O Gatinho Branco – Conto Celta

Há muito, muito tempo, em um vale bem distante, o gigante Trencoss morava em um grande castelo, cercado de árvores sempre verdes. O castelo tinha cem portas, e cada uma delas era guardada por um sabujo enorme e peludo, com língua de fogo e unhas de ferro, que rasgavam em pedaços qualquer um que fosse ao castelo sem a permissão do gigante. Trencoss havia declarado guerra ao Rei das Torrentes e, tendo matado o rei, destruído seu povo e queimado seu castelo, levara embora sua única filha, a Princesa Eileen, para o castelo no vale. Ali, deu a ela lindos aposentos e designou cem anões, vestidos de seda azul e amarela, para servir-lhe, e harpistas para tocarem música suave para ela, e lhe deu um sem-número de diamantes, mais brilhantes que o sol; mas não permitia que ela saísse do castelo e lhe disse que, se desse um passo para além daquelas portas, os sabujos, com línguas de fogo e unhas de ferro, a rasgariam em pedaços. Uma semana depois de sua chegada, estourou uma guerra entre o gigante e o rei das ilhas e, antes de sair para a batalha, o gigante mandou chamar a princesa e avisou que, quando voltasse, a tomaria por esposa. Quando a princesa ouviu isso, começou a chorar, pois preferia morrer a se casar com o gigante que havia matado seu pai.

— Chorar só vai estragar seus olhos brilhantes, minha princesinha — disse Trencoss —, e você vai ter que se casar comigo, goste disso ou não.

Então ele a mandou voltar para o quarto e ordenou que os anões lhe dessem tudo o que ela quisesse enquanto ele estivesse fora, e que os harpistas tocassem as músicas mais belas. Quando a princesa chegou ao quarto, chorou como se seu coração fosse explodir. O longo dia passou devagar e a noite chegou, mas Eileen não conseguiu dormir e, na luz cinzenta da manhã, ela se levantou, abriu a janela e olhou para todas as direções, para ver se havia alguma chance de fugir. Mas a janela era muito alta, e lá embaixo estavam os sabujos famintos e sempre vigilantes. Com o coração pesado, ela estava prestes a fechar a janela quando pensou ter visto os galhos da árvore perto dela se moverem. Olhou outra vez e viu um gatinho branco rastejando por um dos galhos.

— Miau! — Fez o gato.

— Pobre gatinho — disse a princesa. — Venha aqui, gatinho.

— Afaste-se da janela — respondeu o gato —, que eu vou.

A princesa se afastou e o gato pulou para dentro do quarto. A princesa pegou o gatinho no colo e o acariciou com a mão, e o gato arqueou as costas e começou a ronronar.

— De onde você vem e qual é o seu nome? — perguntou a princesa.

— Não importa de onde eu venho, nem qual é o meu nome — disse o gato. — Sou seu amigo e vim para ajudá-la.

— Nunca quis tanto ajuda — disse a princesa.

— Eu sei — concordou o gato. — Agora, me escute. Quando o gigante voltar da batalha e pedir que se case com ele, diga sim.

— Mas eu nunca me casarei com ele — respondeu a princesa.

— Faça o que estou lhe dizendo — insistiu o gato. — Quando o gigante pedir que se case com ele, diga que sim, desde que os anões arrumem para você três bolas do orvalho encantado que cobre os arbustos numa manhã enevoada, do tamanho destas — disse o gato, enfiando a pata dianteira direita em sua orelha, de onde tirou três bolas, uma amarela, uma vermelha e uma preta.

— São muito pequenas — falou a princesa. — Não muito maiores que ervilhas, e os anões não vão demorar para cumprir a tarefa.

— Nada disso — rebateu o gato. — Eles levarão um mês e um dia para fazer uma bola, então levarão três meses e três dias até que as bolas todas sejam feitas; mas o gigante, assim como você, pensará que elas podem ser feitas em poucos dias e prometerá de bom grado fazer o que você pede. Logo descobrirá que se enganou, mas manterá sua palavra, e não a pressionará para que se case com ele até que as bolas sejam confeccionadas.

— Quando o gigante vai voltar? — perguntou Eileen.

— Ele chegará amanhã à tarde — disse o gato.

— Você vai ficar comigo até lá? — Quis saber a princesa. — Estou muito só.

— Não posso ficar. Tenho que ir embora para o meu palácio na ilha na qual nenhum homem jamais pôs os pés e aonde homem algum, exceto um, deve ir.

— E onde é essa ilha? — perguntou a princesa. — E quem é esse homem?

— A ilha é nos mares mais distantes, onde nenhuma embarcação jamais navegou; o homem você verá antes que se passem muitos dias; e, se tudo correr bem, um dia ele matará o gigante Trencoss e libertará você de seu poder.

— Ah! — exclamou a princesa. — Isso nunca vai acontecer, pois nenhuma arma pode ferir os cem sabujos que guardam o castelo, e nenhuma espada pode matar o gigante Trencoss.

— Há uma espada que o matará — disse o gato —, mas agora tenho que ir. Lembre-se do que deve dizer ao gigante quando ele voltar para casa, e todas as manhãs observe a árvore em que me encontrou e, se vir nos galhos alguém de quem goste mais que de si mesma — o gato deu uma piscadela para a princesa —, jogue as três bolas para ele e deixe o resto comigo. Mas tenha o cuidado de não dizer uma palavra sobre isso a ele, pois, se o fizer, tudo estará perdido.

— Eu voltarei a ver você? — perguntou a princesa.

— O tempo dirá. — E, sem nem dizer adeus, o gato pulou pela janela para a árvore e, num segundo, sumiu de vista.

A tarde seguinte chegou, e o gigante Trencoss voltou da batalha. Eileen soube de sua chegada pelo latido furioso dos sabujos, e o seu coração ficou pesado, pois sabia que em alguns instantes seria chamada à presença dele. De fato, ele mal entrara no castelo quando mandou chamá-la e ordenou que se preparasse para o casamento. A princesa tentou parecer alegre enquanto respondia:

— Estarei pronta assim que você quiser, mas, antes, tem que me prometer uma coisa.

— Peça o que quiser, princesinha — disse Trencoss.

— Muito bem — começou Eileen —, antes de me casar com você, deve ordenar aos anões que façam três bolas do tamanho destas com o orvalho encantado que cobre os arbustos em uma manhã enevoada de verão.

— É só isso? — disse Trencoss, rindo. — Darei a ordem aos anões imediatamente, e amanhã, a esta hora, as bolas estarão feitas, e nosso casamento acontecerá à noite.

— E você vai me deixar sozinha até lá?

— Sim — respondeu Trencoss.

— Promete por sua honra de gigante?

— Por minha honra de gigante.

A princesa voltou para seus aposentos, e o gigante reuniu todos os seus anões e ordenou que saíssem no raiar do dia, juntassem todo o orvalho encantado que cobria os arbustos e fizessem três bolas — uma amarela, uma vermelha e uma azul. Na manhã seguinte, e na seguinte, e na seguinte, os anões saíram para os campos e procuraram por toda a sebe, mas só conseguiram juntar orvalho encantado suficiente para fazer um fio do tamanho do cílio de uma garotinha; e assim, tiveram que sair manhã após manhã, e o gigante se enfurecia e ameaçava, mas era em vão. Ele estava muito zangado com a princesa e irritado consigo mesmo, por ela ser tão mais esperta que ele e, mais do que isso, porque via agora que o casamento não ia acontecer tão depressa quanto ele esperava. Quando o gatinho branco saiu do castelo, correu o mais rápido que pôde, montanha acima e vale abaixo, sem nunca parar, até que chegou ao Príncipe do Rio De Prata. O príncipe estava sozinho, muito triste e pesaroso, pois pensava na Princesa Eileen e se perguntava onde ela podia estar.

— Miau. — Fez o gato enquanto saltava suavemente para dentro do quarto; mas o príncipe não lhe deu atenção. — Miau. — Repetiu mais uma vez, porém, o príncipe não prestou atenção. — Miau. — Fez o gato pela terceira vez e pulou no joelho do príncipe.

— De onde você vem e o que quer? — perguntou o príncipe.

— Venho de onde você gostaria de estar — disse o gato.

— E onde é isso?

— Ah, onde é isso, de fato! Como se eu não soubesse no que está pensando e em quem está pensando — disse o gato. — Seria muito melhor você tentar salvá-la.

— Eu daria a minha vida mil vezes por ela — respondeu o príncipe.

— Por quem? — O gato piscou. — Eu não citei nome algum, vossa alteza.

— Você sabe muito bem quem ela é, se sabia no que eu estava pensando. Mas sabe onde ela está?

— Ela está em perigo — disse o gato. — Está no castelo do gigante Trencoss, no vale além das montanhas.

— Irei para lá imediatamente — declarou o príncipe —, desafiarei o gigante para uma batalha e o matarei.

— Falar é fácil. Nenhuma espada feita por mãos humanas pode matá-lo, e, mesmo que você pudesse, aqueles cem sabujos, com línguas de fogo e unhas de ferro, o rasgariam em pedaços.

— Então o que devo fazer? — perguntou o príncipe.

— Eu lhe direi. Vá à floresta que cerca o castelo do gigante e suba na árvore alta que fica mais perto da janela voltada para o pôr do sol, sacuda os galhos e veja o que verá. Estenda seu chapéu com as plumas prateadas e três bolas, uma amarela, uma vermelha e uma azul, serão jogadas nele. Volte aqui o mais rápido que puder, mas não diga uma palavra, pois, se disser uma palavra que seja, os sabujos o ouvirão, e você será feito em pedaços.

Bem, o príncipe partiu de imediato e, depois de uma jornada de dois dias, chegou à floresta ao redor do castelo, subiu na árvore mais próxima da janela com vista para o pôr do sol e sacudiu os galhos. Assim que o fez, a janela se abriu e ele viu a Princesa Eileen, mais linda do que nunca. Ele ia chamar seu nome, mas ela pôs os dedos nos lábios, e ele se lembrou do que o gato lhe dissera, que ele não devia dizer nem uma palavra. Em silêncio, ele estendeu o chapéu com as plumas prateadas, e a princesa jogou dentro dele as três bolas, uma de cada vez, e, mandando um beijo para ele, fechou a janela. Ainda bem que fez isso, porque, naquele exato momento, ouviu a voz do gigante, que estava voltando da caçada. O príncipe esperou até que o gigante tivesse entrado no castelo antes de descer da árvore. Ele partiu o mais rápido que pôde. Seguiu montanha acima e vale abaixo, sem nunca parar até chegar ao seu palácio, onde o gatinho branco estava à sua espera.

— Trouxe as três bolas? — perguntou ele.

— Trouxe. — Então, me siga.

Eles caminharam até deixarem o palácio muito para trás e chegaram à beira-mar.

— Agora — disse o gato —, puxe um fio da bola vermelha, segure-o na mão direita, jogue a bola na água, e veja o que verá.

O príncipe fez como o gato mandou, e a bola flutuou para o mar, se desenrolando, e prosseguiu até sumir de vista.

— Puxe agora — disse o gato.

O príncipe puxou e, quando o fez, viu de longe alguma coisa no mar, brilhante como prata. O brilho chegou mais e mais perto, e ele viu que era um pequeno barco prateado. Por fim, tocou a margem.

— Agora — disse o gato —, entre nesse barco e ele o levará ao palácio na ilha onde nenhum homem jamais pisou… a ilha nos mares desconhecidos que nunca foram navegados por embarcações feitas por mãos humanas. Nesse palácio há uma espada com um punho de diamante, e somente por essa espada o gigante Trencoss pode ser morto. Há também uma centena de bolos, e apenas se os comerem os sabujos morrerão. Mas preste atenção ao que lhe digo: se você comer ou beber até chegar ao palácio do gatinho na ilha dos mares desconhecidos, esquecerá a Princesa Eileen.

— Mais fácil eu me esquecer de mim — respondeu o príncipe enquanto entrava no barco prateado, que flutuou para longe tão depressa que em pouco tempo não podia mais ser visto da terra.

O dia passou e a noite caiu, as estrelas brilhavam sobre as águas, mas o barco não parava. Seguiu em frente por dois dias e duas noites inteiros e, na terceira manhã, o príncipe avistou uma ilha ao longe, e ficou muito feliz, pois pensou que esse era o fim da sua jornada e estava quase morrendo de sede e de fome. Mas o dia passou e a ilha ainda estava à sua frente. Finalmente, no dia seguinte, ele viu, à primeira luz da manhã, que estava bem perto da ilha, e que as árvores carregadas de frutas de todos os tipos se curvavam sobre a água. O barco navegou ao redor da ilha várias vezes, chegando mais perto a cada volta, até que, enfim, os galhos baixos quase o tocavam. A visão das frutas ao alcance de sua mão fez o príncipe sentir mais fome e mais sede que antes e, esquecendo sua promessa ao gatinho — não comer nada até que tivesse entrado no palácio nos mares desconhecidos —, ele pegou um dos galhos e, num instante, estava na árvore, comendo a fruta deliciosa. Enquanto ele comia, o barco voltou para o mar e logo não estava mais à vista, mas o príncipe, tendo comido, se esqueceu completamente dele e, pior ainda, esqueceu tudo sobre a princesa no castelo do gigante. Quando tinha comido o suficiente, ele desceu da árvore e, dando as costas para o mar, caminhou direto à frente. Não tinha ido longe quando ouviu uma música e logo depois viu algumas moças tocando harpas prateadas vindo na sua direção. Quando o viram, elas pararam de tocar e gritaram:

— Bem-vindo! Bem-vindo! Príncipe do Rio de Prata, bem-vindo à ilha de frutas e flores. Nosso rei e nossa rainha o viram se aproximando pelo mar e nos mandaram para levá-lo ao palácio.

O príncipe foi com elas e, nos portões do palácio, o rei, a rainha e a filha deles, Kathleen, o receberam e lhe deram as boas-vindas. Ele mal viu o rei e a rainha, pois seus olhos estavam fixos na Princesa Kathleen, que era mais bonita que uma flor. Ele pensou que nunca tinha visto ninguém tão linda, porque, claro, havia se esquecido completamente da pobre Eileen, se consumindo em sofrimento em sua prisão no castelo no vale solitário. Quando o rei e a rainha deram as boas-vindas ao príncipe, um grande banquete foi servido, e todos os senhores e damas da corte se sentaram à mesa, e o príncipe se sentou entre a rainha e a Princesa Kathleen, e muito antes de o banquete terminar, ele estava completamente apaixonado por ela. Quando o banquete enfim acabou, a rainha mandou prepararem o salão de baile e, assim que a noite caiu, o baile começou e durou até que surgiu a estrela da manhã. O príncipe dançou a noite inteira com a princesa, se apaixonando mais e mais a cada minuto. Entre bailes às noites e banquetes durante os dias, semanas se passaram.

Todo esse tempo, no castelo do gigante, a pobre Eileen contava as horas e, todo esse tempo, os anões estavam enovelando as bolas, e uma bola e meia já estavam enroladas. Por fim, o príncipe pediu ao rei e à rainha a mão da filha deles, e eles ficaram muito felizes em dizer sim, e marcaram a data do casamento. Mas uma noite, na véspera do dia em que o casamento aconteceria, o príncipe estava em seu quarto, se preparando para um baile, quando sentiu alguma coisa se esfregando na perna e, olhando para baixo, viu ninguém menos que o gatinho branco. Ao vê-lo, o príncipe se lembrou de tudo, e ficou muito triste e arrependido ao pensar em Eileen vigiando, esperando e contando os dias até que ele voltasse para salvá-la. Mas ele estava muito afeiçoado à Princesa Kathleen, de modo que não sabia o que fazer.

— Você não pode fazer nada esta noite — disse o gato, pois sabia o que o príncipe estava pensando —, mas, quando amanhecer, vá até o mar e não olhe para a direita nem para a esquerda, não deixe que nenhum ser vivo toque em você, pois, se isso acontecer, nunca sairá da ilha. Jogue a segunda bola na água, como fez com a primeira, e quando o barco chegar, entre de uma vez. Então, você poderá olhar para trás, e veja o que verá e saberá quem ama mais, a Princesa Eileen ou a Princesa Kathleen, e assim poderá ir ou ficar.

O príncipe não dormiu nem um instante naquela noite e, ao primeiro sinal da manhã, se esgueirou para fora do palácio. Quando chegou ao mar, jogou a outra bola e, quando ela tinha flutuado até sumir de vista, ele viu o barquinho brilhando no horizonte, como uma estrela que acabara de surgir. O príncipe mal tinha passado pelas portas do palácio quando deram por sua falta, e o rei, a rainha e a princesa e todos os senhores e damas da corte saíram à sua procura, pegando o caminho mais rápido para o mar. Enquanto as moças com harpas prateadas tocavam a música mais doce, a princesa, cuja voz era ainda mais doce do que qualquer música, chamava o príncipe pelo nome, e seu coração ficou tão comovido que ele estava prestes a olhar para trás quando se lembrou de que o gato lhe dissera para não fazer isso até que estivesse no barco. Assim que o barco tocou a costa, a princesa esticou a mão e quase pegou o braço do príncipe, mas ele entrou a tempo de se salvar, e o barco se afastou como uma onda recuando. Um grito alto fez o príncipe olhar para trás de repente e, ao fazer isso, ele não viu sinal do rei, da rainha, da princesa, dos senhores e das damas, mas apenas grandes serpentes verdes, com olhos e línguas vermelhas, que soltavam fogo e veneno enquanto se retorciam em centenas de espirais horríveis. O príncipe, tendo escapado da ilha encantada, velejou para longe por três dias e três noites, e toda noite ele esperava que a manhã seguinte lhe mostrasse a ilha que estava procurando. Ele estava faminto e começando a se desesperar quando, na quarta manhã, viu ao longe uma ilha que, aos primeiros raios de sol, brilhava como fogo. Ao se aproximar, ele viu que estava cercada de árvores, todas tão carregadas de frutinhas vermelhas que mal se podia ver uma folha. Logo o barco estava a uma distância tão curta da ilha que seria possível arremessar uma pedra, e começou a navegar ao redor dela várias e várias vezes, até que estivesse bem debaixo dos galhos pesados. O cheiro das frutas era tão doce que aguçou a fome do príncipe e ele desejou pegá-las, mas, lembrando-se do que havia lhe acontecido na ilha encantada, teve medo de tocá-las. No entanto, o barco continuou navegando ao redor da ilha e, por fim, um vento forte soprou do mar e agitou os galhos, e as frutinhas doces e brilhantes caíram no barco até que ele estivesse cheio delas, e caíram nas mãos do príncipe, que ergueu algumas e olhou para elas e, enquanto olhava, o desejo de comer ficou mais forte, e ele disse a si mesmo que não haveria mal algum em provar uma; mas, quando provou, o sabor era tão delicioso que ele a engoliu e, claro, imediatamente esqueceu tudo sobre Eileen, e o barco se afastou dele e o deixou de pé na água.

Ele se arrastou para a ilha e, depois de ter comido frutinhas bastantes, saiu para ver o que estava a sua frente, e não demorou muito para ouvir um grande barulho. Uma enorme bola de ferro derrubou uma árvore na sua frente e, antes que o príncipe soubesse onde estava, uma centena de gigantes veio correndo atrás da bola. Quando viram o príncipe, os gigantes se voltaram para ele, e um o pegou na mão e o ergueu para que pudesse vê-lo. O príncipe estava quase morrendo esmagado e, ao perceber isso, o gigante o pôs no chão de novo.

— Quem é você, homenzinho? — perguntou o gigante.

— Eu sou um príncipe.

— Ah, você é um príncipe, é? — disse o gigante. — E para que você serve?

O príncipe não sabia, porque ninguém nunca lhe fizera aquela pergunta. — Eu sei para o que ele serve — disse uma giganta idosa, com um olho na testa e outro no queixo.

— Eu sei para o que ele serve. Ele serve para comer.

Quando ouviram isso, os gigantes riram tão alto que o príncipe quase morreu de medo.

— Ora — disse um deles —, ele não renderia nem uma bocada.

— Ah, deixem comigo — disse a giganta. — Vou engordá-lo e, quando estiver cozido e decorado, será uma ótima guloseima para o rei.

Com isso, os gigantes entregaram o príncipe nas mãos da velha giganta. Ela o levou consigo para casa, para a cozinha, e o alimentou com açúcar, temperos e tudo do bom e do melhor, para que ele fosse uma doce iguaria para o rei dos gigantes quando ele voltasse para a ilha. O pobre príncipe não comia nada no início, mas a giganta o segurava sobre o fogo até que seu pé queimasse, e então ele disse a si mesmo que era melhor comer a ser queimado vivo. Bem, um dia após outro se passou, e o príncipe ficava mais e mais triste, pensando que logo seria cozido e decorado para o rei. Porém, por mais triste que estivesse, o príncipe não sentia nem metade da tristeza da Princesa Eileen no castelo do gigante, vigiando e esperando que o príncipe voltasse para salvá-la. E os anões tinham enovelado duas bolas, e estavam enovelando a terceira. Por fim, o príncipe ouviu da giganta que o rei dos gigantes voltaria no dia seguinte, e ela disse para ele:

— Como esta é a última noite que você tem para viver, digame se quiser alguma coisa, pois seu desejo será realizado.

— Eu não quero nada — disse o príncipe, cujo coração estava morto dentro do peito.

— Bem, eu já volto — falou a giganta e saiu.

O príncipe se sentou num canto, pensando e pensando, até que escutou, perto do ouvido, um som como um “purr, purr!”. Ele olhou ao redor e, ali na sua frente, estava o gatinho branco.

— Eu não devia vir até você — disse o gato —, mas, na verdade, não é por você que estou aqui. Eu venho pelo bem da Princesa Eileen. Claro, você se esqueceu completamente dela, e, claro, ela está sempre pensando em você. É sempre assim…

“O amante que feriu pode ter esquecido, Quem não esquece é o que foi ferido.”

O príncipe corou de vergonha quando ouviu o nome da princesa.

— Você tem mesmo do que se envergonhar — disse o gato. — Mas me escute agora, e lembre-se disto, se não seguir minhas instruções desta vez, nunca mais vai me ver, e nunca botará os olhos na Princesa Eileen. Quando a velha giganta voltar, diga a ela que quer ir até o mar pela manhã, para vê-lo uma última vez. Quando chegar ao mar, você saberá o que fazer. Tenho que ir agora, ouço a giganta se aproximando. — E o gato pulou pela janela e desapareceu.

— Bem — disse a giganta ao entrar —, tem alguma coisa que você queira?

— É verdade que tenho mesmo que morrer amanhã? — perguntou o príncipe.

— Sim.

— Então eu gostaria de ir até o mar, vê-lo pela última vez.

— Você pode fazer isso se acordar cedo.

— Estarei de pé ao primeiro sinal da luz da manhã — disse o príncipe.

— Muito bem — concordou a giganta e, desejando “boa noite”, foi embora.

O príncipe achou que a noite nunca acabaria, mas por fim ela desbotou diante da luz cinzenta do amanhecer, e ele correu até o mar. Lançou a terceira bola e não demorou muito para ver o pequeno barco vindo em sua direção, mais rápido que o vento. Entrou no barco no instante em que ele tocou a margem. Mais rápido que o vento, o barco o carregou para o mar e, antes que ele tivesse tempo de olhar para trás, a ilha da giganta era como uma mancha vermelha borrada ao longe. O dia passou e a noite caiu, as estrelas iluminaram a água, e o barco navegava, e assim que o sol se ergueu sobre o mar, ele empurrou sua proa prateada nas areias douradas de uma ilha mais verde que as folhas no verão. O príncipe pulou para fora, seguiu em frente até que entrou em um vale agradável, no fim do qual viu um palácio branco como neve. Quando se aproximava da porta central, ela se abriu para ele. Ao entrar no átrio, passou por várias salas sem encontrar ninguém; mas, quando chegou aos aposentos principais, se viu em uma sala circular, na qual havia centenas de colunas, todas de mármore, e em todas elas, menos em uma, que ficava no meio da sala, havia um gatinho branco com olhos pretos. Dispostos por toda a parede, de um batente da porta ao outro, havia três fileiras de joias preciosas. A primeira era de broches de ouro e prata, com os alfinetes presos à parede e as cabeças para fora; a segunda era de colares de ouro e prata; e a terceira era uma fileira de espadas incríveis, com punhos de ouro e prata. E sobre muitas mesas havia todo tipo de comida, e chifres cheios de cerveja com espuma. Enquanto o príncipe olhava ao redor, os gatos ficavam pulando de uma coluna para outra, mas, vendo que nenhum deles pulava para a coluna no centro da sala, ele começou a se perguntar por quê, quando, de repente, e antes que pudesse entender como, bem ali diante dele, na coluna central, estava o gatinho branco.

— Não me reconhece?

— Sim — respondeu o príncipe.

— Ah, mas você não sabe quem eu sou. Este é o palácio do Gatinho Branco, e eu sou o Rei dos Gatos. Mas você deve estar com fome, e o banquete está servido.

Bem, quando o banquete terminou, o rei dos gatos ordenou que trouxessem a espada que mataria o gigante Trencoss e os cem bolos para os cem cães de guarda. Os gatos trouxeram a espada e os bolos e os puseram diante do rei.

— Agora — disse o rei —, pegue isso. Você não tem tempo a perder. Amanhã os anões terminarão de enovelar a última bola, e amanhã o gigante vai reivindicar a princesa como sua noiva. Você tem que ir logo, mas, antes de ir, leve este presente meu para a sua garota.

E o rei deu a ele o mais lindo broche entre todos os que estavam na parede do palácio. O rei e o príncipe, seguidos pelos gatos, foram até a costa e, quando o príncipe entrou no barco, todos os gatos miaram três vezes para dar sorte, e o príncipe acenou com seu chapéu três vezes, e o barco acelerou sobre as águas por toda a noite, tão brilhante e rápido quanto uma estrela cadente. Ao primeiro sinal da manhã, ele tocou a areia. O príncipe pulou para fora e seguiu em frente, montanha acima e vale abaixo, até chegar ao castelo do gigante. Quando os sabujos o viram, latiram furiosamente e se lançaram em sua direção para rasgá-lo em pedaços. O príncipe jogou os bolos para eles e, à medida que cada sabujo engolia seu bolo, caía morto. Então o príncipe bateu no escudo três vezes com a espada que tinha trazido do palácio do gatinho branco. Quando o gigante ouviu aquele som, gritou:

— Quem vem me desafiar no dia do meu casamento?

Os anões saíram para ver e, ao voltarem, disseram a ele que era um príncipe que o estava desafiando para uma batalha. O gigante, espumando de raiva, pegou sua clava de ferro mais pesada e saiu correndo para a luta. A batalha durou o dia inteiro e, quando o sol se pôs, o gigante disse:

— Já lutamos muito por hoje. Podemos retomar amanhã quando o sol nascer.

— De jeito nenhum — disse o príncipe. — É agora ou nunca; vencer ou morrer.

— Então, tome isto — gritou o gigante, mirando um golpe com toda a força na cabeça do príncipe.

Mas o príncipe, disparando à frente como um raio de luz, enterrou sua espada no coração do gigante e, com um grunhido, ele caiu sobre os corpos dos sabujos envenenados.

Quando os anões viram o gigante morto, começaram a chorar e a arrancar os cabelos. Mas o príncipe lhes disse que não havia o que temer e os mandou dizer à Princesa Eileen que ele queria falar com ela. Mas a princesa tinha assistido à batalha da janela e, quando viu o gigante cair, correu para fora para cumprimentar o príncipe, e naquela mesma noite, ele, ela, todos os anões e harpistas se foram para o Palácio do Rio de Prata, ao qual chegaram na manhã seguinte, e até hoje nunca houve um casamento mais alegre que o casamento do Príncipe do Rio de Prata e da Princesa Eileen. E, embora ela tivesse diamantes e pérolas de sobra, a única joia que usou no dia do casamento foi o broche que o príncipe levara para ela do Palácio do Gatinho Branco, nos mares distantes.

Fim.

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