Êxodo: o que a arqueologia diz?

Evidências em favor do Êxodo

Localizar o Êxodo na história, dentro do período geral acima delineado, é extremamente difícil. Uma análise dos problemas está fora do âmbito desta obra; uma apresentação dos fatos e conclusões mais importantes deve bastar.

Em primeiro lugar, embora não haja evidências históricas diretas nem da opressão do Egito nem da libertação,8 a convicção de que Israel tornou-se uma nação no Êxodo está profundamente arraigada na tradição israelita (e.g., Os 2.15; 11.1; Is 43.3). As evidências indiretas ajudam.9 A história de José reflete de modo autêntico a vida, os costumes e a literatura egípcia (especialmente no nordeste do delta).10 Essa correspondência empresta crédito histórico à peregrinação no Egito. Também se sabe que a corte egípcia empregava grande número de semitas como escravos de estado nos projetos de construção perto de Tebas na XVIII Dinastia e no nordeste do delta durante a XIX Dinastia.11 Além disso, alguns nomes israelitas do período, especialmente na família de Moisés, são autenticamente egípcios.12 A fuga de pessoas escravizadas de um estado importante tem suas analogias no mundo antigo.13Da perspectiva da psicologia social, é duvidoso que um povo invente uma história de ter sido escravizado por um poder estrangeiro. Aliás, essa história não tem precedentes no que subsistiu da literatura do antigo Oriente Próximo. A explicação mais viável desses fatos é que Deus de fato interveio para salvar seu povo.

A figura acima, da publicação The Ancient Near East in Pictures (Pritchard) mostra inscrições no Egito sobre o trabalho escravo (século XV A.C.) na fabricação de tijolos e na construção (Êxodo 1.11-14). Alguns textos egípcios mencionam cotas de tijolo e uma falta de palha, como em Êxodo 5.6-19.

A Data do Êxodo

Embora o Êxodo sem dúvida seja o evento central da história de Israel, ainda não há uma solução que explique os complexos problemas cronológicos e geográficos implicados.14Não se pode determinar com certeza a data nem o lugar em que ocorreu o Êxodo. Entretanto, o período geral que mais se adapta às evidências bíblicas e extrabíblicas é a primeira metade do século XIII. Os principais argumentos são os seguintes.

(1) Na “ esteia de Israel”, Meneptá afirma ter subjugado várias entidades em Canaã, inclusive Israel, em seu quinto ano, c. 1209 a.C. O Êxodo, portanto, deve ter ocorrido alguns anos antes.

(2) De acordo com Êxodo 1.11, os israelitas construíram as cidades-celeiros de Pitom e Ramessés. Embora permaneçam algumas perguntas quanto à localização exata dessas cidades do nordeste do delta,16 é mais provável que Ramessés seja Pi-Ramessés, construída por Ramessés II em algum ponto de meados do século XIII a.C. O Êxodo, portanto, deve ter ocorrido depois de sua ascensão ao trono, c. 1300 a.C.

(3) As descobertas arqueológicas pintam, na melhor das hipóteses, um quadro muito complexo da transição da cultura cananeia para a israelita. Evidências de uma comunidade israelita estabelecida num território cananeu destruído são claras em Betei e, talvez, em Tell Beit Mirsim,Tel Zeror e Beth Shemesh.20 Também a repentina destruição de Hazor no século XIII a.C. pode ser reflexo dos tempos de Josué e Juízes. Evidências de outros locais estão longe de ser conclusivas. Além disso, o fato de que algumas cidades cananeias sofreram destruição ao longo de duzentos anos, e não ao mesmo tempo faz com que seja difícil defender uma conquista unificada. Para complicar o quadro, algumas cidades foram abandonadas, enquanto outras foram reocupadas por povos de cultura parecida. Durante a transição do Ultimo Bronze para o Ferro I houve um aumento de população causado por povos pastoris.22Essas comunidades eram regionais quanto à natureza (cf. Jz 1.27-36). Pode-se argumentar que esse aumento coincide com a afirmação bíblica de que Israel começou a se estabelecer na região nesse tempo. A medida que novas informações forem surgindo à luz por meio de escavações e análises, será necessário reinterpretar as evidências bíblicas e também reavaliar as teorias correntes acerca do estabelecimento de israelitas.

(4) Documentos egípcios contemporâneos fornecem paralelos históricos. Textos da época de Meneptá e Ramessés II ilustram o uso de semitas como escravos (empregando o termo egípcio para ’Apiru) em seus projetos de construção. Outro texto trata da permissão concedida a grupos nômades de Shasu Bedouin de Edom para atravessar a linha de fortalezas fronteiriças até as lagoas de Pitom (eg. Pr-Itm).

(5) Essa data combina bem com a ideia de que o contexto mais provável para a descida de José e seus irmãos para o Egito é o período dos hicsos. De acordo com Gênesis 15.13, o tempo passado no Egito, em visão prospectiva, seria de 400 anos,25 ou, de acordo com Êxodo 12.40, em visão retrospectiva, 430 anos. Segundo essa posição, a descida para o Egito teria ocorrido durante a primeira metade do século XVII —no período hicso.

A principal objeção a essa data no campo bíblico é que não se harmoniza com os 480 anos entre o Êxodo e a fundação do templo de Salomão, c. 970 a.C., dados em lRs 6.1. Esse cálculo coloca o Êxodo no meio do século XV. Entretanto, o Antigo Testamento, um livro do antigo Oriente Próximo, muitas vezes emprega os números de modo um tanto diferente da cronologia moderna. Assim, os 480 anos podem ser compreendidos como um “agregado” ou um “número simbólico”. É provável que tenha sido baseado no total de doze gerações de 40 anos cada.211 O autor está mais preocupado em delimitar épocas do que em estabelecer intervalos exatos de tempo. Muitos estudiosos conservadores concluíram que uma data de 1300-1250 a.C. comporta, melhor que quaisquer outras datas, a maior parte das evidências.27 Reconhecem com isso que os faraós da opressão seriam Seti I (1305-1290 a.C.) e Ramessés II (1290-1213 a.C.). O Êxodo, portanto, teria ocorrido no governo deste último. Entretanto, as informações presentes não podem determinar com certeza se o Êxodo ocorreu nesse período.

A Rota do Êxodo

Igualmente incerta é a rota do Êxodo ou a localização do monte Sinai.28 Pelo conhecimento cada vez maior da topografia do nordeste do delta, alguns dos locais mencionados em Êxodo 12.37; 13.17-14.4 e Números 33.5-8 podem ser localizados com alguma certeza (veja o mapa, p. 67). Ramessés, o ponto de partida, deve ser localizada na vizinhança de Qantir. Sucote, a parada seguinte, é em geral identificada com Tjeku (eg.), atual Tell El-Maskhuta, no uádi Tumilat, o vale que forma a rota principal rumo ao leste a partir da região do Nilo. Fica a cerca de 35 km a noroeste de Pi-Ramessés. Essa área é em geral identificada com Gósen, onde os israelitas se estabeleceram nos dias de José. Os três próximos locais, Etã, Pi-Hairote e Migdol, são um tanto incertos.23 O nome em geral traduzido por “ mar Vermelho” significa literalmente “ mar de Juncos’30 e sem dúvida refere-se a um dos pântanos de água doce repletos de juncos, entre o lago Menzaleh e os lagos Amargos ao sul e em seus arredores, ao longo do atual canal de Suez. O quarto local, Baal-Zefom, é muitas vezes identificado com Tell Defneh, na margem ocidental do lago Menzaleh, cerca de 8 km a oeste da atual Qantara,31bem dentro da área em que deve se localizar o mar de Juncos. Duas localizações plausíveis para a travessia do mar de Juncos podem ser assim propostas. Uma é no sul, perto dos Lagos Amargos. Nesse caso, os israelitas foram diretamente para o oeste ou sudoeste ao sair de Sucote (uádi Tumilat), atravessando um lago pantanoso para entrar no deserto do Sinai.32A outra localização é no norte, perto de Tell Defneh (Baal-Zefom). Então os israelitas deram meia volta em Sucote (14.1) e atravessaram um braço do lago Menzaleh, seguindo pelo sul para o Sinai.33Não é possível, porém, estabelecer a rota exata.

E certo que os israelitas não tomaram a rota normal do Egito para Canaã, conhecida mais tarde como “ o caminho da terra dos filisteus” (Ex 13.17). Esse caminho seguia paralelo à costa, alcançando Canaã em Gaza (veja o mapa, p. 67). Uma vez que essa rota era controlada por fortalezas e postos de suprimento egípcios, os israelitas teriam de enfrentar tropas egípcias (v. 17b). Eles, portanto, optaram por seguir pelo “ caminho do deserto”(v. 18). Após atravessar o mar de Juncos, entraram no “deserto de Sur” (15.22; Nm 33.8), no noroeste da península do Sinai (cf. ISm 15.7; 27.8), a leste da região entre o lago Timsâh e o lago Menzaleh. De lá seguiram em várias etapas até o monte Sinai. Talvez nunca surjam evidências diretas da localização do Sinai e da presença israelita nesse lugar. Essa presença foi, no aspecto histórico, efêmera. As tribos israelitas não deixaram atrás de si nenhuma população sedentária que perpetuasse os nomes dos lugares por eles visitados. Aliás, o Sinai em si nunca teve população sedentária, de modo que os locais receberam nomes sem que houvesse permanência. Assim, são raros os nomes do período mosaico que poderiam ter sobrevivido à nomenclatura arábica da região. Entretanto, as imponentes montanhas de granito perto do lugar tradicional de Jebel Musa (árabe: “ Montanha de Moisés”) e do Mosteiro de Santa Catarina (veja o mapa) continuam sendo o local mais plausível do monte Sinai (Horebe em algumas passagens). A identificação na tradição cristã remonta pelo menos ao século IV d.C., quando monges do Egito ali se estabeleceram. A Bíblia deixa claro que o monte Sinai ficava bem ao sul de Cades-Barnéia. Deuteronômio 1.2 descreve a jornada de Cades-Barnéia ao monte Sinai como de onze dias, e Elias levou “ quarenta dias e quarenta noites” (que significaria uma jornada muito longa) para chegar ao Sinai partindo de Berseba (lRs 19.8).

——- Retirado de:  William S. LaSor – Introdução ao Antigo testamento.

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