O Anel dos Nibelungos (Ato 4 – 7/7)

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VII – O fim de tudo

Gutrune acordara inquieta; durante a noite toda, enquanto Brunhilde repousava em seu quarto, a irmã de Gunther ficara andando nervosa pelo salão dos Gibichungs.

“Por que demoram-se tanto?”, perguntava-se, segurando, nervosamente, o seu lenço. “Nunca as caçadas de Gunther demoraram tanto!”.

De repente, porém, sua atenção é despertada pela trompa de Hagen, que soa vinda da floresta. O dia amanhece e o cortejo fúnebre surge nos portões do castelo. Da janela, Gutrune observa que um corpo é trazido numa padiola.

Suas piores previsões confirmam-se; é Siegfried quem está morto, cercado pelos vassalos. Hagen ordena que abram, imediatamente, os portões.

Em instantes, estão todos dentro do salão. Gunther adianta-se e anuncia à irmã a triste notícia:

– Gutrune, minha irmã! Recebe o corpo de teu esposo, eis que um terrível javali lhe tirou a vida.

– Siegfried morto! Não, não pode ser verdade! – diz Gutrune, arremessando-se ao encontro do corpo do herói.

Durante longo tempo, ela permanece abraçada ao esposo morto até que, finalmente, ergue a cabeça de cabelos desgrenhados e encara o rosto do irmão com um olhar acusatório:

– Você!… Foi você quem o matou!

– O que está dizendo, minha irmã? – exclama Gunther, exaltado. – Já não lhe disse que ele foi morto por um javali? Foi um acidente, um lamentável acidente!

– Vamos, minha irmã – diz-lhe também Hagen. – É preciso se conformar.

Brunhilde também já chegou à sala do trono e observa o corpo de seu amado Siegfried morto. Apesar de sentir uma dor profunda pela morte do herói, ela, ao mesmo tempo, não se sente incomodada por ter sido a inspiradora da morte dele. Ele desrespeitou um juramento e, assim como ela um dia fora punida, também ele agora deveria suportar as conseqüências de seus atos.

– Você é um mentiroso! – diz Gutrune, que continua a acusar o irmão pela morte de Siegfried.

Gunther, não podendo mais fingir, aponta o dedo para Hagen e diz:

– Ele, ele é o javali que trouxe a morte para Siegfried!

– Muito bem, basta de fingimentos! – exclama Hagen, aliviado por poder falar às claras. – Fui eu que matei este perjuro, sim! Como poderia deixar de fazê-lo? Já que o próprio ofendido consentiu em ver-se vilipendiado, chamei a mim a tarefa de limpar a honra desta casa. – Depois, voltando-se para Gunther, diz-lhe num tom de censura: – Só espero que tenha a dignidade de assumir a sua parte neste ato que juntos praticamos!

Gunther, entretanto, tornou-se impassível; sua atenção está, agora, voltada inteiramente para a mão de Siegfried, onde brilha o anel maldito. Hagen percebe o interesse de Gunther e se coloca diante do corpo.

– Faça o que quiser de agora em diante – diz ele. – Apenas reivindico a posse do anel em nome do meu pai.

– Imbecil! – ruge Gunther, tomado pela ira. – Quem foi que lhe meteu na cabeça que teria direito a este anel? Está claro que ele pertence à Gutrune por direito de herança!

– Não!… – exclama Hagen, sacando de sua espada. – Este anel me pertence! Nasci para conquistá-lo! Não foi para outro objetivo que vim ao mundo – fui criado para isto!

Um ar de loucura altera as feições de Hagen, enquanto ele imagina escutar a voz onipresente do pai a lhe dizer: “Não permita, filho amado, que lhe tomem o anel! Não decepcione jamais o seu pai!”

Gunther avança para impedi-lo de se apossar do anel e Hagen se atraca com ele em terrível luta. Ambos brigam, ferozmente, até o ponto em que Hagen enterra no peito de Gunther a sua espada.

– Gunther, meu irmão! – diz sua irmã, abandonando o corpo de Siegfried e indo se abraçar ao corpo do irmão, cuja alma também já abandonou este mundo.

– Silêncio, suas idiotas! – exclama Hagen à Gutrune e Brunhilde. – Durante minha vida inteira, estive a serviço da vaidade tola de vocês, malditos Gibichungs! Que bom poder, agora, dizer-lhes, abertamente, o que penso desta casa maldita: malditos, malditos Gibichungs! Agora, afastem-se, mulheres malditas, pois vou apossar-me de algo que só a mim pertence!

Mas, quando ele aproxima a mão do anel no dedo de Siegfried, o braço deste ergue-se ameaçadoramente. Hagen dá um grito e se afasta, aterrado.

– Silêncio, idiota! – exclama Brunhilde. – Este anel me pertence!

– Não, ele pertence a mim, que era esposa dele! – diz Gutrune, defendendo seu direito.

– Você nunca passou de uma concubina de Siegfried, conforme-se com este fato!

Muito antes que você o desejasse, eleja havia sido meu. Siegfried e eu somos uma só pessoa e sempre seremos, pois logo estaremos juntos!

Gutrune ouve as palavras de Brunhilde e sente que, neste mesmo instante, perde todo o direito que tem sobre o anel e sobre o próprio morto. Finalmente, dá-se conta de que nunca passara realmente de uma “concubina” para Siegfried e que este só a amara por causa do artifício da poção do esquecimento, que Hagen o fizera beber. Doutro modo, jamais Siegfried teria se apaixonado por ela.

Gutrune afasta-se do corpo de Siegfried. Ele nada mais significa para ela, uma vez que não a amava verdadeiramente, e vai proteger o corpo do irmão que, apesar de tudo, fora o único que verdadeiramente a amara.

– Vamos, vassalos, construam uma grande pira funerária às margens do Reno; ali, o corpo de Siegfried deverá ser imolado. Quero que as labaredas elevem-se tanto que alcancem a própria morada dos deuses!

Os preparativos são feitos e Brunhilde se apresenta diante da pira. Siegfried está colocado ao centro das pesadas achas de madeira, num soberbo e enfeitado leito, vestido em sua armadura e tendo ao lado a sua espada, Notung.

– Até breve, Siegfried amado! Logo estaremos juntos, eis que a hora final dos deuses e do próprio mundo aproxima-se! – exclama Brunhilde, que está decidida a pôr um fim à maldição que se abatera sobre os deuses desde a criação do anel maldito. – Você foi o mais fiel e puro dos heróis e, ao mesmo tempo, o mais infiel de todos! Pouco importa, ambos pagamos nossas penas. Agora, é chegada a hora de nossa reconciliação!

Brunhilde ergue os olhos para o céu, dirigindo-se a Wotan.

– Aí está, meu pai, o produto de seu orgulho! Morte e destruição pairam, agora, sobre os homens e sobre os deuses!

Ela arranca, então, o anel do dedo de Siegfried e o coloca em sua própria mão.

– Ninfas do Reno, venham à superfície! – diz ela, invocando as três irmãs que logo surgem, mais belas do que nunca. – Chegou a hora do anel e do ouro retornarem às suas verdadeiras proprietárias! E que o Amor volte a ser o signo de um novo mundo, que há de nascer das cinzas deste que se acaba!

Brunhilde lança sua tocha sobre a pira. Depois, montando em seu cavalo, Grane, cavalga em direção às chamas.

– Hugin e Munin! – diz ela, dirigindo-se aos corvos de Wotan, que sobrevoam a pira. –

Vão agora até o Valhalla e convoquem Loki para que faça arder a morada dos deuses com suas chamas!

Brunhilde já está envolta pela fogueira ardente, quando as labaredas explodem em incrível vigor. O palácio dos Gibichungs desmorona, debaixo de um grande estrépito, pondo fim ao mundo dos homens. Uma grande onda ergue-se do Reno e Flosshilde, uma das ninfas do Reno, surge feliz a segurar o anel entre os dedos. Hagen, contudo, ainda não desistiu e, ao vê-la, arremessa-se em sua direção, bradando “Devolva-me o anel, ele me pertence!” As duas irmãs de Flosshilde, entretanto, subjugam-no e o afogam em meio às águas. Depois de observar a destruição de tudo e o fim de Hagen, a ninfa mergulha de volta para as profundezas do Reno junto com suas irmãs. O Ouro do Reno, finalmente, retornara ao seu lugar de origem.

***

Enquanto isto, no Valhalla, Wotan está reunido com os demais deuses e seus guerreiros espectrais, que se preparam para uma segunda e definitiva morte. Um clima de tragédia e desolação paira sobre tudo. Uma grande escuridão envolve o palácio dourado de Wotan, de tal forma que não se pode distinguir mais esplendor algum, naquela que fora, um dia, considerada a mais bela construção humana e divina. Wotan, sentado em seu trono, aguarda, apenas, que tudo ao seu redor consuma-se numa hecatombe de chamas e de dor. Seus dois corvos estão pousados sobre o seu ombro em silêncio: suas asas negras, finalmente, repousam e eles nada mais têm a dizer, limitando-se a observar a decadência final com seus pequenos e brilhosos olhos. Aos pés de Wotan, está caída Gungnir, a sua outrora poderosa lança, feita em dois pedaços, agora, inútil para todo o sempre. Maçãs da juventude jazem espalhadas por toda a parte, apodrecendo nos jardins do Valhalla.

Os deuses, enlutados e reunidos em assembléia, lamentam o fim de tudo.

Então Loki, deus do fogo, aproxima-se, furtivamente, e acende a grande pira feita dos troncos de Yggdrasil, o grande Freixo do Mundo. As chamas espalham-se, rapidamente, e pela última vez o palácio de Wotan reverbera, como nunca antes reverberara, iluminado pelas grandes línguas de fogo que o envolvem, bem como aos seus ocupantes, num magnífico e derradeiro crepúsculo.

Fim.


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