O Anel dos Nibelungos (Ato 4 – 5/7)

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V – A conspiração

Siegfried e sua esposa Gutrune rumam para os aposentos tão logo a festa termina, enquanto Gunther, Brunhilde e Hagen permanecem a sós no salão dos Gibichungs.

Embora todo o desmentido e o juramento solene do herói, ainda paira no ar a desconfiança, alimentada por Hagen, quanto à honra de Siegfried.

Brunhilde, por sua vez, é a mais inconformada com a situação; sua alma ultrajada e cega pelo ódio clama por vingança.

– Como pôde você, Gunther, meu futuro esposo, aceitar como justa a palavra deste vil traidor?

Gunther, apesar de tudo, nutre uma forte simpatia por Siegfried e reluta em aceitar como verdadeiras as acusações de sua noiva. Hagen, no entanto, aproveitando a confusão na qual seu meio-irmão está imerso, aproxima-se de Brunhilde para lhe fazer uma sugestão em tom de confidencia.

– Se você quiser, futura rainha, ofereço, desde já, a minha lança, a mesma sobre a qual o perjuro prestou falso juramento para liquidar o traidor!…

Brunhilde está cega pelo ódio e responde de maneira impensada, estando prestes a revelar os segredos que podem salvar a vida do herói.

– Isto é impossível, Hagen…! – diz ela, sacudindo a cabeça. – Siegfried é invulnerável; por isto nada teme!

– Invulnerável…! – diz Hagen, rilhando os dentes de decepção. No mesmo instante, a figura de seu pai, Alberich, aparece-lhe na mente com o semblante irado a dizer: “Vamos, estúpido, lembre-se de seu pai e pense em alguma coisa!”

– Mas totalmente invulnerável? – pergunta Hagen, inconformado. – Não há mesmo ponto algum em seu corpo que possamos ferir com sucesso?

Brunhilde hesita alguns instantes antes de fazer a revelação, que poderá ser fatal ao seu antigo protegido. “Não, ele não merece minha piedade!”, pensa ela, após alguns momentos de nervosa reflexão. “Siegfried deve pagar pela traição que cometeu contra mim, ao se tornar escravo de sua ambição!”

– Siegfried, na verdade, tem um ponto fraco – diz ela, soturnamente.

– Um ponto fraco? – exclama Hagen, alegremente surpreso.

– Sim, as suas costas – diz Brunhilde, abaixando os olhos. – Antes que ele deixasse a caverna onde moramos, preparei-lhe uni ungüento mágico, destinado a proteger seu corpo de todos os seus inimigos. Ele o passou por todo o corpo, mas seu orgulho tolo impediu-me de colocá-lo também em suas costas. “Não, Brunhilde, não é necessário!”, disse-me ele, com um sorriso de soberba. “Ou imagina, porventura, que eu vá dar as costas, algum dia, aos meus inimigos?”

– Tolo e inconsiderado como todos os jovens!… -diz Hagen, dando um grande riso. –

Bem, pelo menos, agora, minha lança já sabe, exatamente, onde golpeá-lo!

– E você, por que está aí com suas fraquezas? – diz Brunhilde, voltando-se para o noivo, que parece temeroso do que ambos estão tramando. – Por causa de seu medo das chamas de Loki, foi humilhado e enganado por aquele que julgava ser seu protetor! Não era homem o bastante para me conquistar com sua própria cara?

Gunther está arrasado e, por um momento, sente vontade de esbofetear aquela que será, em breve, sua esposa; mas a humilhação de que está preso é mais forte e ele apenas baixa a cabeça em sinal de vergonha e desonra.

– Gunther, todo o reino, à esta altura, já deve estar fazendo chacota de sua complacência! – diz-lhe Hagen, aproveitando-se de sua fraqueza. – Quem irá acreditar que, estando a sós com sua esposa dentro de uma caverna escura e a tendo, inteiramente à sua mercê, não terá ele se aproveitado da situação para desfrutar as carícias que somente a você deveriam estar destinadas?

– Siegfried jamais faria isto! – exclama Gunther, tentando reagir às pérfidas insinuações do meio-irmão.

– Pois ele o fez! – grita Brunhilde, sem atentar para a mentira que profere. – Sim, uma vez à mercê de um homem, sem qualquer meio de defesa, não tive outro recurso, senão ceder às suas carícias. Oh, Gunther, asseguro a você que ele soube muito bem aproveitar-se da confusão…!

– Basta, basta vocês dois! – exclama o marido de Brunhilde, com os olhos acesos em cólera. – Que ele morra, então, que o pérfido pague com a morte a sua traição!

– Bravo! – exclama Hagen, aplaudindo o meio-irmão.

Gunther chora de vergonha e raiva, ao mesmo tempo, sem saber se odeia ou sente pena do destino que prepara a Siegfried junto com os outros dois conspiradores.

– Vamos, anime-se – diz-lhe Brunhilde, com um olhar de repugnância. -Com a morte dele, serão expiados, ao mesmo tempo, o crime dele e o seu próprio.

Hagen toma Gunther pelo braço e o leva para um canto.

– Com a morte de Siegfried – diz ele – você receberá o prêmio maior, que deuses e homens, desde há muito, ambicionam: o anel dos nibelungos! Com ele, você será o senhor de todo o mundo!

Gunther recebe, com isto, o último empurrão de que necessitava. Suas lágrimas secam e ele, fascinado com esta possibilidade, dá a ordem explícita para que Hagen leve a efeito o seu desígnio.

– Apenas escondamos o fato de minha irmã, Gutrune – diz ele -, pois ela jamais nos perdoaria por termos tramado a morte de seu próprio esposo.

***

Um amanhecer claro desenha-se sobre as margens do Reno de águas límpidas e azuladas. As três ninfas guardiãs, que outrora cuidavam do Ouro do Reno, estão à superfície, aproveitando os primeiros raios do sol.

– Será hoje o dia em que algum herói nos trará de volta o nosso ouro? -pergunta Flosshilde às suas irmãs.

Nenhuma delas responde, mas, pelo ar de seus rostos, parece que não nutrem muitas esperanças. Desde que Alberich, o anão, furtara o ouro, suas vidas haviam perdido todo o encanto. O majestoso Reno, sem o ouro que abrilhantava suas águas, já não lhes traz mais a mesma alegria e vigor dos antigos dias em que ele repousava, serenamente, no fundo do seu leito.

– Esperem, ouço um ruído vindo da floresta! – diz Woglinde.

Wellgunde, a terceira das ninfas, retira o cabelo molhado que encobre sua orelha e se esforça por escutar de onde vem o ruído.

– É o ruído de uma trompa! – diz ela, sorridente. – Algum caçador encaminha-se para cá! Rápido, irmãs, escondamo-nos!

As três mergulham, rapidamente, mas permanecem quase à superfície a fim de divisar quem seja o intruso.

Siegfried chega à beira do rio, oriundo da floresta. Está sozinho, desde que se separou dos demais caçadores para perseguir um enorme urso.

Tão logo as ninfas do Reno identificam-no, sobem, imediatamente, à tona. Somente ele, um verdadeiro herói, pensam elas, poderá lhes trazer de volta o ouro roubado.

– Ora, muito bom dia, adoráveis ninfas! – exclama o herói, que está, neste dia, de muito bom humor. – Por acaso, não viram passar por aqui um urso negro e enorme?

– Urso? Não, não vimos! – diz uma delas, com um sorriso dúbio em seus lábios. –

Vocês viram algum urso passar por aqui, minhas irmãs?

– Não, nada vimos – respondem as outras duas, colocando o tronco inteiro acima da linha d’água e deixando entrever o desenho dos seus belos bustos.

– Será que vocês não o expulsaram para longe? – graceja o herói, querendo espichar a conversa e poder assim admirar por mais tempo a beleza das ninfas.

– Bem, desde que você nos ofereça uma recompensa, podemos tentar chamá-lo de volta – diz Flosshilde, arrepanhando os cabelos encharcados.

– Recompensa?… Que espécie de recompensa? – diz Siegfried, curioso.

– Este belo anel dourado, que vejo em seu dedo por exemplo! – diz Wellgunde, apontando para a mão de Siegfried.

– Não posso, bela ninfa – diz o herói, com um ar falsamente impotente. – Ele pertence à minha esposa. O que diria ela se eu chegasse em casa sem o seu enfeite?

– Ora, está a brincar conosco! – diz uma delas. As três unem-se a ela no despeito e mergulham para as profundezas.

Siegfried fica sozinho por um tempo às margens do rio, observando o espelho do lago, que tornou-se outra vez calmo e silencioso; não suportando mais a ausência delas, ele retira o anel e chama por elas.

– Está bem, belas chantagistas, vocês venceram – diz ele, erguendo para o alto o anel, como se fosse lançá-lo para dentro da água. – Vamos, venham buscá-lo!

Em breve, as três ninfas do Reno estão de volta. Mas seus rostos estão diferentes: trazem um ar solene, como se não estivessem mais dispostas a brincar.

– Você deveria livrar-se, jovem audaz, o mais breve possível, deste anel! – diz-lhe Woglinde, em tom de advertência.

– Livrar-me dele? Por que, se é tão lindo?

– Este anel é fruto de uma maldição.

– Maldição? Do que estão falando?

– Este anel foi forjado por Alberich, o mais perverso dos anões; ele é fruto de um roubo. Foi com o ouro furtado de nosso rio que ele forjou este objeto que, desde então, tornou-se amaldiçoado e irá destruir deuses e homens se persistir longe destas águas.

– Você mesmo irá morrer, ainda hoje, caso não nos restitua este anel!

– Vocês estão muito sérias e perderam todo o encanto com estas frivolidades! – diz-lhes Siegfried, subitamente agastado. – Se tivessem permanecido alegres e brincalhonas, eu lhes teria devolvido a peça espontaneamente. Mas como se enfezaram, mesmo que nada valesse, não lhes entregaria. Este é o prêmio que lhes caberá por seu odioso mau-humor!

– Seu tolo! – exclama Flosshilde. – Não percebe que assim como o anel destruiu a Fafner, o dragão, será você também destruído por ele?

– Quem destruiu o dragão fui eu, com minha espada Notung, sua ninfa boba! –

exclama Siegfried, irado por se ver diminuído por uma frágil criatura. -E não será, certamente, este pedacinho de metal que irá fazer frente à minha espada confeccionada por um deus!

– Sua espada não terá poder algum diante dele! – exclama Wellgunde.

– Ah! Ah!, sua idiotinha! – debocha Siegfried, vangloriando-se. – Ela teve poder contra a própria lança de Wotan!

– Você já foi sábio, jovem aventureiro! Infelizmente, hoje, não passa de um jovem fanfarrão. Vamos embora, irmãs, não há mais nada a dizer para este tolo. Ainda hoje, o anel passará para as mãos de uma mulher; esperemos que ela seja mais sensível a nossos rogos!

As três ninfas mergulham, então, de volta para as profundezas do rio.

– Bem, por pior que tenha sido o encontro, aprendi hoje mais uma preciosa lição – diz Siegfried de si para si. – Com mulheres, parece que é assim que as coisas funcionam: se com sorrisos, não lhes fazemos as vontades, elas passam logo às carrancas; e se mesmo estas não produzem o resultado almejado, descem logo aos impropérios! Mas com tudo isto, caso não estivesse comprometido com Gutrune, certamente, tentaria capturar uma destas irritadas ninfas, só pelo prazer de lhes dobrar a vontade pela manha ou pela força!

VI – A morte de Siegfried


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