Prometeu e o Fogo Sagrado

Prometeu sempre teve um pendor para as artes plásticas. Seu pai era o velho Japeto, um dos titãs, cuja origem se perde na noite dos tempos. Era tão velho que emparelhava em idade com Saturno, o pai de Júpiter, e ninguém sabia precisar direito como e de onde surgira.

O fato é que o velho sempre nutrira uma admiração secreta por seu habilidoso filho.

— Este Prometeu promete! — dizia, repetindo pela milésima vez esse cansativo trocadilho.

Ásia, esposa de Japeto, escutava pacientemente os prognósticos do marido, mas não podia deixar de concordar com o seu otimismo. Não raras vezes flagrara o menino metido no barro, modelando com habilidade seres das mais diversas formas. Com o tempo Prometeu cresceu, até atingir a fase adulta. Agora, já com seu ateliê montado, era respeitado em toda a corte celestial como notável artífice. Um dia chegou um mensageiro todo-poderoso à sua porta, dizendo:

— Prometeu, Júpiter decidiu criar um novo ser sobre a Terra, de tal modo importante que há de se assemelhar em tudo aos próprios deuses.

“Um deus de segunda categoria? Para quê?”, perguntou o artista a si mesmo.

Prometeu, entretanto, não opinava sobre as tarefas que recebia, mas procurava tão somente cumpri-las da melhor maneira possível. Assim sendo, aceitou imediatamente a incumbência. No mesmo dia encerrou-se em sua oficina, depois de colocar um aviso bem grande na porta destinado a afastar os importunos. Esta criação, bem o sabia, estava destinada a ser a sua obra-prima, e por esta razão decidiu caprichar ao máximo na sua elaboração.

Depois de trabalhar por vários dias, deu enfim por concluída a tarefa. Embrulhou a imagem do novo ser, que batizou de “Homem”, e já a ia levando para que Minerva, a sabedoria divina, lhe insuflasse a alma, quando esbarrou acidentalmente na porta, deixando cair a peça ao chão. Abalado com o desastre, Prometeu retirou o lençol que envolvia o trabalho e viu que sua criatura perdera uma de suas três maravilhosas pernas.

— Que desastre lamentável! — exclamou, desconsolado.

Mas, como estivesse muito apressado — pois a data da entrega da obra já havia expirado há vários dias —, resolveu levá-la assim mesmo, com duas pernas apenas. A perna do meio, contudo, perdera-se para sempre, ficando em seu lugar apenas uma pequena saliência, que o deus, por descuido, havia esquecido.

Mesmo assim, lá foi ele, orgulhoso, com sua obra-prima.

Todos os deuses foram unânimes em aplaudir a sua criação. Os elogios eram como uma chuva benfazeja, de tal modo que Prometeu tomou-se mais ainda de amores por sua obra.

Decidido, porém, a fazer daquela criatura um ser privilegiado, Prometeu decidiu subir até os céus e roubar ao carro do sol uma pequena chama.

— Veja! — disse ele a Minerva. — Com o domínio deste fogo o homem será superior a todas as demais criaturas!

Os descendentes deste primeiro homem, no entanto, logo entraram em desavença com o pai supremo, Júpiter — como acontece com todo bom filho Júpiter, encolerizado, decidiu puni-los retirando dos homens o fogo, que lhes dava o calor necessário aos seus corpos desprovidos de penas ou de um pêlo espesso. Deste modo o homem também ficava privado do elemento fundamental para que pudesse continuar a fabricar suas armas e ferramentas.

As forjas silenciaram em todo o mundo, e durante algum tempo as bigornas e os martelos estiveram momentaneamente pacificados. Quando a noite descia sobre a Terra, as pessoas corriam a se envolver em suas peles, buscando o abrigo das suas cavernas geladas e escuras. Sem o fogo para cozinhar os alimentos, tiveram também os homens de retroceder ao hábito de comer alimentos crus.

Prometeu, vendo que o ser que saíra de suas mãos padecia de incríveis sofrimentos sem indagar da causa que o levara a este lamentável estado, decidiu roubar outra vez aos céus uma fagulha do divino elemento.

— Cuidado, pense duas vezes antes de afrontar novamente a ira divina! -disse-lhe Minerva, em tom de advertência.

Prometeu, no entanto, surdo aos avisos da deusa, preferiu correr o risco. Aproveitando o escuro da noite, enrolou-se num manto e subiu aos céus, até onde o Sol repousava de sua longa viagem. Aproximando-se pé ante pé, puxou das vestes um tição apagado e o acendeu nas costas do astro, que dormia a sono solto.

Tapando com a mão a minúscula chama, veio de volta à Terra. Antes que o dia amanhecesse outra vez, uma imensa fogueira ardia bem no centro da Terra, onde os homens, felizes, foram recolher o fogo bendito para esquentar seus corpos e fabricar outra vez suas armas e utensílios.

Mas Júpiter, ao saber do fato, irou-se de vez.

— Aquele maldito intrometido saiu outra vez em defesa de seus protegidos! — disse o deus, puxando os cabelos. — Mas desta vez seu ultraje não ficará sem resposta!

No mesmo dia ordenou que aprisionassem Prometeu a um rochedo no Cáucaso.

— Quero que ele esteja para sempre preso àquela pedra! — exclamou Júpiter, furioso.

Ordenou ainda que soltassem sobre a região um terrível abutre, cuja degradante função seria a de devorar incansavelmente o fígado de Prometeu.

Assim se fez. Em menos de um dia Prometeu viu-se acorrentado ao imenso rochedo, enquanto um abutre de hora em hora descia para lhe comer o fígado. Nem bem a ave nojenta terminava sua tarefa, o fígado de Prometeu reconstituía-se milagrosamente, fazendo com que a ave insaciável retomasse a sua função, tornando deste modo infinito o suplício do pobre amigo dos homens.

Durante muitos anos Prometeu esteve submetido a essa horrenda tortura, quando um dia uma voz cavernosa ecoou sobre sua cabeça:

— Aprendeu agora a lição, Prometeu?

O filho de Japeto, no entanto, virou o rosto, em sinal de desprezo. Júpiter tentou ainda comprar-lhe o silêncio, prometendo que o libertaria de seu suplício caso ele se comprometesse a esconder dos homens o segredo da obtenção do fogo. Prometeu, mais uma vez, recusou-se a responder, pois ele não cedia nem a ameaças nem a ofertas.

Mas seu castigo, afinal, teve fim um dia. Hércules, filho de Júpiter, numa de suas inúmeras aventuras acabou matando o abutre que torturava de modo tão cruel o pobre Prometeu. Depois, já ia o herói arrancando-o de suas correntes quando a voz de Júpiter soou:

— Isto é impossível que se faça! — disse Júpiter, embora já se mostrasse disposto a perdoar o infeliz Prometeu. — Uma vez que eu afirmei que ele jamais se separaria deste rochedo, assim terá de ser até o final dos tempos.

Hércules, sem poder ir contra a vontade do próprio pai, já se dispunha a abandonar Prometeu no rochedo, quando este, sentindo voltar toda a sua anterior esperteza, disse assim ao seu algoz:

— Tenho uma solução que talvez resolverá meu problema — disse ele a seu libertador, sem voltar os olhos para Júpiter, mantendo com relação a ele o seu silêncio digno e ofendido.

Afinal, depois de ter o fígado roído por milhares de anos por uma ave pestilenta, não é da noite para o dia que se pode simplesmente fazer as pazes com o mandante de uma tal atrocidade. —

Rompa os elos de minhas correntes e faça com um pequeno pedaço dele um anel — disse Prometeu a Hércules.

Hércules assim o fez. Em instantes fabricou um pequeno e elegante anel.

— Ótimo! — disse Prometeu.

Depois, arrancando do grande rochedo uma minúscula partícula, soldou-a ao anel.

— Pronto! — disse Prometeu. — Agora permanecerei de qualquer modo sempre preso a este maldito rochedo.

Júpiter, admirando secretamente a inteligência da vítima, preferiu silenciar e encerrar de uma vez a longa disputa. Prometeu, por sua vez, concluía assim a segunda e mais importante lição aos homens: a de que nunca deveriam curvar-se à prepotência de ninguém.

A lição quanto ao uso do fogo, entretanto, teve, inegavelmente, muito maior aceitação.


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