A Ascensão do Império Egípcio

No meio do segundo milênio, alguns novos estados e impérios desenvolviam-se no antigo Oriente Próximo (veja o cap. 3). Em c. 1550 a.C., o estado hurrita de Mitani estendia-se ao noroeste da Mesopotâmia, do oeste da Síria até o sopé das montanhas de Zagros no leste. Esses povos hurritas eram governados por indo-europeus. Essa aliança revolucionou os combates antigos com a invenção da carruagem e do arco composto, feito de madeira laminada, chifre e tendão. Ao noroeste de Mitani, nos limites orientais da Ásia Menor, ficavam os hititas, que aos poucos se recobravam de um período de fragilidade em que haviam caído depois de investir contra a Babilônia (c. 1560 a.C.). Ao leste de Mitani ficava a Assíria, totalmente sob o controle daquele estado. A nação prestes a tornar-se proeminente era o Egito, que acabava de emergir de uma dominação dos hicsos, invasores asiáticos que controlaram o Egito em c. 1700-1550 a.C. No governo de Amósis, o Egito livrou-se do jugo hicso com a determinação de garantir suas fronteiras ao nordeste, impondo derrota ao inimigo em seu próprio território da Ásia.

Tutmés I, um faraó da grande XVIII Dinastia, chegou a alcançar o Eufrates. No início, porém, a presença egípcia na Ásia estava praticamente limitada a expedições punitivas. Os faraós não controlavam nenhum território na Ásia. O alvo principal no início da XVIII Dinastia era a subjugação da Núbia e do Sudão, no sul. Mais tarde, porém, Tutmés III (1490-1436 a.C.), um dos governantes mais capazes do Egito, voltou a atenção para a Ásia. Numa famosa batalha em Megido, c. 1468 a.C., ele derrotou os hicsos, cujo centro ficava em Cades, junto ao Orontes, no sul da Síria. Em campanhas posteriores, estendeu o império, chegando ao norte, até Alepo. Era inevitável que essa expansão levasse o Egito a um conflito com Mitani, que detinha o controle da Síria. A guerra entre os dois estados continuou de modo intermitente por quase cinqüenta anos. Entretanto, sob Tutmés IV (c. 1412-1403 a.C.), acertou-se um tratado entre eles. Ambos os lados estavam motivados a fazer a paz a fim de lidar com os hititas ressurgentes, que agora pressionavam o norte da Síria.

Por cerca de cinqüenta anos, o acordo entre eles funcionou bem, especialmente para o Egito, agora no auge de seu poder. Sem sofrer ameaças militares, Amenófis III (1403-1364 a.C.) seguia uma vida de prazer e luxo. Engajou-se num programa sem precedentes de construções, tendo por alvo a glória pessoal. Seguiu-se no Egito um período de magnificência imperial.

Uma revolução marcante no culto egípcio ocorreu no governo de Amenófis IV (1364-1317 a.C.). O faraó começou a cultuar Aton (o Disco Solar), a quem proclamou ser o único deus. O culto a Aton, embora não fosse um monoteísmo estrito, parece ter chegado perto disso. Para incentivar o novo culto, o faraó mudou seu nome para Aquenaton (“o Esplendor de Aton”), deixou Tebas, o centro dos poderosos sacerdotes de Amon, o deus principal do Egito, e construiu uma nova capital, Aquetaton, atual Tell El-Amarna. Nesse sítio foram encontradas as cartas de Amarna em 1887. Essas cartas fazem parte dos arquivos oficiais da corte levados, ao que parece, de Tebas para a nova capital. As tabuinhas contêm cartas a Amenófis III e IV, provenientes da maioria dos estados importantes da época, inclusive Babilônia, Assíria, Mitani e dos hititas. A correspondência é principalmente dos vassalos egípcios na Palestina, inclusive Biblos, Megido, Siquém e Jerusalém. Essas cartas esclarecem muito a história e a sociedade da “ Era de Amarna” . Revelam que a Palestina era organizada em distritos administrativos com comissários residentes em cidades guarnecidas, como Gaza. Essas cidades serviam de centros de provisões e suprimentos para as tropas egípcias. As cidades, porém, mantinham controle local e autonomia consideráveis. Em meados do século XIV, a Palestina era controlada por pequenas guarnições de soldados egípcios estacionadas nos centros administrativos.

A Guerra Egípcio-hitita

A opulência de Amenófis III e as inovações religiosas de Aquenaton trouxeram problemas para o império egípcio na Ásia. Uma vez que esses faraós não davam atenção ao império, a Palestina caiu praticamente na anarquia, como mostram as cartas de Amarna. Alguns governantes palestinos estavam lutando pelo poder e, muitas vezes, colocavam-se em revolta aberta contra a autoridade egípcia. Vassalos leais apelavam de modo eloquente, pedindo a ajuda do faraó, mas, ao que parece, em vão. O controle egípcio na Síria acabou por completo. Por volta de 1375 a.C., Supiluliumas chegou ao trono hitita e passou a moldar um império na Síria. Com a fragilidade egípcia, Mitani ficou só, à mercê dos hititas ressurgentes. Num ataque relâmpago, Supiluliuma atravessou o Eufrates e derrotou por completo o estado hurrita, colocando um vassalo no trono. A Assíria, agora sob Assur-Ubalit I (c. 1356- 1321 a.C.), tomou o lado nordeste do império. Seu exército infligiu uma vingança severa contra as cidades hititas. Por volta de 1350 a.C., Mitani deixou de existir. Os hititas começaram a ameaçar diretamente o território egípcio no sul da Síria. A antes poderosa XVIII Dinastia era ineficiente diante dessas forças. O controle egípcio sobre a Ásia praticamente desapareceu. Mas antes que os hititas conseguissem consolidar seu controle sobre a Síria, passaram a se preocupar com uma Assíria ressurgente, ambiciosa em relação ao oeste. Por conseguinte, sob a nova XIX Dinastia, o Egito conseguiu recuperar-se. Essa dinastia foi liderada por Ramessés I, descendente dos antigos reis hicsos. Para ter rápido acesso à Ásia, ele estabeleceu sua capital em Avaris, no nordeste do delta. Seu filho, Seti I, empenhou-se para recuperar asperdas egípcias na Ásia, logo ganhando controle da Palestina. Em sua quarta campanha, afirmou ter derrotado um exército hitita sob Muwatalis. Embora essa vitória provavelmente represente apenas uma batalha menor, uma guerra plena entre esses dois impérios irrompeu no governo do filho de Seti, Ramessés II, que reinou durante sessenta e sete anos (1290- 1224 a.C.).

Em seu quinto ano, Ramessés II armou um grande ataque contra os hititas. Estes o tomaram de assalto perto de Cades, no Orontes, forçando-o a retirar-se. Os hititas seguiram até alcançar Damasco. Por conseguinte, estouraram revoltas contra o domínio egípcio, chegando no sul até Asquelon. Ramessés levou cinco anos para restaurar a ordem e reconquistar o controle do norte da Palestina. Dali em diante, passou a promover ataques ocasionais contra territórios sob controle hitita, mas jamais voltou a ameaçar a Síria. Depois que Hattusilis II (1275-1250 a.C.) ascendeu ao trono hitita, as duas nações acertaram um tratado de paz. Promovido em parte pela exaustão depois de longo embate, o tratado também foi motivado pelos problemas externos enfrentados por ambas. Os hititas estavam sendo ameaçados pela Assíria no leste e pelos povos indo-europeus no oeste. O Egito enfrentava pressões contínuas dos povos do mar, i.e., tribos egeucretenses que haviam começado a se infiltrar pelo oeste nos primeiros anos de Ramessés II. Essas migrações enfrentadas por ambos os impérios estavam, sem dúvida, relacionadas. Em geral, no entanto, os anos finais de Ramessés II compreenderam um período de paz e atividades construtivas colossais. Ele gastou a maior parte do tempo nos vários palácios que construiu no nordeste do delta. Seu favorito era Per-Ramessés, “ a Casa de Ramessés” , identificada ou com Tânis ou Qantir, alguns quilômetros ao sul (cf. Ex 1.11).

Os Povos do Mar

Na batalha principal de Cades, tanto os egípcios como os hititas empregaram como tropas mercenárias alguns dos mesmos “ povos do mar” egeu-cretenses. Esses grupos eram os precursores de um vasto movimento que logo inundaria a costa da Ásia Menor, da Palestina e do Egito. Por fim, tanto os hititas como a XIX Dinastia do Egito seriam tragados por eles. Após a morte de Ramessés II, seu décimo terceiro filho, Meneptá, o sucedeu. Em seu quinto ano, c. 1220 a.C., Meneptá enfrentou uma horda de povos do mar que, junto com os líbios, avançaram para o Egito pelo oeste, ao longo da costa do norte da África. Numa batalha feroz, ele os derrotou e comemorou o acontecido com um hino de vitória inscrito numa esteia. Esse hino contém a primeira menção extrabíblica de Israel, afirmando: “ Israel está depredada, sua semente não”. Meneptá morreu em 1211 a.C., e a XIX Dinastia desintegrou-se em caos interno e desunião. Aparentemente, o Egito até chegou a ser controlado por um usurpador sírio durante certo período. O controle egípcio da Palestina havia chegado ao fim.

Enquanto o Egito lutava para sobreviver, os hititas enfrentavam completo desastre. Durante as últimas décadas do século XIII, os povos do mar atravessaram a Ásia Menor e pouco depois de 1200 a.C. apagaram os hititas das páginas da história.1A partir da Ásia Menor, pressionaram por terra e mar, onda após onda, descendo pela costa palestina para ameaçar novamente a própria existência egípcia. O declínio do Egito e o fim da XIX Dinastia foram revertidos por Sethnakt e seu filho Ramessés III (c. 1183-1152 a.C.). Este inaugurou a XX Dinastia. No início de seu reinado, Ramessés II reconquistou o controle da Palestina, pelo menos até Bete-Seã (também chamada Bete-Sã) no extremo leste do vale de Jezreel. Entre seu quinto e décimo primeiro ano, enfrentou um ataque pesado dos povos do mar, que vieram por terra, atravessando a Palestina. Ele mal conseguia manter o Egito livre. Consumido pela guerra e afligido por dissensões internas, o império egípcio chegou ao fim sob o domínio dos sucessores de Ramessés III.

Repelidos pelo Egito, componentes dos povos do mar voltaram à Palestina. Ali ocuparam vastas áreas da planície costeira. De acordo com fontes egípcias, estas incluíam o Peleset, i.e., os filisteus.2 Assim, a nação que representaria a maior ameaça à existência de Israel chegou à Palestina aproximadamente na mesma época de Israel. Embora a chegada dos povos do mar tenha introduzido outros grupos étnicos em Canaã, isso não alterou de modo substancial a cultura ou as estruturas sociopolíticas. Canaã continuou organizada em pequenas cidadesestados. A maioria delas localizava-se na planície costeira e no vale de Jezreel. No interior montanhoso e de densas florestas, a população era esparsa. O grupo étnico principal eram os cananeus, nativos da área desde pelo menos o terceiro milênio. Alguns aspectos notáveis desse panorama histórico complexo devem ser salientados. Em primeiro lugar, Israel migrou para um mundo muito desenvolvido e cosmopolita. Durante o período do império egípcio, contatos internacionais amplos e sem precedentes ocorreram em todo o antigo Oriente Próximo. Isso produziu a difusão cultural e a fertilização cruzada a que J. H. Breasted denominou de “ Primeira Internacionalização” . Conforme as cartas de Amarna, os egípcios correspondiam-se com babilônios, mitanianos, hititas, arzawas (habitantes de um reino na parte oriental de Anatólia), cipriotas e cananeus, basicamente num dialeto acadiano que era a língua franca da época. Essa correspondência testemunha um sistema altamente organizado de embaixadas e uma classe de escribas treinados com esmero, capazes de atuar em algumas línguas.

A política de poder da época exigia alianças internacionais e um sistema elaborado de tratados para mantê-las. Pela primeira vez, o princípio da lei foi estendido além das fronteiras de uma nação ou império, atingindo a esfera das relações internacionais. Esse também foi um período de identificação entre deuses nacionais e deidades semelhantes em panteões estrangeiros. Os deuses sumérioacadianos foram adotados nos panteões hurritas, hititas, amorreus e cananeus. O deus dos cereais, Dagon, que se originou no noroeste da Mesopotâmia, entre os amorreus, aparece na Bíblia como o deus principal dos filisteus no sudoeste da Palestina.3 Mais tarde, a difusão literária foi impressionante. As narrativas mitológicas e as epopéias acadianas foram traduzidas para as línguas hurrita e hitita. Aparecem como textos escolares nas tabuinhas de Amarna, tendo sido usadas por escribas egípcios para instrução em acadiano. Os hurritas eram especialmente ativos na difusão da literatura acadiana para a Ásia Menor e a Siro-Palestina.4 Um hino hurrita à deusa Nikkal foi encontrado em ugarítico. Nas tabuinhas de Amarna provenientes de Tiro, dois poemas egípcios estão traduzidos para o acadiano. Além disso, o mito cananeu de Astarte e o Mar é encontrado em hieróglifos egípcios.5Em Ugarite, escribas semito-ocidentais escreveram textos religiosos em hurrita parauma clientela hurrita. Assim, Israel entrou num mundo que havia produzido uma fertilização cruzada e síntese cultural até então inédita.

Uma realização marcante dessa situação cultural é o aparecimento da escrita alfabética entre os cananeus da Siro-Palestina. Embora a escrita tenhase desenvolvido antes de 3000 a.C. tanto na Mesopotâmia como no Egito, os sistemas silábicos, cuneiformes ideográficos e hieroglíficos, todos desajeitados e carregados de centenas de símbolos, não podiam ser simplificados. Ainda que culturalmente dependentes e menos desenvolvidos, os cananeus desenvolveram um alfabeto com menos de trinta símbolos. A economia de escrever com o uso de um alfabeto permitiu que a leitura e a escrita fossem difundidas em maior escala. O sistema alfabético mais antigo conhecido até o momento é o “proto-sinaítico”, desenvolvido por tribos semito-ocidentais convocadas para o serviço por expedições egípcias de mineração para o Sinai. Sistemas bem parecidos têm sido encontrados em descobertas isoladas na Palestina, e.g., em Gezer, Laquis, Siquém e Megido. As formas das letras foram influenciadas pelos hieróglifos egípcios. Esses sistemas datam de c. 1700 a 1200 a.C., com a coleção maior e mais importante, as inscrições sinaíticas, datando de 1550-1450 a.C.

Os textos significativos desse período são os das tabuinhas da cidade-estado de Ugarite, atual Ras Shamra, na costa norte da Síria, do lado oposto de Chipre, datados de c. 1300 a.C. O povo de Ugarite era formado de semitas do noroeste, parentes próximos dos vizinhos cananeus, ao sul. Esses textos também são alfabéticos, lavrados em argila em escrita cuneiforme. Embora profundamente influenciados pelas técnicas de escrita da cultura dominante —Egito no alfabeto proto-sinaítico e Mesopotâmia no ugarítico— tanto ugaritianos como cananeus romperam novos campos surpreendentes na adaptação delas a um princípio alfabético. Os textos ugaríticos preservam uma rica literatura religiosa e épica (bem como cartas e textos administrativos) cujo conteúdo indica muitos paralelos com a cultura e as instituições israelitas. Têm importância fundamental na documentação da religião e da cultura cananeia da Palestina na época em que Israel entrou na terra. Aliás, Israel surgiu no tempo e no lugar exato para herdar o mais elevado legado cultural que o mundo antigo já havia alcançado.

Por fim, a luta pelo domínio do mundo no terceiro quarto do segundo milênio terminou em exaustão para todos os combatentes. A Assíria ganhou breve vulto no final do século XIII, mas logo caiu num período de fragilidade. Esse período prolongou-se pelo segundo milênio com as incursões dos povos arameus, que se infiltravam na Síria e no noroeste da Mesopotâmia. Essa série de fatos foi vantajosa para o estabelecimento do povo de Deus em Canaã. Outro domínio mundial não emergiria senão no novo império assírio sob Tiglate-Pileser III no século XVIII. Durante esse intervalo, Israel cresceu até tornar-se uma cidade-estado, sem ameaça alguma de nenhum poder dominante. Será que os olhos da fé veem demais quando enxergam o surgimento de Israel precisamente nesse tempo de grande síntese e florescimento cultural como uma direção providencial de Deus em relação às forças da história do mundo em favor da história da redenção? Com certeza, não.

——- Retirado de:  William S. LaSor – Introdução ao Antigo testamento.

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