O maior dos heróis teria de ter o maior dos contos, também.
O famoso e intrépido Hércules era filho de Alcmena, casada com Anfitrião. Zeus, tomando um dia a forma de Anfitrião, fecundou-a, dando origem ao herói grego. Junto com ele nasceu outro menino, chamado Ificles, este filho de Anfitrião, que se tornaria tão obscuro quanto Hércules se tornaria famoso.
Juno, a ciumenta esposa de Zeus, naturalmente não gostou nem um pouco da infidelidade do marido e tomou-se imediatamente de antipatia pelo filho bastardo de Zeus.
Certa vez, Alcmena, a mãe dos dois garotos, após tê-los banhado e amamentado, deitou-os sobre um escudo de bronze. Enquanto os meninos brincavam e pedalavam o ar no berço improvisado, duas serpentes surgiram se arrastando insidiosamente em direção a eles. Vinham as duas a mando de Juno, a vingativa esposa de Zeus, para acabar com a vida de Hércules.
O pequeno Ificles deu um grito de susto ao ver os répteis avançando. Mas Hércules, que desde o berço jamais soubera o significado da palavra medo, pulou do escudo e caiu sobre os dois répteis. Com uma serpente em cada uma das mãos, apertou-lhes o pescoço com tanta força que em segundos as estrangulou, salvando a si e ao irmão da morte certa.
Hércules cresceu e casou-se com Megara, filha de Creonte, com quem teve vários filhos.
Porém, mesmo depois de Hércules ter se tornado um adulto, Juno, a esposa de Zeus, continuava ressentida com ele. Concebeu, então, um plano macabro que pouco condizia com a dignidade de uma deusa.
Hércules estava certo dia com a esposa Megara e seus filhos, quando foi tomado de uma súbita loucura. De repente seus olhos começaram a se arregalar e uma espuma abundante brotou de seus lábios.
Erguendo-se, o herói deu uma sonora gargalhada:
— Dêem-me o arco e minha maça! Tenho de ir a Micenas destruir as muralhas erguidas pelos ciclopes inimigos.
Sua barba negra estava coberta pelos flocos brancos da espuma, e seus olhos raiados de sangue reviravam-se nas órbitas, compondo uma máscara terrível e assustadora. Montado num carro imaginário, Hércules empunhava suas rédeas irreais:
— Eia, cavalos! Adiante, vamos combater os ciclopes!
Hércules saiu nesse constrangedor estado por todo o palácio, enchendo de assombro Megara e os próprios filhos. No seu delírio, enxergando nas crianças apenas monstruosos inimigos, Hércules abateu-as uma a uma, até que em todo o palácio só restaram vivos ele, a esposa e o último dos filhos.
— Ainda vejo inimigos no campo de batalha! — esbravejava o herói demente, disposto a exterminar até o último ser vivo nos arredores.
Sua esposa, enlouquecida de medo e tristeza, tomou nos braços a criança e foi refugiar-se no aposento mais afastado. Hércules, porém, sem recuar diante de nada, arrombou a porta com um golpe de sua maça e estraçalhou com as próprias mãos a mulher e o seu último filho.
No Olimpo, Juno deliciava-se com o espetáculo da ruína de seu desafeto.
Mas Hércules, ainda insaciado e possuído por seu furor, decidira investir contra o próprio pai, Zeus. Atena, porém, adiantando-se, derrubou o herói com um raio, antes que ele provocasse novas desgraças. Abatido, Hércules esteve estendido sobre os destroços do palácio durante um longo tempo; quando recobrou a consciência, deu-se conta da monstruosidade que praticara.
— Zeus, meu pai, o que fiz? — urrou o infeliz, ao ver os corpos despedaçados de sua família.
A deusa Atena, compadecida, explicou-lhe o que acontecera, isentando-o da culpa, mas Hércules não conseguia se perdoar.
— Matei minha mulher e meus próprios filhos! — exclamava ele, arrancando os cabelos num desespero inigualável.
Tomado pelo remorso, o herói condenou-se ao exílio, decidido a penitenciar-se pelo terrível episódio. Durante muitos anos Hércules vagou sem destino pelas estradas da Grécia, até que, consultando-se com um oráculo, este lhe ordena que fosse ao encontro de Euristeu, rei de Micenas e de Tirinto, primo de Hércules e rival deste pela disputa do trono.
Assim que esteve diante deste personagem, Hércules escutou suas palavras:
— Só há um meio de purificar-se. Você deverá realizar para mim os doze trabalhos que vou lhe explicar.
Após escutar com atenção as instruções de Euristeu, Hércules partiu decidido a cumpri-las, nesta que seria a maior de suas aventuras.
O primeiro trabalho de Hércules consistia em matar o terrível leão de Neméia.
Esse leão era o maior que já surgira em toda a Grécia. Dotado de extraordinária ferocidade, matava qualquer um que cruzasse o seu caminho.
Hércules, assim que esteve frente a frente com o monstruoso leão, puxou de seu arco e descarregou nele todas as suas flechas. O couro do leão era tão grosso, no entanto, que nenhuma delas conseguiu penetrar-lhe.
O herói, abandonando o arco, empunhou sua pesada maça e avançou para a fera. Em seguida descarregou sobre a cabeça dela um poderoso golpe. O porrete, no entanto, esfarelou-se em contato com os ossos duros do leão.
Fugindo para o interior de uma gruta, o poderoso felino ficou no aguardo de uma nova investida do herói. Hércules, desvencilhando-se de todas as armas, decidiu enfrentá-lo com as mãos limpas.
— Veremos, agora, quem pode mais! — exclamou, arremessando-se para o interior da caverna.
Impedindo a saída do animal, Hércules agarrou o pescoço do leão e rolou pelo chão com a fera, até arrancar da boca do animal o seu último suspiro. Feliz com sua vitória, tirou a pele do animal e passou a vesti-la, tornando-se este o seu traje mais característico.
O segundo trabalho de Hércules era derrotar a temida hidra de Lema -uma espécie de serpente gigantesca dotada de várias cabeças, que tinham a particularidade de renascer instantaneamente tão logo eram cortadas, sendo que a do meio era imortal.
Hércules seguiu nessa aventura acompanhado por seu servo Iolaus. Enquanto o criado aguardava, Hércules avançou sobre o pântano de Lema, moradia do terrível animal. Não demorou muito e logo sentiu que algo muito forte enroscava-se em suas pernas, paralisando seus movimentos.
Sacando do porrete, Hércules começou a esmagar uma por uma as cabeças da feroz hidra.
No entanto, a cada uma que destroçava, via logo surgir outra em seu lugar.
— Iolaus, acenda um tição e jogue para mim! — gritou ao criado.
Tão logo agarrou o bastão em chamas, Hércules foi cauterizando os buracos de onde surgiam as cabeças, de tal sorte que logo só restou a cabeça do meio — a mais perigosa. Após esmurrá-la com toda a força, sem conseguir, no entanto, fazê-la morrer, o herói suspendeu a hidra e lançou-a no fundo de um profundo abismo. Erguendo em seguida uma imensa montanha, arremessou-a sobre o abismo, enterrando para sempre a hidra.
O terceiro trabalho do herói foi mais modesto.
Diana, a deusa das caçadoras, possuía cinco corças. Quatro delas estavam atreladas ao seu carro, enquanto a quinta, que possuía lindos chifres de ouro, andava à solta pelos bosques. A missão de Hércules era capturá-la e levá-la até Euristeu.
Apesar da aparente facilidade da tarefa, o herói consumiu um ano inteiro nesta busca: a corça era tão ou mais arredia do que a própria dona. Mas ao cabo desse período, Hércules conseguiu, finalmente, apoderar-se do belo animal.
O quarto trabalho era capturar o javali de Erimanto — um javali monstruoso que assolava toda a região. Após enfrentar a fera, arrancando-lhe as presas, Hércules levou-o até Euristeu, que, tomado de pavor diante da visão do animal, correu para dentro de um enorme tonel de bronze.
Vendo Euristeu que nos exercícios de força Hércules era imbatível, decidiu expô-lo a uma missão de natureza humilhante, no seu quinto trabalho:
— Quero que você vá limpar as estrebarias de Áugias.
Áugias era dono de um imenso rebanho e suas estrebarias jamais haviam sido limpas.
Montanhas de estrume quase impediam a entrada dos animais.
— Façamos uma aposta — disse Hércules, ao ver-se diante do preguiçoso proprietário.
— Caso eu consiga limpar suas estrebarias em menos de um dia, quero que você me dê uma décima parte de seu imenso rebanho.
Áugias, achando graça da pretensão do reles limpador, aceitou o desafio:
— Está bem, senhor limpador de estrume, vamos ver a sua eficiência.
Hércules, sem pestanejar, começou imediatamente o seu trabalho. Durante o dia inteiro, meteu-se até a cintura na montanha fedorenta, sem se importar com a aparente indignidade de sua tarefa.
— Ouro ou estéreo, esta aposta não perco! — dizia, cantarolando. Porém, quando viu que por mais que carregasse montanhas de dejetos para
fora, mais estrume parecia surgir no interior da estrebaria, Hércules resolveu mudar de estratégia. Avistando um rio de águas cantantes que passava ali perto, correu para lá, munido de sua pá. Com ela cavou um imenso desvio, de tal sorte que as águas passaram a correr por ele, indo desaguar em cheio na estrebaria de Áugias.
Quando o proprietário retornou ao fim do dia, encontrou sua cavalariça completamente limpa e seca, pois Hércules teve tempo ainda de fazer com que o rio voltasse ao seu curso normal.
Áugias, no entanto, era um homem sem palavra.
— Adeus, lacaio, e obrigado pelo brilhante serviço — disse, despedindo Hércules.
O herói, diante de tamanha afronta, ergueu nos braços o atrevido Áugias e estrangulou-o.
Os trabalhos de Hércules, porém, não terminaram aí: o sexto consistia em exterminar as aves mortíferas que assolavam o lago Estínfale.
Essas aves eram negras como a noite e tinham asas, cabeças e bicos de ferro, habitando um pântano eriçado de espinhos.
Hércules, sem perder mais tempo, foi em direção ao tal lago.
— Vamos ver as avezinhas — disse, determinado.
Era dia claro ainda quando Hércules chegou à beira do pântano. Um sol imenso ainda estava erguido no céu e não havia nem sinal de nenhuma das aves. Mas Hércules, além de forte, era também esperto. Tirando do bolso de sua pele leonina um par de címbalos, começou a tocá-los com toda a força. Imediatamente uma nuvem escura de aves ergueu-se dos caniços à beira d’água e tapou o sol, transformando o dia em noite. Acendendo um archote, Hércules iluminou a cena, enxergando nitidamente as aves que desciam sobre ele com seus bicos de ferro.
A seguir, com seu poderoso porrete começou a abatê-las aos montes. Cada golpe de sua arma derrubava oito ou dez juntas. Desta forma, conseguiu exterminá-las depois de desferir mais de dez mil golpes. Quando terminou a tarefa, o pântano estava repleto de aves. O ruído metálico e persistente do bico das aves agonizantes ainda ficou retinindo em seus ouvidos por um longo tempo, enquanto se retirava, mais uma vez vitorioso. O sétimo trabalho de Hércules surgiu de um simples capricho feminino.
A filha de Euristeu havia metido na cabeça que queria por todo o modo possuir o cinto e o véu de Hipólita, a rainha das amazonas. Estes preciosos presentes haviam sido dados a ela por Marte, o deus da guerra, em reconhecimento por seu valor e bravura nos campos de combate.
Hércules, sabendo que a inimiga desta vez seria uma mulher, decidiu ser cortês: após conseguir chegar incólume ao país das amazonas, foi bem recebido por Hipólita e retribuiu na mesma medida o tratamento recebido, de tal forma que ela concordou em lhe ceder os acessórios.
Juno, a eterna inimiga de Hércules, no entanto, estava atenta, e conseguiu fazer crer às súditas de Hipólita que Hércules pretendia raptar sua rainha.
Montadas em seus cavalos, as guerreiras atacaram Hércules e seus soldados — pois ele havia ido até lá com um pequeno grupo de homens -, o que provocou uma luta entre as partes, que se estendeu por todo o dia. Hércules, vendo naquilo um sinal de traição, matou Hipólita após terrível duelo.
A rainha, golpeada mortalmente, expirou nos braços do guerreiro, e Hércules pôde levar para a filha de Euristeu as relíquias tão desejadas.
Chegamos ao oitavo trabalho.
Diomedes, filho de Marte e rei da Trácia, tinha quatro maravilhosos cavalos, que expeliam fogo pelas ventas e se alimentavam somente de carne humana. Ora, a diversão principal desse homem cruel consistia em capturar qualquer forasteiro que entrasse em seus domínios e jogá-lo vivo para os cavalos.
Hércules foi incumbido por Euristeu de fazer uma visitinha cordial ao rei Diomedes.
Para quem esmagou duas serpentes vivas, ainda no berço, não eram quatro ou cinco cavalos que iriam lhe meter medo. Por isso o herói foi tranquilamente cumprir mais essa missão.
— Bom-dia, caro Diomedes! — disse Hércules, assim que se encontrou com o rei.
— Sem dúvida, será um bom dia para mim e para eles — disse o rei, apontando para os cavalos, que arreganhavam os dentes sujos de sangue. — Receio, contudo, que não possa dizer o mesmo do restante do seu dia, pobre forasteiro!
Erguendo um braço, Diomedes fez um sinal para que os seus cavalos avançassem para estraçalhar o visitante. Hércules, entretanto, montando num salto ágil sobre o dorso de um dos cavalos, domou-o com tal arte, que logo o deixou amansado; depois, passando imediatamente para as costas do outro, fez o mesmo, e assim continuamente, até que tinha todos amansados aos seus pés.
Pegando as rédeas de todos, Hércules reconduziu-os de volta ao estábulo. Depois de irritá-los bastante, outra vez, retornou para se entender com seu péssimo anfitrião:
— O que pretende você? — disse o rei, balbuciando nervosamente. Hércules, sem dizer nada, suspendeu o dono dos cavalos numa única mão e o lançou para dentro da estrebaria.
Relinchos e gritos humanos de pavor têm algo em comum, razão pela qual o herói não pôde afirmar com certeza quem havia gritado mais alto enquanto ele se afastava num passo tranqüilo.
— O nono trabalho, preste bem atenção — disse Euristeu -, é o seguinte: quero que você roube os bois do gigante Gerião e traga-os para mim. Aqui está o mapa para chegar ao país onde ele vive.
Sem dizer mais nada Euristeu despediu-se de Hércules. Seguindo as indicações que o outro lhe dera, Hércules chegou sem dificuldade ao país de Gerião.
Informando-se com a gente do povo, Hércules chegou logo ao rebanho onde estavam misturados os animais. Eram bois enormes, da cor do sangue. Guardando-os estavam o gigante Euritião e o cão Ortro, irmão de Cérbero, o cão de três cabeças que guarda a entrada do inferno.
Ortro era o irmão mais novo do famoso cão e, por isso, tinha somente duas cabeças. No mesmo instante, ao avistar a chegada de Hércules, ele atirou-se em direção ao pescoço do herói.
Hércules fez um rápido cálculo mental:
— Se você fosse como o seu irmão ainda teria alguma chance! — ironizou : herói, antes de quebrar com as duas mãos os dois pescoços do cachorro.
Em seguida atracou-se com o gigante Euritião, derrotando-o, também, com facilidade.
Quando já se retirava, levando consigo os bois, Hércules escutou vozes que diziam uma só coisa, em uníssono:
— Aqui está alguém, atrevido, que tem mais de duas cabeças e dois braços! Era Gerião, o proprietário dos bois, que, temeroso de que lhe roubassem seu rebanho, fora pessoalmente guardá-lo. Era, de fato, um adversário para se temer: dos pés à cintura era um gigante normal; porém, da cintura para cima, possuía três troncos. Eram três homens em um.
O gigante avançou com seus seis braços, armados de três espadas e três escudos. Hércules tinha apenas sua maça e o escudo que Atena lhe dera antes de começar as suas aventuras. Mas para quem já havia derrotado uma hidra de várias cabeças, essa tarefa não era também de meter medo.
Durante uma tarde inteira os dois trocaram golpes, até que Hércules percebeu que se da cintura para cima estava em desvantagem, da cintura para baixo as coisas estavam em pé de igualdade.
Aproveitando um descuido do gigante tripartido, Hércules desferiu um golpe terrível de seu porrete nas pernas do monstro, que caiu de joelhos ao solo, sem poder erguer-se novamente.
Tendo-o inteiramente à sua mercê, o herói grego acabou com o gigante, esmigalhando os seus três corpos, um a um.
Quando Hércules voltava desta missão, teve de enfrentar ainda outro inimigo, num episódio que, apesar de não fazer parte dos seus dozes trabalhos, tornou-se muito famoso.
Este inimigo era Caco, famoso ladrão que habitava as cavernas do monte Aventino. Todo mundo que cruzava com Hércules parecia gozar de desmedida estatura, e Caco também era portador de um tamanho descomunal.
Enquanto Hércules dormia sob uma árvore para refazer-se do cansaço, o ladrão insinuou-se em meio ao rebanho e furtou silenciosamente alguns dos bois que o herói conduzia. Este ladrão — como todo bom profissional — tinha lá suas manhas.
Seu método particular de furto consistia em roubar bois e reses puxando-os pela cauda, até a sua caverna. Deste modo, invertendo a posição dos pés dos animais, dava sempre a impressão ao dono ludibriado de que eles não haviam entrado na caverna de Caco, mas, no máximo, saído de lá.
— Ei, gigante, não viu algumas reses perdidas passarem por aqui? — disse Hércules a Caco, quando passava em frente à sua caverna.
— Não senhor, sinto muito! — disse o pilantra, amavelmente. Hércules, apesar de toda a sua astúcia, já ia caindo também no golpe, quando de dentro da caverna ouviu uma das reses raptadas mugir, fazendo com que ele voltasse a cabeça.
— O senhor parece mugir muito bem! — disse Hércules, tomando já seu porrete.
Caco tinha suas partes de monstro, também. Vomitando fogo, o ladrão entrou correndo para dentro da caverna, tapando em seguida a entrada com uma imensa rocha.
Hércules, entretanto, com um soco poderoso, a desfez em mil pedaços.
— Devolva os meus bois, ladrão miserável! — dizia Hércules, furioso.
Dentro da caverna havia uma luz fraca produzida por um archote. O ladrão, temeroso, havia se refugiado mais para o interior. Das paredes pendiam as cabeças ensangüentadas de duas reses, ossos de animais e até de homens — pois o monstro, além de ladrão, era canibal. Mais ao canto havia também galinhas recém-penduradas, mostrando que ultimamente as coisas não andavam nada boas para o ladrão.
— Vamos, ladrão de galinhas, apareça! — ordenou Hércules, esmurrando as paredes.
Chegando a uma galeria profunda, o herói encontrou finalmente o gigante, que sem ter mais para onde se refugiar avançou enlouquecido sobre o herói, vomitando fogo pela boca.
Hércules agarrou-o pelo pescoço e torceu-o até que da antiga chama restasse apenas um fiozinho de fogo. Com esta fagulha Hércules acendeu um archote e saiu da caverna, levando consigo os seus bois.
E assim o herói grego retornou para Euristeu, que lhe revelou o conteúdo de sua próxima missão.
— Quero que você prove que é o mais forte dos homens, domando o temível touro de Creta.
Este animal era uma fera sanguinária que devastava toda aquela região.
Hércules chegou a Creta e pegou o touro à unha, obrigando-o a curvar seus chifres afiados em direção à terra, nesta que é uma das menos empolgantes de suas façanhas, pelo seu pouco ineditismo, pois além de Teseu também já ter dominado um que era em tudo idêntico a este, havia também Jasão, que domara não um, mas dois touros parecidos.
Chegara a hora, então, do penúltimo trabalho.
— Você certamente já ouviu falar no Jardim das Hespérides — disse a Hércules o seu desafiador.
— Já, mas não lembro mais do que trata.
— Quando Juno casou-se com Zeus — começou a explicar Euristeu -. recebeu de presente das divindades amigas várias maçãs de ouro, que nasceram numa árvore situada no jardim das Hespérides.
Euristeu explicou ainda que as Hespérides eram as filhas de Atlas, um dos titãs que moveram guerra contra Zeus. Derrotado, o gigante ficara obrigado, a partir daí, a sustentar o mundo nos ombros.
Junto à árvore estava postado um imenso dragão, encarregado da guarda dos valiosos frutos.
— Quero que você traga para mim estas maçãs de ouro — concluiu Euristeu Hércules partiu outra vez (e no caminho de mais esta aventura libertou Prometeu de seu rochedo, onde este fora agrilhoado por ordens de Zeus, em razão de ter furtado, sem o seu consentimento, o fogo dos céus).
Hércules, pela primeira vez, não conseguira chegar a seu objetivo, e parecia prestes a desistir quando encontrou em seu caminho o exausto Atlas, pai das Hespérides.
“Ninguém melhor do que ele saberá me indicar onde estão as benditas maçãs!”, pensou o herói.
— Bom-dia, velho Atlas — disse Hércules, jovialmente.
— Quem está aí? — resmungou o titã, sem poder erguer a cabeça, curvada sob o peso do mundo.
— Eu sou Hércules e preciso de uma informação sua.
— Diga.
— Quero saber onde fica o jardim de suas filhas. Preciso levar as maçãs de ouro que lá estão.
— E por que pensa que eu as daria gratuitamente? Hércules, contudo, já tinha uma proposta a fazer.
— Se você me trouxer esses preciosos frutos, eu carregarei, enquanto isso, o mundo nas costas para você.
Atlas, diante dessa vantajosa proposta, concordou imediatamente. Hércules tomou, assim, o mundo em seus braços, enquanto Atlas partiu em busca das frutas douradas.
Durante vários dias Hércules esteve curvado ao peso do mundo.
— Não é à toa que ele tem esse mau humor todo — resmungou o herói, já com dor nas costas.
Um dia, viu finalmente Atlas regressar com as preciosas maçãs.
O titã a princípio pretendia cumprir com a sua parte, mas depois de ver como era bom estar livre de todo aquele peso, começou a achar que era melhor deixar Hércules para sempre em seu lugar. Atlas teve a franqueza de revelar a Hércules o seu nefando propósito.
— Está bem — disse Hércules, resignando-se aparentemente ao seu destino. — Antes, porém, permita que eu cumpra minha tarefa e leve os pomos preciosos a Euristeu.
Atlas concordou. Nem bem retomou o mundo nas costas, escutou os passos do outro se afastando rapidamente, para nunca mais voltar.
Após alguns dias o herói apresentava diante do rosto satisfeito de Euristeu os pomos preciosos. Agora faltava completar o último dos doze trabalhos.
Euristeu, durante a ausência de Hércules, pensara numa tarefa quase impossível, até que chegou a elaborar seu último plano. “Desta vez mandarei Hércules literalmente para o inferno”, pensou.
— Você é realmente valente e intrépido — disse Euristeu ao herói. — Desta vez, porém, vou pôr à prova toda a sua valentia.
— Permita que eu diga que suas introduções começam a se tornar aborrecidas — disse Hércules, que já começava, na verdade, a se cansar daquela longa brincadeira.
— Eis, então, a sua última missão: quero que você desça até o reino das sombras e traga de lá Cérbero, o cão infernal.
— Mas esse cão pertence a Hades, irmão de meu pai — retrucou Hércules.
— Não me importa a quem ele pertence. Quero que o traga o quanto antes. Hércules, temendo contrariar a vontade de seu pai, Zeus, decidiu antes ir falar com ele. Depois de lhe explicar os seus propósitos, recebeu do deus dos deuses esta recomendação:
— Está bem, mas não machuque Cérbero nem o retire de lá sem o consentimento de meu irmão.
Tendo a companhia de Atena e Hermes, Hércules chegou a Tenaro, na Lacônia, onde está situada a abertura do inferno.
— Vamos, desçamos por aqui — disse Hermes, que tinha a incumbência de conduzir as almas dos mortos até a sua última morada.
Hércules, longe de parecer aterrorizado, tinha, ao contrário, o ar divertido de quem vai ver coisas pouco comuns. Não era por outra razão que tomava sempre a dianteira aos seus dois companheiros, obrigando Atena a pedir-lhe que moderasse o passo a todo instante.
— Que calma, que nada! — exclamava Hércules, sedento por ver as aberrações que diziam enxamear no reino dos mortos.
Depois de descerem por várias encostas ardentes e fuliginosas, chegaram os três, finalmente, até o Aqueronte, o rio que corta o inferno.
— Ei, barqueiro, ande logo! — disse Hércules, batendo palmas e chamando Caronte, que vinha retornando lentamente de sua viagem anterior.
— Onde pensa que está, atrevido? — gritou o velho, encolerizado, descendo seu remo sobre a cabeça do herói. O pedaço de madeira, entretanto, quebrou-se sobre a cabeça de Hércules como se fosse a frágil lasca de um palito gigante.
Hércules, empunhando sua maça gigantesca, já se preparava para devolver o golpe quando teve sua mão segura por Atena e Hermes.
— Calma, rapaz! — disse Hermes. — Deste jeito não chegaremos nunca à outra margem.
Os três embarcaram e seguiram viagem, enquanto o velho remador prosseguia a resmungar:
— Parece que está virando hábito os vivos andarem por aqui… Um dia é Ceres, noutro é Orfeu, agora é este gigante…
— O que está resmungando aí? — disse Hermes.
— Minha barca não foi feita para conduzir vivos, isto é que é! — disse o velho, apontando para a madeira.
De fato a proa da barca estava quase na linha da água, ameaçando virar a qualquer momento.
— Calma, já estamos quase chegando — disse Atena, apaziguadoramente.
Nem bem desembarcaram, Hércules deliciou-se com o espetáculo que tinha diante dos olhos. A primeira coisa que fez foi abraçar-se à sua esposa e aos seus queridos filhos, que a sua funesta loucura havia arrebatado de si.
— Perdoem-me, perdoem-me, eu não sabia o que estava fazendo, não estava em meu juízo — exclamava o herói, em prantos.
Sua esposa e seus filhos, que já sabiam a causa do ato insano, foram compreensivos o bastante para perdoá-lo. Logo depois Hércules seguiu para o interior do inferno, sempre acompanhado de seus guias, Atena e Hermes.
— Cérbero não guarda a entrada do inferno? — perguntou Hércules.
— Certamente já sabem de nosso propósito — disse Hermes. — Hades deve ter mandado que o recolhessem.
No mesmo instante um latido tétrico ecoou nos desvãos dos precipícios.
Enquanto andavam, Hércules ia enxergando muitos personagens que somente conhecia pelos relatos dos mais antigos: Orfeu, que Caronte já citara, passeava amorosamente com sua Eurídice; Adônis preparava-se para retornar à :erra em sua estadia anual entre os vivos; bem como os inseparáveis irmãos Castor e Pólux; Acteão ainda lamentava o azar de ter visto nua a vingativa Diana, porém já restabelecido de seus cruéis ferimentos; além destes e muitos outros, Hércules teve sua atenção despertada por um grupo numeroso de mulheres.
— Vejam, não são elas as belas Danaides?
Sim, eram elas que num constante vaivém iam enchendo um imenso tonel com suas jarras de chumbo. Todas pareciam dispostas a largar sua penosa tarefa para ir conversar com o musculoso herói, mas Atena apressou o passo dos três, dizendo:
— Não viemos aqui para provocar transtornos na rotina do inferno.
— Eis Hades em seu trono — disse Hermes, após andarem mais um pouco. Diante deles estava assentado o deus dos infernos, tendo ao lado a bela esposa Prosérpina.
— Meu irmão Zeus já me informou de sua pretensão — foi logo dizendo o deus infernal.
— Sim, preciso levar Cérbero para o mundo dos vivos — disse o herói.
— Tem minha permissão — disse Hades -, desde que não se utilize de arma alguma que possa ferir meu precioso cão de estimação.
Cérbero, que estava aos pés do deus, estendeu suas três línguas e lambeu a mão de seu dono, em agradecimento.
— Além do mais deve trazê-lo de volta no espaço de tempo mais curto possível — ajuntou, de maneira categórica.
Hércules aceitou os termos do deus e aproximou-se do cão para levá-lo. Cérbero, contudo, desvencilhando-se daquele estranho, correu para dentro duma . ova negra e malcheirosa.
— Vá buscá-lo — disse Hades. — Ou achou que bastaria passar a mão em suas três lindas cabeças?
Hércules, que já havia enfrentado e derrotado o irmão de Cérbero, entrou na cova escura e após receber várias dentadas do insociável cão conseguiu domá-lo, amarrando suas três bocas num laço seguro.
O cão passou ganindo diante de Hades, que procurou acalmá-lo:
— Calma, Cérbero fiel, logo você estará de volta.
E foi assim que Hércules completou seu último trabalho. Depois de levar o cão infernal até Euristeu — que teve a má sorte de levar em sua canela, ao mesmo tempo, três dentadas do vingativo animal -, Hércules levou-o de volta para Hades, encerrando assim a série de trabalhos e obrigando-nos a encerrar aqui, também, a crônica de suas vitórias.
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