australianos, no sentido de proximidade e interseção com a nossa realidade. Assim, como o leitor e a leitora poderão constatar nos contos “A tosa da lã encantada”, de Anna MacManus, e “Princesa Finola e o anão” (1890), de Edmund Leamy, as divindades e lugares encantados podiam afetar diretamente o nosso mundo. Todavia, estes seres não podiam entrar ou sair quando e onde quisessem, mas somente em pontos específicos no tempo e no espaço onde o acesso fosse possível.
Os celtas também acreditavam que as pessoas podiam adentrar territórios sobrenaturais. Alguns o faziam por acidente, confundindo o lugar sobrenatural com a nossa realidade, enquanto outros eram sequestrados, por exemplo, por uma bela dama encantada que desejava uma companhia humana, ou ainda por outra criatura sobrenatural à procura de um músico para uma celebração no além ou para a solução de algum problema. Esses são os casos, respectivamente, dos contos “Tam Lin” (1860), de Francis James Child e “O caçador de focas e o sereiano” (1910), de Elizabeth W. Grierson.
O outro mundo tinha a mesma aparência do nosso, mas era perceptivelmente mais belo e imutável quanto à passagem do tempo. As árvores floresciam e frutificavam ao mesmo tempo e ninguém nunca envelhecia; a morte não tinha domínio naqueles territórios do sobrenatural. Esse fato evidencia a visão celta da contínua mudança, expressada em festivais como o de Samhain, em que os antepassados mortos eram celebrados de forma a garantir a prosperidade da comunidade dos vivos, como um fluxo contínuo de existência. Entende-se aí o porquê de os celtas tomarem o pôr do sol como o início de um novo dia. Nesta leitura, o sol morria no Oeste, onde ficavam localizadas as ilhas mágicas e o outro mundo, descia até a terra subterrânea dos mortos durante a noite e renascia forte e vigoroso no Leste, mantendo assim o ciclo perpétuo da natureza.
No outro mundo viviam os grandes deuses e deusas celtas, mas não havia uma organização específica como conhecemos na mitologia clássica e nórdica. Ao invés disso, haviam várias divindades, muitas das quais eram específicas a uma região ou comunidade e com atributos diferentes. Os celtas eram tão politeístas que o juramento usual praticado entre eles era “Eu juro pelos deuses que meu povo jura”.
Mas, ainda que o panteão celta fosse descentralizado, alguns deuses e deusas apareciam recorrentemente em muitos lugares, geralmente sob nomes diferentes. Este era o caso da Deusa Tripla, do deus chifrudo e das divindades dos rios e outros locais da natureza. Cabe ressaltar que os celtas não representavam suas divindades na forma humana porque todas elas tinham o poder de mudar de forma e assumir a aparência de outras pessoas e animais. Por esta razão, não havia uma tradição nativa de esculpi-los ou pintá-los em sua forma física. Foi apenas após a conquista romana que começou a surgir, na área do Mediterrâneo, esculturas e pinturas de deuses e deusas celtas nas formas de homens e mulheres romanas. A maior parte dos contos desta coletânea traz este elemento da mudança de forma corporal, seja como proveniente dos poderes sobrenaturais de seres específicos, caso de “O lobo-cinzento” (1871), de George MacDonald e “O rei do Deserto Negro” (1904), de Douglas Hyde ou como resultado de maldições ou castigos, conforme visto em “Filhos de Lir” (1894), de Joseph Jacobs.
Apesar dos deuses e deusas celtas não estarem organizados de forma hierárquica, é possível observar a existência de uma estrutura familiar entre essas divindades, algo observado com a Deusa Mãe dos Tuatha Dé Danann, na mitologia irlandesa. No geral, todos os celtas acreditavam nessa deusa cuja generosidade e fecundidade faziam com que a vida fosse possível.
Segundo as narrativas, geralmente a deusa mãe era a ancestral de todos os povos celtas, enquanto, em outras versões, ela aparece como a ancestral dos próprios deuses. Conhecida pelos nomes de Dana, Danu, Dôn ou Anu, essa deusa tem sido conectada com outra divindade feminina aquática indo-europeia identificada por “Danu”, cujo nome sobrevive em rios como o rio Danúbio, que atravessa a Europa do oeste ao leste, e o rio Don, na Rússia. Ainda que, nesta interpretação, Dana fosse originalmente uma deusa dos rios, ela também passou a ser identificada com a terra pelo fato de que são as suas águas que banham e nutrem o solo, garantido a colheita e o cultivo de animais. Estão presentes nesse processo as três faces femininas: a virgem, que dá início ao ciclo da vida; a mulher grávida, representando a fertilidade, a capacidade do feminino em gerar filhos; e a anciã, completando o ciclo natural e imbuída da sabedoria advinda das experiências da vida. Dentro deste contexto da Deusa Mãe, é importante salientar o lugar de destaque que os povos celtas atribuíam à mulher dentro da sua sociedade.
Diferente de outras culturas, principalmente a cristã no período medieval, a mulher celta usufruía de liberdade e direitos. Entre estes direitos estavam a participação nas batalhas e a solicitação do divórcio. Essa igualdade também se manifestava na posição de liderança ativa que algumas mulheres tinham em suas tribos, como a da célebre rainha Boadiceia, que no ano de 61 d.C. ameaçou a soberania de Roma na Bretanha.
Mas, certamente, serão nas narrativas orais que deram forma aos contos que você verá nos links abaixo que será possível compreender o misto de fascínio e temor que as mulheres causavam entre os celtas.
Ao longo das páginas, somos apresentados a damas amaldiçoadas desde os seus nascimentos, transmorfas capazes de assumir a forma de vários animais, jovens transformadas em outros seres ou em demônios do ar, soberanas de terras encantadas e entidades femininas que surgem das águas e interagem com os humanos, nem sempre com resultado positivo para estes últimos. Em todos os casos, o que fica evidente é a exposição da face arcana do feminino e sua conexão com a natureza. Desde as brumas do tempo, o ser humano aprendeu a depositar sua confiança na inexorabilidade da natureza, que ganha expressão no ciclo das estações do ano e na alternância do dia e da noite. A partir dessa confiança, ele conseguiu organizar colheitas e a criação de animais.
Todavia, se a natureza possui um lado bucólico, também tem um lado perigoso. A brisa que nos acolhe hoje pode se tornar a tempestade de amanhã. Desde a aurora da civilização humana essa dualidade da natureza encontrou a sua personificação no corpo da mulher: afinal de contas, como compreender uma criatura que, aos olhos do patriarcado, é capaz de gerar a vida, mas também se liga à morte pela eliminação regular do sangue, um fluído desde sempre ligado ao viver?
Foi esse pensamento que fomentou o surgimento de criaturas sobrenaturais femininas, intimamente ligadas aos celtas, responsáveis tanto pelo nascer das plantas e do fluxo dos rios quanto pelo acometimento de enfermidades e outros problemas que deixavam as comunidades do passado intrigadas pelo mistério e imprevisibilidade de sua ocorrência. A mesma criatura que empresta o seu nome às histórias que você lerá a seguir: a fada.
Como aponta Nelly Novaes Coelho em O conto de fadas (1998), há pouca dúvida entre pesquisadores e pesquisadoras de que as fadas surgiram em meio à cultura celta para expressar a natureza sobrenatural da mulher. A primeira menção a estas criaturas foi feita na obra De situ orbis (43 d.C.), do geógrafo romano do século 1 d.C. Pomponius Mela para designar seres femininos dotados do poder da profecia. Conforme o próprio Mela registra, em citação feita por Fryda Schultz de Mantovani na obra Sobre las hadas (1943), elas habitavam,
…na ilha do Sena, nove virgens dotadas de poder sobrenatural, meio ondinas (gênios da água) e meio profetisas, que, com suas imprecações e seus cantos, imperavam sobre o vento e sobre o Atlântico, assumiam diversas encarnações, curavam enfermos e protegiam navegantes.
O rio Sena banhava a Gália, região em que, conforme vimos, os celtas se concentraram por séculos até a expulsão romana. Estabelece-se assim, na menção aos poderes proféticos dessas damas mágicas, a vinculação entre os celtas e a hipótese mais aceita quanto à origem da palavra “Fada”.
“Faée”, “Fée” (francês), “Fada” (provençal), “Hada” (espanhol), “Fata” (italiano), “Fada” (português). A conexão de todas essas palavras com “Fatum” (destino, fatalidade, oráculo), conexão esta apontada inicialmente por Pomponius Mela, começa a ganhar forma no século IV d.C., quando adquire a forma plural e passa a ser considerada uma palavra feminina, sendo usada como equivalente às Parcas romanas. No reverso da medalha dourada usada pelo Imperador Diocleciano (284 d.C. a 305 d.C.), por exemplo, havia três figuras femininas com a inscrição Fatis victricibus. A partir daí, intensificou-se o processo de ligação das fadas com a magia.
Na Idade Média, “Fatum” deu origem ao verbo “Fatare” (encantar). Este verbo foi adotado pela língua italiana, provençal e espanhola. Na França, ela se tornou “Faer” / “Féer” de onde derivou o substantivo “Faerie”, “Féerie” (ilusão, encantamento) e foi nessa forma que a palavra penetrou a língua inglesa, vindo a se anglicizar no século XIII e se tornar “Fairy”. Por conta dessa diferença em relação ao italiano, ao provençal e ao espanhol, John Clute e John Grant defendem em The Encyclopedia of Fantasy (1999) que “Faerie” é uma derivação do anglo-saxônico “elf” cuja raiz está na palavra nórdica “Alfar” (Anão).
A ancestralidade e universalidade dessas criaturas nos ajuda a entender a dificuldade de se rastrear a origem de seu nome. Em The World Guide to Gnomes, Fairies, Elves and Other Little People (1978), Thomas Keightley mostra como os estudiosos apontam diferentes fontes da origem da palavra “Fada”. Desde a possível raiz no anglo-saxão que se transformou nos verbos “to fare” (passar), até a localização na cultura celta na palavra bretã “mat”, de onde surgiu a palavra “maid” (donzela).
Independente da origem, porém, gradativamente a literatura medieval criou três sentidos para “Faerie”:
1° Ilusão ou Encantamento;
2° Terra da ilusão;
3° Terra das Fadas.
Por fim, “Faerie” passou a designar os habitantes da Terra das Fadas, ou seja, os seres sobrenaturais habitantes das florestas e bosques, e também as donzelas dos romances medievais. Como o leitor e a leitora poderão conferir, estes habitantes de territórios encantados aparecem aqui na forma de leprechauns, duendes, dragões, gigantes e nuckelavees.
A Terra das Fadas possuía regentes e a tradição mostra que a governança desses reinos era feita por personagens como Herodias, Herodiana, Pertha, Holda, nomes que sugerem uma continuidade com a herança de deusas clássicas e nórdicas. Já no seu relacionamento com os humanos, elas eram conhecidas por eufemismos como “Gentis”, “As justas”, “As bondosas”, “As Mães”.
O reino das fadas é costumeiramente marcado por distorções temporais. Uma hora com as fadas é um século em nossa realidade. Essa é uma temática recorrente em muitos romances medievais que narram as aventuras de mortais nesse reino encantado. Um dos exemplos mais conhecidos é a popular lenda irlandesa do herói Oisín na “lenda de Tír na nÓg”. Nela, Oisín tem um romance com uma dama das fadas e ao retornar ao mundo mortal devido à saudade da terra natal, descobre que muito tempo já havia se passado a ponto de ele ter se tornado uma lenda. Tem-se aí a gênese da convenção adotada por muitos romances de Fantasia, como As Crônicas de Nárnia (1950-1956), de C. S. Lewis. Neste caso, o tempo em Nárnia passa de forma mais lenta que em nossa realidade.
Ainda que comumente imaginadas como entidades puramente gentis e pacíficas, a tradição mostra que as fadas têm personalidade traiçoeira e podem trazer problemas com sua magia para algum humano que as tenham desagradado. Neste sentido, um dos principais temores do povo do campo era ter os bebês substituídos no berço por uma criança-fada de igual aparência à criança humana, ao passo que a verdadeira seria levada para o reino das fadas para sempre. Essa dualidade se evidencia na subdivisão da sociedade das fadas de acordo com sua personalidade e que pode ser encontrada principalmente no folclore escocês e irlandês: A Corte Seelie e a Corte Unseelie.
No primeiro caso, temos fadas que vivem em suas próprias sociedades e mantêm uma relação relativamente pacífica dentro da sociedade humana, desfrutando da comida e da dança do meio rural oferecido pelos humanos. No segundo caso, temos as fadas engajadas em prejudicar seriamente a raça humana. Elas têm aparência horrenda e habitam regiões de violência e selvageria. Esse é o caso da Banshee ou Ban Shee, que é mencionada aqui no conto “A tosa da lã encantada”. Apresentada como um espírito celta irlandês cujo nome significa “Mulher da Colina” (“Bean” + “Sídhe”), a Banshee é uma fada negra, apresentada como uma mulher velha com olhos vermelhos, cabelos brancos e um capuz cinza sobre um vestido verde. Dada essa conexão com o feminino e sua capacidade de causar tanto o bem quanto o mal, na Idade Média as fadas eram o complemento secular aos anjos e demônios na esfera religiosa. Da mesma forma, elas podem ser entendidas como complementos sobrenaturais às bruxas na esfera mundana. Essa ligação da bruxaria com o mundo das fadas ocorria pela acusação mútua de que fadas e bruxas podiam causar doenças em humanos e animais, afetar a fertilidade das mulheres, estragar as colheitas e provocar acontecimentos inexplicáveis.
Cabe salientar que, apesar das fadas marcarem presença em registros de crônicas dos séculos XII e XIII de Walter Map, Giraldus Cambrensis e Gervase de Tilbury, e nos romances de cavalaria do mesmo período, mais especificamente no ciclo Arthuriano de romances bretões criados por Chrétien de Troyes e compilados por Thomas Malory, foi na Inglaterra elizabetana da década de 1590 que as fadas se tornaram protagonistas pela primeira vez, no poema épico The Faerie Queene, do inglês Edmund Spencer.
Projetado como doze livros, cada um deles dedicado a uma virtude, The Faerie Queene (A Rainha das Fadas) é um poema épico alegórico que descreve a luta entre católicos e protestantes. Na obra, a Terra das Fadas é a Inglaterra, ao passo que a Rainha da Fadas é representada pela Rainha Elizabeth I. Ainda que apenas seis livros tenham sido publicados (Spencer morreu em 1599), The Faerie Queene popularizou a imagem das fadas como os seres diminutos que conhecemos hoje. Neste processo, a peça A Midsummer Night’s Dream (Sonhos de uma noite de verão), de William Shakespeare, provavelmente composta entre 1594 e 1596, também foi decisiva para a disseminação da figura da fada moderna. Nela, Oberon, o Rei das Fadas, trama uma artimanha com Puck envolvendo uma flor mágica, humanos que adentram a sua floresta e Titânia, Rainha das Fadas.
Finalmente, em 1697, dentro do mesmo contexto cultural que levou Charles Perrault a publicar no mesmo ano seu Histoires ou contes du temps passé, avec des moralités ou Contes de ma mère l’Oye, a Baronesa d’Aulnoy – Marie-Catherine Le Jumel de Barneville – cunhou o termo “Contos de Fadas” em sua obra Les Contes de Fées.
E o resto é história.
Clique nos links abaixo e confira os melhores contos de fadas celtas:
• A história de Deirdre
• Filhos de Lir
• O Lobo-Cinzento
• O Rei do Deserto Negro
• Lis Amarela
• Tam Lim
• A Floresta de Dooros
• O caçador de focas e o sereiano
• A Donzela do Mar
• O Gigante Egoísta
• A Tosa da Lã Encantada
• O Dragão Relutante
• O Gatinho Branco
• A Dama da Fonte
• O Cavalo Preto
• Os animais gratos
• As mulheres chifrudas
• As três coroas
• O violino de nove centavos
• A caverna encantada
• A visão de MacConglinney
• Nuckelavee
• Princesa Finola e o Anão
• Oisin na Terra da Juventude
Vários desses contos parecem razoavelmente fáceis de adaptar para o Universo Anthares. Basta que apareçam colaboradores prontos para topar o desafio.
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