Menu fechado

O Reinado de Salomão

Depois da morte de Davi, Salomão consolidou imediatamente a sua posição no trono, e outra vez há algumas evidências de que a influência do matriarcado ainda estava sendo sentida. Com relação a isso, a posição de Abisague é de algum interesse porque, embora o seu relacionamento com Davi fosse mais de uma enfermeira do que de uma parceira matrimonial, após a morte de Davi, ela parece ter sido reconhecida como tendo, pelo menos até certo ponto, uma reivindicação ao trono. Isto fica evidente a partir da resposta indignada de Salomão ao pedido de Adonias, apresentado por Bate-Seba, que consistia em que ele recebesse Abisague como sua esposa (1 Rs 2.17), o que implicaria no direito de sucessão ao trono. Para Salomão, esta ameaça à sua posição de rei só poderia ser removida à custa da violação de um antigo juramento para poupar a vida de Adonias; ele deveria ser morto por sua indiscrição, foabe, o fiel servo de Davi, também foi morto por oferecer a sua lealdade a Adonias em sua tentativa de assumir o poder, enquanto o sacerdote Abiatar foi banido para Anatote por sua participação na intriga. Simei, que havia recebido ordens de viver em Jerusalém sob a vigilância das autoridades, violou a sua palavra de honra depois de três anos, e, quando retornou à cidade, também foi morto.

Como um jovem, Salomão tinha uma disposição profundamente religiosa, e como o ensi sumeriano Gudéia de Lagash, ele recebeu oráculos de Deus na forma de sonhos. Era uma pessoa de grande habilidade intelectual, e se tornou um homem legendário, embora sendo muito jovem, quando comparado a outros. Ele recebeu o mérito de muitas composições poéticas, e era particularmente versado em cristalizar os múltiplos aspectos da vida na forma de provérbios literários, uma prática que também era popular nos círculos da corte egípcia daquela época. Em um período histórico em que os governantes contemporâneos quase não eram reconhecidos por suas habilidades intelectuais, a sua perícia estimulava a curiosidade das pessoas de longe e de perto, e a visita da rainha de Sabá comprovava este fato.

Tendo provavelmente a política bem como outras considerações em vista, Salomão se casou com uma princesa egípcia, que passou a viver em sua corte. Isto é, em si, uma indicação de que o Egito estava em uma condição comparativamente fraca, visto que vários séculos antes as mulheres do Egito eram terminantemente proibidas de deixarem a sua terra natal a fim de se casarem com estrangeiros. Sob o governo de Davi, Israel tinha crescido em influência, enquanto o Egito estava em declínio, e Salomão estava começando a colher os benefícios da política que seu pai havia se esforçado para implementar. Ele deu continuidade ao processo de redução da autoridade tribal estabelecendo doze distritos administrativos. Cada um destes distritos deveria ser responsável por sustentar a casa real durante um mês de cada ano. Estes distritos substituíram o padrão tribal que, tradicionalmente e, em grande extensão, eram controlados pelos governadores que desfrutavam do favor real.

Campanhas na Síria

A fim de assegurar as fronteiras de seu reino, Salomão empreendeu uma série de campanhas militares. Uma destas expedições foi lançada contra Hamate no rio Orontes, na Síria, há cerca de cento e noventa quilômetros ao norte de Damasco. Hamate havia sido uma cidade próspera sob o governo dos hititas, e recentes escavações realizadas nesse local descobriram muitas inscrições hititas. A região era bem irrigada, e como tal, adequada para as “cidades das munições” de Salomão (2 Cr 8.4). A dinastia aramaica de Hadade, o edomita, que estava tentando libertar o povo edomita do controle de Israel, era uma crescente fonte de turbulência. Desse modo Rezom, o general de Hadade, assumiu o controle de Damasco, e numa tentativa de reprimir a ameaça provocada por esta atitude, Salomão fortificou a antiga cidade de Hazor, da Idade do Bronze. Escavações ali realizadas mostraram que no reinado de Salomão ela foi um centro para o ajuntamento de carruagens, e alguns dos postes onde se amarravam os animais, que remontam aquele período, foram descobertos. A região libanesa foi semelhantemente fortificada, e para se guardar contra os grupos de ataque edomitas, Salomão protegeu o fluxo de cobre e outros produtos do porto de Eziom-Geber ao norte, cruzando Arabá.

Enquanto Davi tinha se recusado a empregar carruagens, Salomão viu o seu valor como uma arma militar, e construiu algumas divisões que ficavam estacionadas em posições estratégicas por todo o seu reino. Estas cidades fortificadas incluíam Jerusalém, Gezer, Hazor, e Megido (1 Rs 9.15 e versículos seguintes), e escavações arqueológicas nesses locais revelaram as ruínas de cercados de carruagens e estábulos. Em Megido, o nível IV B continha um grupo de estábulos que poderia ter acomodado cerca de quinhentos cavalos. No entanto, há alguma dúvida quanto a se este nível pertence à época de Salomão ou à de Acabe de Israel. A estrutura de alvenaria em Megido corresponde à descrição encontrada em 1 Reis 7.12, e pode ter sido o resultado da influência da arquitetura tíria.

Salomão e os Fenícios

Salomão tirou proveito do declínio dos poderes egípcio e assírio para expandir os interesses econômicos de seu vasto reino. Um de seus primeiros atos políticos foi confirmar a aliança que tinha existido entre Davi e Hirão, rei de Tiro. Os israelitas jamais haviam mostrado qualquer desejo de atacar a poderosa fortaleza da costa fenícia, e a ratificação do tratado de amizade com Hirão teve o efeito de colocar a riqueza econômica do reino marítimo à disposição de Salomão, sem o esforço e risco de uma campanha militar. A domesticação do camelo como um animal de carga havia revolucionado o comércio de caravanas por todo o Oriente Próximo, tornando possível transportar cargas muito mais pesadas por longas distâncias. Lima vez que Salomão controlava os distritos fronteiriços da Transjordânia, ele possuía um verdadeiro monopólio de todo o comércio de caravanas entre a Arábia e a Síria. Desta atividade comercial Salomão obtinha uma grande receita, em parte exigindo tarifas e em parte fazendo comércio com outras nações. O rei construiu uma grande marinha, que era baseada em Eziom-Geber, e era tripulada por marinheiros fenícios. Ela transportava os produtos da Palestina até os portos do oriente e na volta traziam ouro negro, prata, e outros artigos de luxo (1 Rs 10.22). O controle que Salomão tinha das rotas marítimas, permitia que importasse cavalos da Ásia Menor e carruagens do Egito, vendendo-os então por um preço fixo. Ele também explorava os ricos recursos minerais de Arabá, e obtinha trabalhadores fenícios para supervisionar a mineração e o derretimento de cobre nas cercanias de Eziom-Geber, e em partes do vale do Jordão.

As fornalhas que estes técnicos e artesãos construíram, foram descobertas por Glueck em 1938 em Eziom-Geber, e provaram ser excelentes modelos de refinarias de cobre do século X a.C.’ Os fenícios haviam adquirido uma considerável experiência na construção de fornalhas, e localizaram as refinarias de minério de Salomão na melhor posição possível quando as estabeleceram em Eziom-Geber (Tell el-Kheleifeh), de forma a tirar o máximo proveito do contorno natural. O lugar estava situado entre a região montanhosa do Sinai e o platô rochoso de Edom, e, como resultado, recebia a força total dos imensos vendavais que varriam o Uádi Arabá, desde o norte.

Quando o local foi escavado, um edifício incomum foi descoberto na extremidade noroeste do monte, e ao ser completamente exposto, o seu muro norte foi encontrado inteiramente sem aberturas, exceto por duas fileiras horizontais de furos. Estes eram ligados a uma série de dutos de ar que percorriam o centro dos muros principais e estavam ligados à fileira superior de furos para formar dutos de captação. Para derreter o minério, os trabalhadores o colocavam em cadinhos dentro do fundidor, e então acendiam um fogo, de galhada cortada ou madeira, debaixo do container de minério. O vento soprando pelo vale através das brechas era apanhado na parte superior dos dutos e direcionado para o fogo, que se tornava intensamente quente, mesmo quando se usavam pequenas quantidades de combustível, e derretia o minério em lingotes que eram transportados para outro lugar, para a fabricação de vários tipos de produtos.

Embora seja provável que o minério de cobre para a fundição tenha sido trazido da Sardenha ou da Espanha para Eziom-Geber, certamente havia depósitos suficientes de cobre e ferro nos afloramentos de arenito moles que permitiam que a mineração fosse empreendida ali nos dias de Salomão. Em Tell el-Kheleifeh, perto dos lugares de onde o minério foi extraído, os escavadores encontraram as ruínas de várias pequenas fornalhas, e a partir da presença de grande quantidade de escória, parece que ocorreu um considerável processamento de minério na época em que as refinarias foram construídas. Perto das pilhas de escória estavam as ruínas das salas de fundição e a habitação dos próprios mineiros. Pela natureza austera que demonstravam, parece que muitos daqueles que trabalhavam em Eziom-Geber eram escravos.

A ênfase que Salomão colocou sobre a indústria da mineração de Arabá resultou na transformação do cobre em seu principal produto de exportação, e o monopólio que exercia lhe garantiu lucros substanciais. Foi provavelmente a séria natureza da competição pelo comércio do Oriente Próximo que fez com que a rainha de Sabá empreendesse uma viagem de cerca de mil e novecentos quilômetros, percorrida no lombo de camelo. Cânones orientais de educação atribuíram razões culturais e intelectuais para a visita, mas o sucesso da empreitada (1 Rs 10.1,2,10), dá motivos para que se suponha que questões práticas envolvendo tratados mercantis e a demarcação de zonas comerciais também estavam em primeiro plano. Há toda razão para se dar crédito à historicidade da narrativa bíblica a respeito da rainha de Sabá, porque embora as rainhas não tenham sido proeminentes na história do sul da Arábia depois do século VI a.C, foram encontradas inscrições cuneiformes que indicam que do século nove até o século sete a.C, especialmente no norte da Arábia, as confederações tribais eram frequentemente governadas por rainhas.

A expansão da vida econômica em Israel e o crescente fardo da administração do governo central fizeram da imposição da taxação direta uma necessidade para a vida da nação. Isto assumiu a forma de corvéia ou trabalho forçado, impostos especiais, tributos em medida de prata, o meio corrente de troca, ou presentes dos principais produtos da terra. Originalmente a corvéia tinha sido destinada aos habitantes não-israelitas da terra, mas a natureza ambiciosa dos projetos comerciais e de construção que Salomão estava promovendo, exigiu as energias dos israelitas também na corvéia. O trabalho forçado era disposto de forma que dez mil homens estivessem trabalhando todos os meses nas minas, florestas, ou cidades, sob condições que se aproximavam muito da escravidão. O descontentamento que isto produziu entre aqueles que estimavam a liberdade da vida nômade foi aumentado pelo crescente controle que era exercido sobre todos os níveis da sociedade pelos oficiais do governo central. O exército permanente, equipado de maneira profusa com caros cavalos e carruagens montadas em ferro, demonstraram ser um dreno substancial e contínuo do dinheiro público, ao mesmo tempo em que a expansão da casa real era feita por crescentes cargas de taxação sobre a nação como um todo, e particularmente sobre os lavradores.

Uma importante evidência escrita deste período foi desenterrada nos níveis do século X a.C, em Gezer. Conhecido como o Calendário Gezer, é constituído de uma pequena tábua de calcário com inscrições da antiga escrita fenícia. Tem sido sugerido que um estudante a tenha redigido como parte de seus exercícios de escrita. Mas seja assim ou não, a tábua fornece valiosas informações sobre as atividades de agricultura que eram empreendidas nos meses apropriados do ano. De acordo com uma tradução feita por W. F. Albright, o texto diz o seguinte:

Dois meses são para a colheita (de azeitonas); dois meses para a plantação de grãos; dois meses para o plantio final; um mês para preparar a plantação do Unho; um mês para colher a cevada; um mês para a colheita e as festividades; dois meses para cuidar da vinha; e um mês para os frutos de verão.’

À parte da maneira como as práticas agrícolas israelitas do século 10 a.C. são ilustradas, a tábua também é importante pelo fato de que certas afinidades linguísticas que ela possui com o segundo livro de Samuel, permitem que esta composição seja datada com confiança no século X a.C. Devido ao fato de Salomão ter falhado no aumento da produtividade agrícola do país, a balança comercial foi fortemente impactada por seus edifícios ambiciosos e projetos econômicos. Todo excedente disponível de grãos e azeite israelita era transportado para a Fenícia em troca de mão de obra e materiais fenícios. Visto que a produtividade agrícola em Israel mal era suficiente para atender as necessidades domésticas, devido à sua política, Salomão rapidamente contraiu uma balança comercial negativa com Tiro e gerou o crescimento inflacionário em seu reino. Alguma tentativa de remediar a situação foi feita quando Salomão concordou em ceder a Hirão vinte cidades na Galiléia como parte de pagamento por produtos e serviços recebidos (1 Rs 9.11).

Os Edifícios de Salomão em Jerusalém

As obras públicas mais espetaculares que Salomão empreendeu poderiam ser encontradas em Jerusalém. Ele consertou o estrago feito aos muros da cidade por ocasião da tomada da fortaleza dos jebuseus por Davi, e levantou uma estação defensiva, conhecida como Milo, na extremidade norte da cidade antiga.’ Salomão se utilizou muito da habilidade fenícia no planejamento e construção de uma série de edifícios, dos quais o Templo era um. O projeto deste edifício foi caracteristicamente fenício, e santuários similares construídos entre 1200 e 900 a.C. foram desenterrados no norte da Síria, particularmente em Tell Tainat (Hattina).

Dentro de pouco tempo, o Santuário ofuscou todos os outros templos religiosos entre o povo hebreu. Ele fazia parte de um grupo de edifícios, e levou sete anos para ser erguido, contra os treze anos empregados para a construção do palácio real. Esta discrepância sugeriria que o Tempo pode ter servido originalmente como uma capela real. O edifício em si era uma estrutura retangular estreita de calcário, com cerca de 32 metros de comprimento por 9 metros de largura. Ficava sobre uma plataforma maior de um modo que fazia lembrar um pouco os santuários babilônios. Havia dois patamares nos lances dos degraus que conduziam à entrada do Templo, enquanto que no pórtico para a direita e para a esquerda, havia duas colunas livres de cobre polido conhecidas como Jaquim e Boaz. Colunas deste tipo eram uma característica arquitetônica comum de templos na Síria durante o primeiro milênio a.C, e nos séculos posteriores seriam vistas também em santuários assírios e mediterrâneos ocidentais. O propósito das colunas no Templo de Salomão não está claro de forma alguma, mas provavelmente serviam como imensos recipientes para o fogo, ou até mesmo altares para o fogo.

Além do pórtico ficava a câmara principal ou Lugar Santo, estendendo-se para dentro do Templo por uma distância de cerca de dezoito metros. O piso era feito de pedra, sobre o qual era colocado um revestimento de madeira de cipreste, e a câmara em si era revestida de cedro, decorada com folhas de ouro incrustadas. Além do Lugar Santo ficava o Santo dos Santos, no qual se encontrava a Arca, e sobre a qual repousava dois querubins, feitos de madeira de oliveira e revestidos com ouro. O mais importante dessa peça circunscrita ao Santo dos Santos, era a manifestação da presença do Senhor. Os móveis do Templo excediam muito as peças módicas do Tabernáculo do deserto. Quando finalmente acabou a construção do Templo, foi ele então dedicado com uma cerimônia apropriada. Os sacerdotes, levitas, e cantores que tinham ministrado diante da Arca na época de Davi, viram a concretização de uma promessa que não foi cumprida nos dias do famoso pai de Salomão. Nenhum gasto de tempo, dinheiro, ou habilidade na construção do magnífico santuário central da nação israelita foi poupado, e o pronunciamento que Salomão fez na festa da dedicação foi — em todos os sentidos — digno desta esplêndida ocasião.

Os Últimos Dias de Salomão

O final da vida de Salomão foi marcado pela apostasia religiosa e pela indulgência para com a poligamia. As esposas e concubinas que foram trazidas para a casa real continuaram com a adoração às suas divindades nativas, cujos santuários e sacerdotes estavam frequentemente disponíveis em Jerusalém (1 Rs 11.7). Os prolongados abusos nos gastos haviam plantado sementes de dissensão entre a população por muitos anos, enquanto, fora do reino, Rezom, o vigoroso fundador da dinastia de Damasco, demonstrou ser uma crescente fonte de problemas nos últimos dias de Salomão. A morte de Salomão removeu de cena uma personalidade vivida que, ao longo de toda a sua vida, transformou o conceito do reinado, da ideia de liderança carismática ou divinamente inspirada corrente nos dias da antiga monarquia, em uma liderança típica do despotismo oriental. A pressão que este processo exerceu sobre a economia interna da nação, não foi minorada pelo fato das fontes de renda nacional terem diminuído por algum tempo antes da morte de Salomão, uma vez que os gastos do governo continuaram em um nível muito elevado.

——- Retirado de R. K. Harrison – Tempos do Antigo Testamento.


Leia também: