Nuckelavee

Nuckelavee era um monstro da mais pura malignidade, nunca disposto a parar de fazer mal para os homens. Era um demônio encarnado. Sua casa era o mar; e não importa quais fossem seus meios de locomoção nesse elemento, quando em terra, montava um cavalo de aspecto tão terrível quanto ele próprio. Havia quem pensasse que cavalo e cavaleiro eram, na verdade, um só, e que essa era a forma do monstro. A cabeça de Nuckelavee era como a de um homem, só que dez vezes maior, e sua boca se projetava como a de um porco, mas incrivelmente larga. Não havia um pelo sequer no corpo do monstro, simplesmente porque ele não tinha pele.

Se as plantações eram destruídas por inundação ou por praga, se os rebanhos caíam dos penhascos à beira do mar, ou se uma epidemia se espalhava furiosamente entre os homens ou animais, tudo era atribuído a Nuckelavee. Seu hálito era venenoso, caindo como geada sobre as plantas e como uma doença fatal sobre a vida animal. Ele também era culpado por secas de longa duração; por alguma razão desconhecida, tinha sérias objeções a água fresca, e nunca se soube que ele tivesse visitado a terra durante o período de chuvas.

Conheci um senhor de idade famoso por ter encontrado Nuckelavee uma vez e ter escapado por pouco das garras do monstro. Esse homem era muito reticente sobre o assunto. Entretanto, depois de muito implorar e de bastante persuasão, a narrativa a seguir foi extraída dele:

Tammas, como seu homônimo Tam o’Shanter, saiu certa noite. Embora não houvesse luar, o céu estava bem iluminado pelas estrelas. A estrada que Tammas seguia ficava perto do mar e, quando ele chegou a um trecho limitado de um lado pelo oceano e, do outro, por um profundo lago de água fresca, viu algo enorme à frente, se movendo em sua direção. O que ele podia fazer? Tinha certeza de que não era uma coisa terrena que vinha até ele. Não podia escapar para nenhum dos dois lados, e ouvira dizer que virar as costas para algo demoníaco era a posição mais perigosa de todas; então Tammie disse a si mesmo:

— Que o Senhor olhe por mim e me proteja, pois saí sem nenhuma má intenção esta noite!

Tammie sempre foi considerado grosseiro e imprudente. Então, decidiu que o menor dos males era enfrentar o inimigo. Caminhou à frente, resoluto, embora devagar. Para seu horror, logo descobriu que a criatura horripilante que se aproximava dele era nada mais nada menos que o temido Nuckelavee. A parte inferior desse monstro terrível, como Tammie testemunhou, era um enorme cavalo com barbatanas sobre as patas, a boca tão grande quanto a de uma baleia, de onde saía um hálito que parecia o vapor de uma caldeira. Ele tinha só um olho, que era vermelho como fogo. Sobre ele, mais parecendo brotar de seu dorso, havia um homem enorme, sem pernas, e com braços que chegavam quase até o chão. Sua cabeça era tão grande quanto um clue of simmons, e essa cabeça gigantesca ficava rolando de um ombro ao outro, como se estivesse prestes a cair. Mas o que Tammie achou mais horrível foi que o monstro não tinha pele; essa total ausência de pele contribuía muito para a aparência horripilante do corpo nu da criatura — toda a sua superfície exibindo apenas a carne viva, vermelha, na qual Tammie viu sangue, preto como o piche, correndo por veias amarelas, e grandes tendões brancos, grossos como dentes de cavalos, se contorcendo, esticando e contraindo à medida que o monstro se mexia.

Pouco a pouco, Tammie entrou num estado de terror mortal, os cabelos em pé, uma sensação gélida, como se houvesse uma camada de gelo entre seu couro cabeludo e seu crânio, e o suor frio brotando de cada poro. Mas ele sabia que fugir era inútil e decidiu que, se tinha que morrer, preferia ver quem ia matá-lo a morrer de costas para o inimigo. Em meio ao seu terror, Tammie se lembrou do que tinha ouvido sobre Nuckelavee não gostar de água fresca e, então, foi para o lado da estrada mais perto do lago.

Chegou o momento terrível em que a parte inferior da cabeça do monstro estava ao lado de Tammie. A boca da criatura se abriu como um poço sem fundo. Tammie sentiu no rosto seu hálito quente como fogo: os longos braços estavam estendidos para agarrar o pobre homem. Para evitar, se possível, as garras do monstro, Tammie desviou para o mais perto que pôde do lago; ao fazer isso, um dos seus pés entrou na água, espirrando um pouco na perna dianteira do monstro, por isso o cavalo bufou alto como um trovão e pulou, assustado, para o outro lado da estrada, e Tammie sentiu o vento das garras de Nuckelavee enquanto escapava por pouco de ser pego pela criatura. Tammie viu sua oportunidade e correu com toda sua energia; e precisava mesmo correr, porque Nuckelavee tinha voltado e galopava atrás dele, urrando com um som que parecia o rugido furioso do mar. Diante de Tammie, havia um riacho, através do qual o excesso de água do lago seguia seu curso para o oceano, e ele soube que, se conseguisse ao menos atravessar a água corrente, estaria a salvo; então deu tudo de si.

Quando chegou à margem, os longos braços tentaram pegá-lo mais uma vez. Tammie acelerou desesperadamente e chegou ao outro lado, deixando sua boina nas garras do monstro.

Nuckelavee soltou um grito selvagem, de fúria e frustração, enquanto Tammie caía, inconsciente, na margem segura do riacho.

Fim.

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