A terceira linha principal identificável na Lei cerimonial da lei mosaica é aquela relacionada à impureza e purificação. Com a habitação de Yahweh na teocracia e o processo do sacrifício, ela forma um conceito fundamental que, como tal, entrou na estrutura permanente da religião bíblica. Desde o começo devemos nos guardar contra identificar como iguais o impuro e o proibido. Existem processos e atos absolutamente inevitáveis, os quais inevitavelmente são impuros. A Lei parece especialmente ter multiplicado as ocasiões para se contrair impureza, a fim de que, assim, ela pudesse ampliar o material sobre o qual operar a distinção e ensinar sua lição. Além disso, devemos identificar pureza com limpeza e impureza com sujeira. A distinção não tem importância sanitária. Ela não oferece nenhuma desculpa para identificarmos Cristianismo com higiene.
Positivamente, podemos dizer que o conceito tem referência com o culto, ou seja, com a aproximação ritual de Yahweh no santuário. Nós não devemos ver isso a partir do ponto de vista do conteúdo ou qualidade inerente. “Puro” significa qualificado para a adoração de Yahweh no tabernáculo; “impuro” significa o oposto. O efeito que esses atributos produzem é a coisa enfatizada. Se dizemos que o contraste é simbólico da pureza e impureza ética, ainda assim será mantido como verdadeiro que esse contraste simbolizado não é simplesmente equivalente à bondade ou maldade como tais, mas a bondade e a maldade do ponto de vista particular de que um admite e o outro exclui a pessoa da comunhão com Deus. Essa é uma das ideias nas quais a relação íntima entre religião e ética acha expressão. D o ponto de vista bíblico, a normalidade ou anormalidade ética deveria, antes de tudo, ser avaliada com a pergunta em mente: que efeito o estado, designado em termos éticos, tem sobre o intercurso de alguém com Deus?
Há uma distinção entre a antítese “puro” versus “impuro” e aquela do “santo” versus “profano”. Mas ainda assim há uma estreita relação entre os dois pares de opostos. Pureza é o pré-requisito de santidade. Nada impuro pode ser santo, enquanto ele permanecer naquele estado. Contudo, suponhamos que ele foi purificado, isso de maneira alguma significa ipso facto que ele é agora considerado santo. Nem as coisas puras por natureza são necessariamente santas. Existe um vasto território entre o impuro e o santo, cheio de coisas puras, mas nem por isso santas. Mas coisas desse território são tomadas e constituídas como santas por um ato positivo de Deus. O vocabulário hebraico confirma a relação assim definida. Ele oferece termos distintos para os dois contrastes envolvidos. Os termos para “santo” e “profano” são qadosh e chol\ aqueles para “puro” e “impuro” são tahor e tame.
Estando assim relacionada ao serviço de Yahweh, a distinção entre pureza e seu oposto obtém para a vida de cada israelita importância abrangente, porque, na realidade, o israelita existe para nada mais do que o serviço contínuo de Deus. Aplicar esse teste ritual à congregação inteira cria nela uma bipartição. O povo, a cada momento, divide-se em duas metades, uma composta pelos puros; a outra, pelos impuros. Isso encontra uma expressão marcante em uma das fórmulas para designação do povo de modo abrangente. A frase ‘atsur weazubh significa “cada israelita”. Ela é traduzida na Versão Autorizada de uma forma um tanto quanto misteriosa como “fechado e deixado”; na Revisada, por “fechado ou deixado solto”. Seu significado simples é “impedido de ter acesso ao santuário e deixado livre para ir” [Dt 32.36; Jr 36.5].
Os objetos e processos que causam impureza são regulados pela Lei principalmente em Levítico 11 e Deuteronômio 14. Eles pertencem às seguintes classes: certos processos sexuais, morte, lepra, o comer de certas espécies de animais ou tocar certos animais ainda que puros, mas que morreram por si mesmos em vez de terem sido imolados. A distinção como ela é aplicada a essas várias classes de coisas é, evidentemente, muito mais antiga do que a Lei mosaica. A Lei não professa introduzir a matéria de novo\ ela simplesmente regulou os usos e observâncias de longa data. Muitas dessas observâncias devem ter mudado em seu caráter no curso das épocas, e o significado ligado a elas, se é que havia, deve ter mudado da mesma maneira. Não há, talvez, nenhuma esfera de conduta que tem a tendência mais forte de petrificação de fatos que um dia foram significantes do que esse universo do puro e impuro.
Dos significados originais ou adquiridos subsequentemente, devemos, portanto, distinguir os motivos do legislador em incorporar essas práticas na legislação. Primeiramente, devotamos alguma atenção aos possíveis significados prévios atribuídos a eles, quer tenham sido esquecidos ou ainda lembrados durante o tempo de Moisés. O assunto ocupa um espaço enorme no estudo recente da religião primitiva. Não poucos escritores o trazem em relação àquilo que eles consideram a origem da própria religião. Nossas observações se limitam ao campo da religião semítica, e isso com referência especial às leis de impureza e purificação do Antigo Testamento.
—- Retirado de: Geerhardus Vos – Teologia Bíblica – Antigo e Novo Testamento.
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