EMBORA OS POVOS DE ISRAEL E DE JUDÁ TIVESSEM SE DEPARADO com o exílio em períodos sucessivos, e tivessem sido espalhados entre os estrangeiros, eles nunca foram totalmente absorvidos pelas comunidades nas quais se estabeleceram. Na maioria das vezes, os judeus da Diáspora, como estas colônias expatriadas eram chamadas, conseguiram sobreviver através do exercício de suas crenças religiosas distintivas. Durante o regime persa, eles tiraram proveito da tolerância política que era geralmente mostrada aos povos subjugados, e utilizaram suas habilidades na vida política, administrativa e comercial do império. Comunidades judaicas emergentes surgiram em pontos largamente separados, e a sua lealdade à lei aquemeniana frequentemente fazia com que fossem olhados com desconfiança pelos seus vizinhos menos prósperos, muitos dos quais se ressentiam amargamente do domínio persa.
O Início do Anti-Semitismo
Essas condições favoreceram o surgimento do anti-semitismo, e uma explosão deste comportamento ocorreu no Egito por volta de 410 a.C, durante o reinado de Dario II, quando o templo judeu em Elefantina foi saqueado em uma insurreição egípcia contra os conquistadores persas. Este ataque contra os interesses judeus foi mencionado em um dos papiros elefantinos, e é o primeiro incidente desse tipo que foi registrado. O livro de Ester reflete uma situação semelhante na outra extremidade do império, onde uma colônia judaica em Susã escapou por um triz do extermínio que ocorreria através de um plano para destruir outras colônias judaicas por todo o domínio imperial. O livro de Ester é uma valiosa fonte de informações acerca do regime aquemeniano, porque o seu vocabulário tem um toque inequivocamente persa, e a própria narrativa provém de um cenário da administração imperial. O autor estava familiarizado com o sistema pelo qual um concilio de sete nobres (Ed 7.14) aconselhava o rei sobre assuntos políticos (Et 8.8). A intriga da corte retratada pelo livro era uma característica do período, e a tranquilidade com a qual Ester calmamente escondeu suas ligações judaicas estava em total acordo com o conceito que Gordon denominou de “dissimulação”.2 O princípio permitia a um indivíduo dar a aparência de negar as suas afiliações religiosas normais e agir como se fosse membro de uma fé religiosa diferente, de forma a evitar prejuízo ou perigo pessoal. Assim, Ester empregou esta defesa quando foi levada para a casa real (Et 2.10), e da mesma maneira, quando o astuto anti-semita, Hamã, encontrou o seu fim nos patíbulos que havia preparado para Mardoqueu, primo de Ester. A população gentílica de Susã agiu como se eles mesmos fossem judeus, e muitos, entre os povos da terra, se fizeram judeus (Et 8.17).
Nas escavações realizadas em Susã descobriu-se um prisma quadrangular com números inscritos, semelhante ao dado usado para lançar sortes que Hamã empregava ao determinar uma data para a aniquilação dos judeus (Et 3.7), e que era conhecido naquela época como Pur. A Eesta de Purim, que foi subsequentemente instituída para comemorar a libertação dos judeus persas de seus inimigos, tomou o seu nome do dado que providencialmente havia lhes conferido uma pausa suficiente para empregar as medidas necessárias para a sua proteção (Et 9.26).
Em essência, as atitudes anti-semitas dos egípcios e dos persas, como exibidas nestes incidentes, são características dos julgamentos emocionais precipitados e conseqüentes reações da maioria irracional quando uma minoria expatriada atinge o sucesso material por meio de trabalho árduo. Como Orlinsky corretamente salienta, esta situação dificilmente poderia deixar de surgir por todo o império, onde as comunidades de judeus estavam florescendo sob o tolerante regime persa. E muito provável que estes e outros fatores tenham contribuído significativamente para o surgimento do nacionalismo judeu, que se tornou uma característica marcante deste período. Apesar do fato de que os judeus foram espalhados por todo o império, reconheciam o Templo em Jerusalém como o centro do judaísmo propriamente dito, e o judeu fiel em todo lugar contribuía com o seu meio siclo anual para a manutenção da adoração no Templo. As colônias judaicas espalhadas descobriram que a sua fé ancestral era comprovadamente um fator de coesão, poderoso para a vida coletiva, e seu valor neste aspecto foi posteriormente enfatizado quando o império persa desmoronou sob os ataques de Alexandre, o Grande.
O Período Grego
A ascensão do poder grego começou com Filipe da Macedônia, que uniu parte da Grécia antes de começar um ataque para recapturar outras cidades gregas que estavam sob o domínio persa. Ele morreu em 336 a.C. antes de conseguir realizar seu objetivo, e Alexandre, seu filho, o sucedeu. Este governante vigoroso conquistou a Ásia Menor em 333 a.C, marchou através da Síria, e anexou o Egito, que havia sido subjugado por Dario III em 334 a.C. Alexandre então levou as suas forças para além do Tigre até Gaugamela, onde infligiu uma severa derrota a Dario. Susã, Persépolis, e Ecbatana caíram em uma rápida sucessão, e depois que o poder do regime persa foi quebrado, Alexandre conquistou a índia e retornou à Babilônia em 323 a.C, onde morreu com trinta e três anos de idade. Embora a sua efetiva carreira militar tenha sido comparativamente curta, Alexandre entrou no período helenista, gerando extensas mudanças nos padrões culturais do Oriente Próximo. O grego se tornou a língua franca, e as antigas línguas, cuneiforme e hieróglifa, caíram gradualmente em desuso. O helenismo dominou o antigo império persa, e a adoção das tradições e costumes gregos provocou mudanças importantes nos campos da ciência, arte, filosofia e religião. A cultura helenista era tipificada em cidades como Alexandria (um exemplo extraordinário da imponente arquitetura e design gregos), que acomodava mais de um milhão de habitantes. Seu porto atraía as frotas de todas as nações marítimas, e a sua reputação como um centro intelectual era algo sem paralelos na antiguidade. A partir do século III a.C, as escolas astronômicas de Alexandria ultrapassaram aquelas da antiga Babilônia, enquanto que outras academias de aprendizado acrescentaram as suas contribuições à já impressionante reputação intelectual da grande cidade. A mais renomada biblioteca da antiguidade havia sido estabelecida ali no século IV a.C. por Ptolomeu I (323-285 a.C.) e ampliada por Ptolomeu II Filadelfo (285—247 a.C), com o objetivo confesso de alojar toda obra literária significativa existente. Posteriormente, jardins públicos, zoológicos, e museus, contribuíram para o esplendor desta cidade cosmopolita, rivalizando, em sua magnificência, com as glórias da antiga Babilônia.
A agitada atividade de Alexandria era característica do período grego, que viu um intercâmbio de produtos, tradições e idéias maior do que qualquer coisa que o mundo tinha conhecido antes. Esta situação naturalmente apresentou muitos problemas para o pequeno Estado da Judéia, que estava lutando muito para manter a sua identidade no mundo grego e para preservar intacta a sua estrutura e ideais teocráticos tradicionais. As mudanças culturais que estavam ocorrendo ao longo do império grego eram mais penetrantes do que qualquer coisa que os judeus já haviam experimentado em sua história variada. Ainda mais importante para a sobrevivência da vida cultural e religiosa judaica do que a atividade comercial dos negociantes gregos, os conflitos sociais da sociedade helenista, ou as superstições da religião paga, eram as ameaças que as várias fases do pensamento grego representavam para o judaísmo tradicional. O fato evidente era que os deuses dos filósofos gregos tais como Platão e Aristóteles tinham pouco ou nada em comum com a Divindade ancestral do povo hebreu.
Estoicismo
Um dos movimentos filosóficos mais importantes do período helenista deve a sua origem a um pensador de raiz fenícia, chamado Zenão (336—264 a.C). A filosofia que ele fundou foi denominada estoicismo, em atenção a Stoa Poikile, o pórtico em Atenas onde Zenão ensinava os seus alunos. Após sua morte, o seu pensamento sofreu alguma modificação nas mãos de seus sucessores, particularmente Crisipo (aproximadamente 280—207 a.C), e em uma época posterior ainda foi submetido à influência do platonismo. Assim, no período do Novo Testamento, quando Paulo encontrou o estoicismo em Atenas (At 17.18), estava lidando com uma filosofia que havia sofrido uma mudança considerável nas mãos de sucessivos expoentes. Embora os principais dogmas do estoicismo não se emprestem prontamente a uma sólida descrição, eles seguiram os pontos de vista de Sócrates, Platão e Aristóteles em pelo menos um aspecto; ou seja, o do pensamento de que o mundo era o produto de um grau avançado de habilidade, e que era guiado por uma providência beneficente de forma a assegurar o maior bem possível para a humanidade. Mas enquanto Platão e Aristóteles defendiam a imaterialidade geral da razão, o estoicismo empregou o termo “logos” ou “palavra” para descrever o que era basicamente um princípio de racionalidade que permeava toda a natureza. Zenão e seus seguidores admitiam uma crença na sobrevivência da alma humana após a morte, mas defendiam que este Estado continuaria apenas até o fim da fase específica do mundo a qual ela pertencia. Nesta conjuntura, como todas as demais coisas, ela seria absorvida na substância divina como o prefácio de um ato de criação inteiramente novo. Visto que se pensava que cada novo período era constituído de uma repetição exata dos períodos que o haviam precedido, algum tipo de conceito de vida eterna poderia ser nutrido.
Os estóicos não eram meramente panteístas, mas eram também deterministas e fatalistas no mais estrito sentido dos termos. Acreditavam que nem mesmo a vontade divina era realmente livre, uma vez que, na opinião deles, o seu curso sobre os séculos era determinado por uma lógica inflexível que fixava todos os múltiplos detalhes dos ciclos sucessivos da existência com muito tempo de antecedência. Portanto, nem mesmo Deus poderia interferir a fim de salvar o homem das consequências de seu destino estabelecido. Sob o domínio de Cleantes e Crisipo, a ética extremamente pedante do estoicismo foi modificada, até assumir uma forma mais humana e racional. Esta tendência foi exemplificada no pensamento dos três grandes escritores estóicos do império romano, ou seja, Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio, a quem o estoicismo como um sistema ético e filosófico deve qualquer popularidade que tenha recebido no mundo ocidental.
Epicurismo
Epicuro (341-270 a.C.) era, provavelmente, uma ameaça ainda maior para a sobrevivência do judaísmo do que Platão ou Aristóteles o foram. O fundador deste influente movimento filosófico nasceu em 341 a.C. na ilha de Samos. Por um tempo, estudou guiado por um discípulo de Demócrito, o filósofo atomista, e sua jovem carreira foi marcada pela pobreza e pelo desfavor político. Gradualmente atraiu um círculo de seguidores, e começou a ensinar as suas doutrinas características. Em 306 a.C, estabeleceu a sua escola em Atenas, e ali continuou as suas atividades até a sua morte em 270 a.C. Pode haver pouca dúvida de que as experiências do início de sua vida, juntamente com a incerteza geral da existência no período que se seguiu à morte de Alexandre o Grande, contribuíram materialmente para a ênfase distinta de sua doutrina. Epicuro ensinou que o objetivo principal da vida era a busca da felicidade por meio de uma separação serena dos extremos de comportamento. Esta atitude foi considerada característica da atitude experimentada pelos deuses, que eram completamente desinteressados nos seres humanos e em seus problemas.
Epicuro seguiu Demócrito na crença de que todos os fenômenos são formados de uma maneira bastante mecânica, a partir da confluência de uma quantidade atômica que parecia ter se juntado por acidente. Devido ao fato dos seres humanos também haverem sido formados deste modo geral, sustentava-se que não havia necessidade de alguém se preocupar com a possibilidade de intervenção divina nos assuntos da vida cotidiana. Da mesma maneira, a questão da punição depois da morte pelos pecados cometidos durante esta vida também não foi levantada, visto que a morte provocava uma completa e irrevogável dispersão dos átomos que constituíam o indivíduo. Epicuro se aconselhava constantemente contra as indulgências de qualquer tipo, e seus seguidores mais imediatos professavam ter encontrado contentamento em uma existência regulamentada que enfatizava as alegrias e os confortos da amizade.” Embora o seu sistema filosófico tenha sido um protesto valioso contra o panteísmo e o fatalismo de Zenão e seus seguidores, a sua insistência de que a sensualidade era incompatível com o verdadeiro prazer ou felicidade, foi cuidadosamente examinada pela maioria daqueles que faziam parte dos domínios gregos que foram influenciados por seus ensinos. A sociedade helenista foi famosa por sua corrupção, vulgaridade e imoralidade, e pela busca do prazer em si, combinada com a falta da insistência na autoridade de uma lei moral absoluta, e assim continha em si mesma as sementes de sua própria destruição.
A Resistência Judaica à Cultura Grega
Os habitantes da Judéia lutaram corajosamente contra a infiltração destas influências, e embora frequentemente se vissem fortemente pressionados por dentro e por fora pela investida do helenismo, tal como seus antepassados tinham feito durante o período do exílio, manifestaram uma determinação consistente de manter seu caráter religioso característico. Não se pode negar que, para o observador casual, a cultura dos gregos tinha um charme penetrante e sedutor, e foi somente através de um exame mais próximo que a inteligência e o refinamento que o helenismo apresentou ao mundo foram vistos como estando acompanhados por fatores do tipo mais degradante e desmoralizador.
Enquanto a maioria dos judeus resistiu ao impacto do pensamento grego sem muito esforço, as classes superiores pareceram ser mais suscetíveis à suas atrações. A sua natureza insidiosa permitiu que penetrasse nas fortalezas do judaísmo, a despeito dos melhores esforços das autoridades religiosas para impedi-lo. Entretanto, vigorosas medidas contrárias foram empregadas na tentativa de preservar as crenças e os costumes característicos dos judeus. A base do judaísmo tradicional, que foi estabelecida no exílio, foi fortalecida e ampliada pelo desenvolvimento do ideal teocrático.
O sumo sacerdócio desempenhou um papel importante nesse processo, representando assim os níveis mais avançados da administração na comunidade religiosa. Durante o período pós-exílio, o ofício de sumo sacerdote parece ter sofrido algum grau de restauração, visto que não há nenhuma menção de tal indivíduo na constituição ideal percebida no livro de Ezequiel. Ao desenvolver o judaísmo, o sumo sacerdote era, na verdade, o chefe espiritual e o representante do Estado, controlando a hierarquia espiritual dos sacerdotes, levitas e oficiais do Templo. O sumo sacerdote tipificava a santidade do Estado, e, como tal, tinha direito a privilégios especiais na adoração do Templo.
Os Escribas e a Sinagoga
O início do período pós-exílio na Judéia viu o surgimento de um grupo importante conhecido como os escribas, que foram influentes no desenvolvimento da lei judaica tradicional. Embora Esdras, o escriba, tivesse estabelecido a comunidade vinda do exílio com base na lei do Pentateuco, tornou-se evidente que intérpretes eram necessários para expor os dogmas da lei ao povo (Ne 8.8), e instruí-los em suas exigências. A mesma tradição sacerdotal da erudição que havia trazido Esdras à liderança, também forneceu alunos, intérpretes e copistas da lei, que substituíram os “eruditos” ou “sábios” das épocas anteriores aos dias de Esdras. Os ofícios que estes homens ocupavam eram de responsabilidade, e traziam aos escribas uma medida crescente de estima pública. Quando muitos dos sacerdotes sucumbiram à sedução do helenismo, os escribas os sucederam como guardiões e defensores da lei. Quando o aramaico entrou em voga na Judéia e substituiu o hebraico como a língua comum, os escribas mantiveram a sua familiaridade com o idioma de seus ancestrais, e se estabeleceram como estudantes profissionais da lei. Sua tarefa consistia da investigação de todo o corpo dos escritos religiosos hebraicos, e os exporem em relação aos problemas da vida que surgiam na comunidade. No decorrer do tempo, as interpretações que eles fizeram da lei adquiriram uma autoridade própria, e desta maneira surgiu um corpo de ensino inferido que acrescentou as afirmações dogmáticas da lei. Durante o período grego os escribas se tornaram aceitos como os verdadeiros instrutores dos judeus fiéis, e em um tempo posterior foram dignificados com o título de “rabi”.
Por causa de sua posição especial na comunidade como intérpretes da lei, os escribas usavam as sinagogas como a sua principal esfera de influência. A independência da adoração sacrificial do Templo havia sido forçada sobre os judeus durante o exílio, e a forma devocional do culto que Jeremias, Ezequiel e outros profetas tinham imaginado tornou-se o padrão estabelecido da atividade religiosa regular. Na Judéia, a sinagoga atendia esta necessidade proporcionando um lugar onde a Lei podia ser lida e estudada, de forma que o costume de ir à sinagoga no dia de sábado para a instrução na lei e para a oração cresceu com considerável rapidez. Escavações arqueológicas na Palestina não conseguiram encontrar traços das primeiras “sinagogas em casas” até o dia de hoje, e a indicação sobrevivente mais antiga de tal edifício está contida em uma inscrição em Jerusalém datando do fim do século II a.C.
Exemplos esplêndidos de sinagogas datando da era cristã foram descobertos em Cafarnaum, na Galiléia, e em outros lugares. Além de ser o centro de instrução religiosa para crianças e adultos, a sinagoga servia como um ponto focai para a atividade comunitária. Essencialmente, os escribas eram bem versados no que tange à sociedade contemporânea, e assim estavam em uma posição que lhes permitia dar conselhos seguros sobre vários problemas que afetavam os indivíduos em seu ambiente. Atividades legais de uma natureza local eram frequentemente executadas na sinagoga, e em tempos de perturbação política, as opiniões dos judeus fiéis eram frequentemente solidificadas por meio de grupos de discussão da sinagoga.
Os Fariseus
Algo que tem sido visto como uma reação por parte do judaísmo normativo à cultura do império grego ocorreu no século II a.C. na forma de um outro grupo de zelosos doutores da lei. Historicamente, eram os sucessores de Esdras e os primeiros escribas, e eram conhecidos como Fariseus ou “separatistas”, devido ao fato de almejarem um grau mais elevado de santidade religiosa e severidade moral do que os judeus de um modo geral. Na verdade esta separação consistia principalmente de certos escrúpulos a respeito da comida e das cerimônias religiosas, e o grau de aparência exterior que frequentemente estava envolvido gerou acusações de hipocrisia contra os fariseus como um todo. Não pode haver dúvida de que eram sinceros em suas convicções, embora seja igualmente verdade que faltava profundidade à sua religião. Eles não viam nenhuma incompatibilidade entre a providência divina dominante e a livre operação da vontade humana, rejeitando inteiramente o fatalismo da filosofia estóica. A tradição geral dos fariseus era baseada na aceitação da lei oral como tendo uma autoridade igual à do Pentateuco. Se um homem observasse as injunções da lei escrita de Moisés, e também colocasse em prática os ensinos tradicionais que haviam surgido a partir da exposição desta lei, poderia obter a justificação com Deus. Ensinavam que a expiação pelo pecado poderia ser obtida através de jejuns, confissões, lavagens cerimoniais, e através da atitude de dar esmolas. Embora concordassem com os estóicos até certo ponto em sua doutrina de predestinação, os fariseus também criam na imortalidade da alma, nos anjos, demônios e espíritos, e na ressurreição do corpo.
Além disso, estimulavam o batismo de prosélitos ao judaísmo, entregavamse à especulação sobre a sabedoria, e promoviam a doutrina do Messias. Isto teve, posteriormente, implicações religiosas e políticas, porque enquanto os fariseus esperavam a vinda do “Filho de Davi” que iria cumprir a Lei e elevar a teocracia a um nível sem precedentes, eles também esperavam que Ele realizasse a libertação permanente do domínio estrangeiro para o Estado da Judéia, e tornasse todas as nações sujeitas a uma Israel restaurada e vitoriosa. A superficialidade da doutrina dos fariseus talvez possa ser vista, da melhor forma, em seu pensamento a respeito do estado da felicidade futura após a morte. Para dizer o mínimo, estas ideias eram grosseiras e materialistas em natureza, transmitindo a impressão de que no mundo vindouro os homens viveriam em luxo, comendo, bebendo, e desfrutando de relações carnais com as suas esposas terrenas. Pode ter sido por esta, bem como por outras razões, que os fariseus logo conseguiram a estima e o apoio da população, e a influência que exerciam era tão grande que deixaram a impressão de suas doutrinas sobre todas as formas subsequentes de judaísmo. No século II a.C, desafiaram a autoridade e o prestígio dos escribas sacerdotais, e começaram a treinar seus próprios escribas leigos para instruir o povo na lei tradicional. Embora, sem dúvida alguma, colocassem grande ênfase nos aspectos legalistas e ritualistas da vida religiosa, trouxeram um grau de força e estabilidade ao judaísmo tradicional que permitiu que este sobrevivesse ao desastre que alcançou a teocracia no século I d.C.
Os Saduceus
Um outro grupo religioso que surgiu na sociedade judaica no final do século II a.C, era denominado “Saduceu”. A origem deste título é incerta, e algumas autoridades sustentam que é derivado de uma palavra hebraica e significa “os justos”. Outros estudiosos pensam, no entanto, que o grupo recebeu este nome em homenagem a Zadoque, que ou foi o sumo sacerdote no reinado de Davi (1 Rs 1.8) e Salomão (1 Cr 29.22), ou algum antigo líder não identificado do grupo. Ezequiel (44.15 e versículos seguintes) tinha uma elevada consideração pelos descendentes de Zadoque por conta de sua fidelidade permanente, e em sua visão do Templo restaurado, os zadoqueus receberam privilégios especiais, que os tornava, na verdade, o único sacerdócio legítimo. No período pós-exílio, os descendentes de Zadoque foram encontrados entre a classe sacerdotal, e é possível que o grupo dos saduceus de tempos posteriores tenha se originado deles.
Sua importância no estado judeu era proporcional ao seu número limitado, visto que consistiam principalmente de indivíduos ricos e educados que se mantinham distantes da massa de pessoas de modo geral. Eles formavam uma aristocracia sacerdotal conservadora, que exercia um grande controle sobre o ritual e a adoração do Templo, monopolizando o ofício sumo sacerdotal. Apesar do fato de que estavam em contato intelectual com o helenismo em um período anterior aos fariseus, os saduceus foram mais bem sucedidos em resistir às suas atrações. Isto foi provavelmente o resultado de sua insistência em confinar as suas doutrinas ao que era encontrado na lei escrita de Moisés. Rejeitavam inteiramente a validade da tradição oral tão valiosa para os fariseus, e negavam a autoridade da Tora de forma não escrita que os escribas e os fariseus igualmente expunham. Somente essas doutrinas que podiam reivindicar uma base na lei mosaica eram aceitáveis para os saduceus, porque consideravam como escrito hebraico legítimo apenas o Pentateuco, que tratavam dos temas da fé. Em consequência disso, negavam a existência de anjos, espíritos e demônios, porque eles afirmavam que tais seres espirituais não tinham lugar real nos acontecimentos registrados no Pentateuco. Da mesma maneira, rejeitavam as teorias vigentes de imortalidade, ensinando em vez disso que a alma morria com o corpo. E provável que a impopularidade dos saduceus tenha surgido, em parte, por sua recusa a aceitar muitas coisas que pareciam constituir uma parte importante da vida e do sistema do Antigo Testamento. Certamente o seu afastamento geral e suas ligações com os interesses adquiridos em Jerusalém pouco fizeram para granjear para eles a estima do homem comum.”
Os Samaritanos
Estes diferentes elementos na sociedade judaica experimentaram uma considerável medida de unidade na resistência que ofereceram à influência dos samaritanos. Como resultado das reformas de Neemias, ao se afastarem do judaísmo pós-exílio, estabeleceram o seu próprio templo no Monte Gerizim, e formaram uma próspera comunidade perto de Siquém no início do século IV a.C. Quando Alexandre passou vitoriosamente pelo Oriente Próximo, os samaritanos se revoltaram, mas foram rapidamente esmagados e expulsos de Samaria. Foram substituídos por macedônios leais, e em um astuto movimento político, Alexandre colocou a província de Samaria sob o controle judeu. Os samaritanos tiveram que concordar com uma série de exigências que tinham o intuito de enfatizar a distinção entre judeus e samaritanos. Estas circunstâncias aumentaram grandemente a desconfiança e a inimizade que já existiam entre os dois povos, e tornou praticamente impossível que se relacionassem de um modo normal.
Enquanto os judeus consideravam os samaritanos descendentes de expatriados mesopotâmios a quem Sargão havia estabelecido em Samaria na época em que o reino do norte caiu, os próprios samaritanos defendiam uma teoria bastante diferente sobre a sua origem. Eles traçavam a sua linha de descendência a partir de israelitas que permaneceram leais a Jeová quando a Arca do Concerto foi depositada em Silo (Jz 18.1) em vez de no Monte Gerizim, que defendiam ser o seu verdadeiro local. Como Gordon assinalou, há consideráveis evidências para a prioridade do santuário no território samaritano tradicional. O livro de Josué (8.30 e versículos seguintes) registra que depois da queda de Ai, Josué edificou um santuário no Monte Ebal, e em sua consagração a metade do povo se reuniu perto do santuário enquanto a outra metade se reuniu no Monte Gerizim, que ficava do outro lado de uma passagem estreita.
É importante perceber que o santuário que Josué edificou no Monte Ebal foi o único a ser erigido de acordo com as instruções específicas de Moisés (Dt 27.4). A importância do local pode ser julgada pelas ordens que Moisés deu de que a Lei deveria ser inscrita sobre as pedras do altar naquele local (Dt 27.8), e que as penalidades que se seguiriam às violações da lei deveriam ser proclamadas solenemente sobre o Monte Ebal (Dt 11.29; 27.13; Js 8.33 e versículos seguintes). Parece provável que Moisés quisesse que o centro da adoração dos hebreus se localizasse no Monte Gerizim como insistiram os samaritanos, e não em Jerusalém, que nunca é mencionada pelo nome no Pentateuco e que era uma fortaleza dos jebuseus na época de Josué. Os samaritanos tinham as suas próprias versões do Pentateuco hebraico, as quais defendiam como tão antigas quanto a própria seita. O texto deles era independente da tradição judaica, e acredita-se ter sido originado com o retorno de um sacerdote deportado, para instruir os recém estabelecidos habitantes de Samaria na lei de Jeová, depois que uma praga de leões os tinha aterrorizado (2 Rs 17.26 e versículos seguintes.). Se o Pentateuco samaritano surgiu desta maneira, isto faz parecer que os livros de Moisés existiam na época de Esar-Hadom em uma forma semelhante ao que os samaritanos aceitavam como canônico. O texto do Pentateuco samaritano sofreu uma considerável alteração nas mãos dos escribas samaritanos, mas o cânon é o mesmo do Pentateuco hebraico. Como os saduceus, os samaritanos rejeitavam todos os outros escritos religiosos hebraicos, baseando a sua fé e prática somente nas doutrinas do Pentateuco. Durante o período grego os samaritanos se tornaram atraídos pelo materialismo mundano da cultura helenista, mas continuaram tendo o seu interesse religioso nas provisões da aliança mosaica.
O Templo de Jerusalém
A característica mais simbólica de todo o judaísmo era, provavelmente, o Templo em Jerusalém.13 Nos tempos pré-exílicos o Templo tinha funcionado, em parte, como uma capela real, mas depois do retorno à Judéia tornou-se o centro da vida religiosa nacional. O culto sacrificial foi restaurado, e constituiu-se a marca exterior da obediência judaica à lei Divina. Esta função importante da vida no Templo era controlada inteiramente pelo sacerdócio, e uma vez que o sacrifício só poderia ser oferecido em Jerusalém, os sacerdotes do Templo passaram a desfrutar de um considerável prestígio na nação. Tradicionalmente os sacerdotes exerciam outras funções na comunidade além de fazer a mediação entre os homens e Deus, e estas coisas incluía a regulação do ritual, a imposição de leis sanitárias e médicas, e a ordem da vida no estado em um âmbito semi-judicial. Provavelmente o trabalho de Esdras incluía a restauração do sistema pré-exílio através do qual o sacerdócio tinha sido dividido em vinte e quatro seções. Na comunidade restaurada cada uma destas divisões ministrava regularmente no Templo conforme a ordem de turnos, e era realizada pelos levitas, que eram organizados em uma base similar. Era tarefa dos levitas agir como servos dos sacerdotes, mas eles também executavam outras obrigações como vigias, porteiros, e cantores. Os que trabalhavam no Templo eram sustentados por contribuições regulares provenientes das primícias, dos dízimos, e de outros pagamentos, que incluíam o meio siclo anual com que cada judeu adulto fiel contribuía. Esta última doação era usada para custear as despesas contraídas e/ou relacionadas com as ofertas queimadas diárias, e outros sacrifícios comuns. A generosidade dos judeus que moravam fora da Palestina ajudou a aumentar os rendimentos do Templo, e no final do período grego o tesouro guardava grandes somas de dinheiro.
A oferta do sacrifício diário em favor da nação era o principal dever dos sacerdotes. Este ato de adoração envolvia o sacrifício de um cordeiro de um ano, nos períodos da noite e da manhã, e era acompanhado por ofertas de grãos e por ofertas líquidas. O sumo sacerdote geralmente oficiava em adoração no sábado, e em festas religiosas importantes. O Templo era o lugar onde os sacrifícios públicos e particulares ocorriam sob a direção do sacerdócio, e era bastante distinto da sinagoga, que estava sob o controle dos escribas e fariseus, além disso, fornecia um lugar para a oração, a leitura da Escritura e a exposição da Lei. Em um período posterior, toda a comunidade judaica foi dividida em grupos semelhantes ao do sacerdócio. Cada grupo, sucessivamente, representava toda a nação no sacrifício, fazendo a oferta diária em favor da população. Esta prática continuou até a destruição do Estado judeu no século I d.C.
Embora o judaísmo fosse estabelecido com o propósito confesso de exemplificar a santidade, provou estar sujeito às tentações que, mais cedo ou mais tarde, alcançariam todo regime autoritário. O prestígio que os sacerdotes detinham no Estado era utilizada para impingir cargas religiosas e cerimoniais intoleráveis e opressores à nação. O mundanismo da cultura helenista se mostrou muito atraente a maioria dos membros do sacerdócio, e, como resultado, a sua atitude em relação aos seus deveres e responsabilidades tornou-se decididamente materialista. O sumo sacerdote frequentemente usava a sua posição espiritual na comunidade para obter vantagem política, e a história posterior do Templo viu muita intriga ocorrendo nas esferas do poder secular e religioso. Mas apesar destes fatores adversos, o sacerdócio exerceu uma influência predominantemente estabilizante na vida do povo, e nenhuma outra classe em toda a história da nação exerceu um controle mais consistente, tanto sobre os assuntos individuais como coletivos.
——- Retirado de R. K. Harrison – Tempos do Antigo Testamento.
Leia também:
- Canaã e o Deserto
- Data do Êxodo
- Os Patriarcas na Palestina
- Israel No Egito
- Do Egito Antigo ao Período de Amarna
- Os Heteus (ou Hititas)
- A Ascensão de um Governo Centralizado em Israel
- A Cidade de Jericó
- A Conquista de Canaã
- O Monólito Merneptá
- A Ascensão dos Juízes
- Jerusalém e os Filisteus
- A Religião dos Cananeus
- O Período dos Macabeus
- A Profecia entre os Hebreus
- O Crescimento do Poder Sírio
- O Declínio de Israel
- A Queda de Judá
- A Ascensão da Babilônia
- O Primeiro Cativeiro de Judá
- O Exílio de Judá
- O Declínio do Poder Babilônico
[…] A Ascenção do Judaísmo […]
[…] A Ascenção do Judaísmo […]
[…] A Ascenção do Judaísmo […]