Era uma vez um rei que teve três filhos. Quando o soberano morreu, os filhos mais velhos não deram nem sombra da herança para o caçula, a não ser um garrano velho, branco e manco.
— Se não ganho nada além disso — disse ele —, parece que é melhor aceitá-lo.
Foi andando com ele diante de si, ora a pé, ora cavalgando-o. Quando já havia cavalgado por um bom tempo, pensou que o garrano precisaria comer um pouco, por isso apeou à terra, e o que viu surgir do oeste em direção a ele, senão um cavaleiro a cavalgar imponente e muitíssimo bem?
— Saudações, meu rapaz — disse ele.
— Salve, filho do rei — respondeu o outro.
— Quais são as novas? — perguntou o filho do rei.
— Ganhei isto — respondeu o rapaz que chegava. — Venho, depois de partir meu coração, montado neste cavalo que mais parece um asno; mas você trocaria o garrano branco e manco por ele?
— Não — disse o príncipe —, seria mau negócio para mim.
— Não precisa temer — disse o homem que chegava. — Digo apenas que ele pode ser mais útil a você do que a mim. Ele tem um valor: não há um único lugar em que você possa pensar nos quatro cantos da roda do mundo aonde o cavalo preto não possa levá-lo.
Então o filho do rei ficou com o cavalo preto e deu o garrano branco e manco. Quando montou, onde poderia pensar em estar, senão no Reino Sob as Ondas? Ele foi e, antes de o sol nascer no dia seguinte, estava lá. O que encontrou ao chegar, senão o filho do Rei do Reino Sob as Ondas, que convocara a corte? O povo do reino se reuniu para ver se havia alguém que se incumbisse de buscar a filha do Rei dos Gregos32 para ser a esposa do príncipe. Ninguém se ofereceu, e quem deveria se apresentar senão o cavaleiro do cavalo preto?
— Você, cavaleiro do cavalo preto — disse o príncipe —, eu o ponho sob cruzes e feitiços para que traga a filha do Rei dos Gregos aqui antes de o sol nascer amanhã.
Ele saiu, pegou o cavalo preto, apoiou o cotovelo na crina dele e soltou um suspiro.
— O suspiro do filho de um rei sob feitiços! — disse o cavalo. — Mas não se aflija: faremos a tarefa que foi posta diante de você.
E assim partiram.
— Agora — disse o cavalo —, quando nos aproximarmos da grande cidade dos gregos, você notará que as quatro patas de um cavalo nunca estiveram na cidade. A filha do rei me verá do alto do castelo, olhando pela janela, e não ficará contente se não der uma volta montada em mim. Diga que ela pode fazer isso, mas o cavalo não aceitará outro homem senão você cavalgando nele à frente de uma mulher.
Aproximaram-se da grande cidade, e ele mostrou sua habilidade de equitação. A princesa estava olhando pela janela e notou o cavalo; a equitação a agradou, e ela saiu exatamente na hora em que o cavalo chegou.
— Deixe-me dar uma volta no cavalo — disse ela.
— Pode fazer isso — respondeu ele —, mas o cavalo não permitirá que ninguém além de mim monte nele à frente de uma mulher.
— Tenho meu próprio cavaleiro — disse a princesa.
— Se é assim, ponha-o na frente — respondeu ele.
Antes mesmo que o cavaleiro montasse, quando tentou se levantar, o cavalo ergueu as patas e deu-lhe um coice.
— Venha você, então, e monte à minha frente — disse ela. — Não vou deixar de cavalgar.
O rapaz montou o cavalo, a princesa foi atrás dele e, antes que ela se desse conta, estava mais perto do céu que da terra. Ele estava no Reino Sob as Ondas com ela antes de o sol nascer.
— Você veio — disse o Príncipe do Reino Sob as Ondas.
— Eu vim — respondeu ele.
— Muito bem, meu herói — disse o príncipe. — Você é filho de um rei, mas eu sou filho do sucesso. De todo modo, agora não teremos demora nem descuido, e sim casamento.
— Vá com calma — disse a princesa. — Seu casamento não será tão rápido quanto imagina. Até eu pegar o cálice de prata que minha avó usou em seu casamento, e que minha mãe usou também, não me casarei, pois preciso usá-lo em meu próprio casamento.
— Você, cavaleiro do cavalo preto — disse o Príncipe do Reino Sob as Ondas —, eu o ponho sob feitiços e cruzes, a menos que a taça de prata esteja aqui antes de o sol nascer amanhã.
Ele saiu, pegou o cavalo preto, apoiou o cotovelo na crina dele e soltou um suspiro.
— O suspiro do filho de um rei sob feitiços! — disse o cavalo. — Monte e conseguirá o cálice de prata. O povo do reino está reunido em torno do rei esta noite, pois ele sente falta da filha, e, quando você chegar ao palácio, entre e me deixe de fora; a taça estará com eles, circulando de mão em mão. Entre e sente-se no meio deles. Não diga nada e aja como uma das pessoas do lugar. Mas, quando o copo chegar até você, esconda-o embaixo do seu braço, saia e traga-o até mim, e partiremos.
Lá foram eles, e chegaram à Grécia, e ele entrou no palácio e fez o que o cavalo preto dizia. Pegou o cálice, saiu e montou, e antes de o sol nascer estava no Reino Sob as Ondas.
— Você veio — disse o Príncipe do Reino Sob as Ondas.
— Eu vim — respondeu ele.
— É melhor nos casarmos agora — disse o príncipe à princesa grega.
— Sem pressa nem afobação — disse ela. — Não me casarei até receber o anel de prata que minha avó e minha mãe usaram quando se casaram.
— Você, cavaleiro do cavalo preto — disse o Príncipe do Reino Sob as Ondas —, cuide disso. Teremos esse anel aqui amanhã ao nascer do sol.
O rapaz foi até o cavalo preto, apoiou o cotovelo na crina dele e contou o caso.
— Nunca houve diante de mim problema mais difícil do que esse que agora está à minha frente — disse o cavalo —, mas não há como evitá-lo. Monte em mim. Há uma montanha de neve, uma montanha de gelo e uma montanha de fogo entre nós e a conquista desse anel. Será bem difícil ultrapassá-las.
Assim, partiram como sempre e, a cerca de um quilômetro e meio da montanha de neve, estavam enfraquecidos de tanto frio. Ao se aproximarem, ele bateu no cavalo preto e, com o salto que deu, o cavalo foi parar no alto da montanha de neve; no salto seguinte, estava no alto da montanha de gelo; no terceiro salto, atravessou a montanha de fogo. Depois de passar pelas montanhas, o rapaz ficou agarrado ao pescoço do cavalo, como se estivesse prestes a cair. Ele foi em frente até uma cidade lá embaixo.
— Desça — disse o cavalo preto — e vá até uma ferraria; faça um cravo de ferro para cada ponta de osso em mim.
Ele desceu como o cavalo queria, mandou fazer os cravos e com eles voltou.
— Espete-os em mim — disse o cavalo —, todos os cravos em todas as pontas de osso que eu tiver.
Assim ele fez; espetou os cravos no cavalo.
— Há um lago aqui — disse o cavalo — com seis quilômetros de comprimento e seis de largura, e, quando eu entrar na água, o lago pegará fogo e arderá. Se você vir o Lago de Fogo se apagar antes de o sol nascer, espere por mim; se não, siga seu caminho.
Lá se foi o cavalo preto para o lago, e o lago se tornou fogo. Por muito tempo ele andou em torno do lago, batendo as palmas das mãos e rugindo. O dia chegou e o lago não se apagou. Mas, na hora em que o sol estava surgindo da água, o lago se apagou. E o cavalo preto se ergueu no meio da água com um único cravo no corpo, e o anel na ponta dele. Ele chegou à margem e desabou ao lado do lago. Então veio o cavaleiro. Pegou o anel e arrastou o cavalo até a encosta de uma colina. Abaixou-se para protegê-lo, com os braços em volta dele, e, à medida que o sol se erguia, ele ficava cada vez melhor, até o meio-dia, quando se levantou.
— Monte — disse o cavalo —, e vamos embora.
Ele montou no cavalo preto e os dois partiram. Alcançou as montanhas, fez o cavalo pular na montanha do fogo e chegou ao topo. Da montanha de fogo ele saltou para a montanha de gelo, e da montanha de gelo para a montanha de neve. Deixou as montanhas para trás e pela manhã estava no reino no fundo do mar.
— Você veio — disse o príncipe.
— Eu vim — respondeu ele.
— É verdade — disse o Príncipe do Reino Sob as Ondas. — O filho de um rei é você, mas o filho do sucesso sou eu. Não teremos mais erros e atrasos, mas um casamento desta vez.
— Vá devagar — disse a Princesa dos Gregos. — Seu casamento ainda não está tão próximo quanto você pensa. Até que construa um castelo, não me casarei com você. Nem no castelo de seu pai nem no de sua mãe hei de morar; faça para mim um castelo ao qual o castelo de seu pai não se equipare.
— Você, cavaleiro do cavalo preto, faça isso — disse o Príncipe do Reino Sob as Ondas — antes do próximo nascer do sol.
O rapaz foi até o cavalo, apoiou o cotovelo no pescoço dele e suspirou, pensando que aquele castelo nunca poderia ser feito.
— Nunca houve uma curva no meu caminho mais fácil de passar do que essa — disse o cavalo preto.
Mal olhou à sua volta e o rapaz viu tudo o que se passava, tantos artífices e tantos pedreiros trabalhando que o castelo estava pronto antes do nascer do sol. Ele chamou o Príncipe do Reino Sob as Ondas e este viu o castelo. Tentou arrancar um dos olhos, imaginando ter uma visão falsa.
— Filho do Rei do Reino Sob as Ondas — disse o cavaleiro do cavalo preto —, não pense que essa é uma falsa visão; a visão é verdadeira.
— É verdade — respondeu o príncipe. — Você é filho do sucesso, mas eu também sou. Agora não haverá mais erros nem atrasos, e sim um casamento.
— Não — disse ela. — É chegada a hora. Não devemos ir ver o castelo? Há tempo suficiente para o casamento antes de a noite chegar.
Foram até o castelo, e o castelo não tinha nenhum senão.
— Eu vejo um senão — disse o príncipe. — Pelo menos um defeito a ser corrigido. Um poço a ser feito lá dentro, para que não se precise ir muito longe buscar água quando houver um banquete ou casamento no castelo.
— Isso não há de demorar — disse o cavaleiro do cavalo preto.
O poço foi feito, e tinha sete braças de profundidade e duas ou três de largura. Eles o viram a caminho do casamento.
— Está muito bem-feito — disse ela —, a não ser por um pequeno defeito acolá.
— Onde está? — perguntou o Príncipe do Reino Sob as Ondas.
— Ali — respondeu ela.
Ele se inclinou para olhar. Ela deu um passo atrás, pôs as duas mãos nas costas dele e o atirou dentro do poço.
— Queda-te aí — mandou ela. — Se vou me casar, não será contigo. O homem que empreendeu cada façanha concluída, se ele desejar, é com quem me casarei.
E lá se foi a princesa com o cavaleiro do cavalinho preto para o casamento. E ao final de três anos depois disso, ele se lembrou pela primeira vez do cavalo preto e de onde o deixou. Levantou-se e saiu, e lamentou muito sua negligência para com o cavalo preto. Ele o encontrou exatamente onde o havia deixado.
— Boa sorte para você, cavalheiro — disse o cavalo. — Parece que encontrou uma coisa de que gosta mais do que de mim.
— Não encontrei, nem encontrarei, mas me aconteceu de esquecê-lo — disse ele.
— Não me importo — disse o cavalo —, não fará diferença. Levante sua espada e corte minha cabeça.
— A sorte não permitirá que eu faça uma coisa dessas — respondeu ele.
— Faça isso agora mesmo, ou serei eu a cortar sua cabeça — insistiu o cavalo.
Então o rapaz desembainhou a espada e cortou a cabeça do cavalo; depois, ergueu as mãos e soltou um grito doloroso. E o que ouviu atrás de si?
— Saudações, meu cunhado.
Olhou para trás e lá estava o homem mais belo no qual já pusera os olhos.
— O que o fez chorar pelo cavalo preto? — perguntou ele.
— É que neste mundo nunca nasceu, nem de homem nem de animal, uma criatura que eu apreciasse mais — disse o jovem.
— Você me aceitaria no lugar dele? — perguntou o estranho.
— Se eu pudesse pensar que você é o cavalo, aceitaria; mas, se não, preferiria o cavalo.
— Pois eu sou o cavalo preto — disse o homem. — Se não fosse, como você poderia ter conseguido todas as coisas que saiu a procurar na casa de meu pai? Desde que fui enfeitiçado, a muitos homens acorri antes de você me encontrar. Diziam todos as mesmas palavras: não podiam ficar comigo, nem cuidar de mim, e nunca ficaram comigo por mais que um dia. Mas, quando nos encontramos, você esteve comigo até o tempo se esgotar e os feitiços chegarem ao fim. E agora deve ir para casa comigo, e faremos um casamento na casa de meu pai!
Fim.
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