Neste post, trataremos exclusivamente da cronologia de Juízes (o livro dos Juízes).
Se não tem ideia do que estamos falando, leia uma Introdução ao Livro dos Juízes.
Você pode ler também sobre a Teologia do Livro dos Juízes.
A CRONOLOGIA DE JUÍZES
O livro de Juízes não apresenta um a sequência cronológica simples, direta e objetiva. Tanto a menção dupla da morte de Josué no prólogo quanto a possibilidade de que o epílogo fale de eventos ocorridos em uma data mais recuada, em vez de posterior, no período dos juízes mostram que nem sempre existe a preocupação de seguir a ordem cronológica. Também pode ser que, conforme observado por Bright, “a impressão é a de que a ordem em que [os juízes] são apresentados é aproximadamente cronológica”, mas parece perigoso tentar estabelecer um a cronologia com base no conhecimento atual. Pode-se resumir os dados temporais básicos apresentados pelo livro de Juízes conforme descritos na tabela 7.1.
Interpretando por um instante IReis 6.1 ao pé da letra — passagem que assevera que se passaram 480 anos entre o Êxodo do Egito e a edificação do templo de Salomão, ocorrida no quarto ano de seu reinado — fica claro que há um problema, visto que só o período dos juízes durou 410 anos. Esse cálculo deixaria apenas setenta anos para todos os acontecimentos que vieram antes e depois desse período. Acontecimentos anteriores devem incluir quarenta anos de peregrinação no deserto (Nm 14.33; D t 2.7), talvez sete anos para a conquista inicial (Cálculo feito com base na afirmação de Calebe, em Josué 14.7, de que tinha quarenta anos de idade quando foi enviado pela prim eira vez para explorar a terra (Nm 13.6) e 85 quando recebeu H ebrom como herança (Js 14.10). Caso tenham se passado 38 anos entre a exploração inicial feita por Calebe e o início da conquista (cf. D t 2.14), então um cálculo simples indica que devem ter transcorrido cerca de sete anos entre o início da conquista liderada por Josué e a distribuição dos territórios conquistados.) e um número de anos não especificado (Vinte? Trinta? Mais?) até o falecimento dos anciãos que sobreviveram a Josué (Js 24.31; Jz 2.7). Acontecimentos subsequentes poderiam incluir quarenta anos da liderança de Eli (ISm 4.18), talvez doze anos da liderança de Samuel antes da unção de Saul, um período de aproximados vinte anos de reinado de Saul (Conquanto a Bíblia não ofereça nenhum a informação de quanto tempo Samuel ocupou seu cargo entre a m orte de Eli e a unção de Saul, Josefo escreve: “Depois da morte do sumo sacerdote Eli, ele governou e liderou o povo por apenas doze anos e junto com o rei Saul mais dezoito anos. Esse foi então o fim de Samuel” (Ant. 6.294). Esta citação de Josefo e as subsequentes foram extraídas de The Loeb Classical Library (London: Heinemann, 1930-1965), quarenta anos de reinado de Davi e quatro de Salomão. A soma de todos esses números resulta em 573 anos (mais o número não especificado de anos dos anciãos que sobreviveram a Josué), um total que ultrapassa em muito os 480 anos de IReis 6.1. E óbvio que simplesmente somar os números cria sérios problemas para um Êxodo no século 15, para não falar de um no século 13.
Será que devemos concluir que os dados bíblicos são simplesmente confusos? Um exame mais cuidadoso do texto sugere alternativas melhores. Primeiro, os períodos de paz depois de Otoniel, Eúde, Débora e Gideão são, respectivamente, quarenta, oitenta, quarenta e quarenta anos, enquanto o período da opressão filisteia é de quarenta anos e o da judicatura de Sansão é de vinte. Alguns ou todos esses números podem ser arredondados, simbólicos ou representativos (representando uma geração, duas gerações, ou um tempo longo, um tempo bem longo, ou algo semelhante). É possível interpretar outros números de forma literal (e.g., 8, 18, 7, 3, 23, 22 e números semelhantes). Com base no conhecimento disponível hoje, parece imprudente ser dogmático quanto à maneira exata que se deve entender cada número, mas é plausível que haja uma combinação de diferentes tipos de números. Por isso, uma soma simples talvez seja a abordagem errada.
Segundo, é possível que alguns acontecimentos cuja duração é indicada tenham sido, de fato, cronologicamente simultâneos ou sobrepostos. Não apenas os atos específicos de livramento realizados pelos diferentes juízes se concentram tipicamente em ameaças regionais envolvendo apenas algumas tribos (mesmo quando suas atividades são apresentadas como importantes para todo o Israel), mas também há nos textos indicações de sobreposição cronológica. Um ótimo exemplo é Juízes 10.6-8, que diz:
Então os israelitas voltaram a fazer o que era mau aos olhos do Senhor. Cultuaram os baalins, Astarote, os deuses da Síria, de Sidom, de Moabe, dos amonitas e dos filisteus. Visto que abandonaram o Senhor e já não o cultuavam, a ira do Senhor se acendeu contra Israel, e ele os entregou nas mãos dos filisteus e nas mãos dos amonitas, os quais começaram a humilhá-los e a oprimi-los naquele mesmo ano. Durante dezoito anos oprimiram todos os israelitas do lado leste do Jordão, em Gileade, na terra dos amorreus.
O contexto indica que os dezoito anos do versículo 8b se referem à opressão amonita (conforme a tabela anterior). A menção dos filisteus no versículo 7 sugere, porém, que os quarenta anos de opressão filisteia, que só volta a ser mencionada em 13.1, podem na verdade ter começado por volta da mesma época que a opressão amonita, o que levaria a uma reorganização de nossa tabela, conforme a tabela 7.2.
Esse caso específico de sobreposição cronológica pode reduzir o período dos juízes cerca de 49 anos. Caso a magistratura de Sansão tenha acontecido simultaneamente à opressão filisteia, o que parece ser totalmente possível, então a redução seria de aproximadamente sessenta anos. Ademais, outras sobreposições cronológicas, tanto no livro de Juizes133 quanto fora dele, podem ter ocorrido.
Por exemplo, é bem possível que os quarenta anos de magistratura de Eli, mencionados em ISamuel 4.18, tenham em maior ou menor extensão se sobrepostos à opressão filisteia a que Sansão reagiu, o que poderia reduzir o cálculo em mais quarenta anos.
Levando tudo isso em consideração, podemos facilmente ver como é difícil (talvez impossível) estabelecer uma cronologia precisa do período dos juízes; o número de variáveis indefinidas é simplesmente grande demais. Essa conclusão não significa que não se possa confiar no livro de Juízes, apenas que se deve interpretá-lo considerando suas características particulares. Com a grande probabilidade de algumas sobreposições e a possibilidade de outras, há um intervalo de tempo bem grande para o período dos juízes, em especial para aqueles que supõem que o Êxodo ocorreu no século 15. Um Êxodo no século 13 exige um grau bem maior de sobreposição, mas até isso é possível.
Para ilustrar a ideia básica: mesmo que consideremos somente a sobreposição das opressões amonita e filisteia indicada em Juízes 10.6-8 e ao menos alguma sobreposição entre as magistraturas de Sansão e Eli, chegamos a um quadro cronológico hipotético geral como o da Tabela 7.3.
O objetivo da Tabela 3 não é oferecer uma cronologia definitiva do Êxodo até o templo de Salomão; muitos números da tabela são bastante conjecturais, e cenários alternativos são possíveis. A ideia é mostrar que o quadro cronológico geral descrito no livro de Juízes é plausível, mesmo que nossas interpretações continuem razoavelmente imprecisas.
Resumindo, de acordo com os textos bíblicos, o período dos juízes se caracteriza por um êxito cada vez menor na expulsão de populações autóctones em Canaã e pela “canaanização” gradual do próprio Israel. Embora as tribos israelitas tenham experimentado alguns períodos de relativa paz, também houve períodos de pressão intensa vinda de inimigos tanto de dentro da terra (e.g., Jabim de Hazor e seu general Sísera) quanto de fora (moabitas, amonitas, filisteus etc.). Essas tensões regionais variadas puseram em evidência líderes hábeis (juízes) que reuniram tropas de uma ou mais tribos, livraram Israel de seu perigo imediato e, com frequência, proporcionaram um período de paz.
—– Retirado de: Iain Provan, V. Philips Long e Tremper Longman III – Uma História Bíblica de Israel.
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Na sequência, veja a A Cronologia da Monarquia de Israel.
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