Órion

— Por Júpiter, meu pai! Quem é aquele ser belo e gigantesco que passeia sobre a superfície das águas? — perguntou Diana, a deusa da caça, ao seu irmão Apolo.

— É Órion, filho de Netuno, não o conhece?

— Não, meu irmão, confesso que não.

— Seu pai lhe deu o poder de andar por sobre as águas. Parece que é um exímio caçador, também.

— Um exímio caçador! — repetiu ela, surpresa. — O que mais lhe concedeu o benevolente destino?

— Pouca coisa; às vezes, a beleza nem sempre é indício certo de sucesso no amor. Quer escutar a história de seu infeliz amor?

— Vamos lá!

— Órion certa vez apaixonou-se por Mérope, filha de Eunápio, rei de Quios; por amor a ela acabou com os animais selvagens da ilha, levando os despojos à amada. O pai dela, parecendo satisfeito com o pretendente, concordou em dá-la em casamento, embora ficasse sempre adiando a data. Um dia, entretanto, Orson perdeu a paciência e entrou nos aposentos da bela noiva. Ali, tentou possuí-la à força. O pai da jovem, indignado com tamanha afronta, foi até Baco e exigiu que este o punisse. O deus do vinho embriagou Orson durante o sono enquanto o pai ultrajado privou-o da visão.

— Cego? Mas ele anda com tanta segurança sobre as águas!

— Ah, minha irmã, você anda sempre tão envolvida com caçadas que não sabe de nada do que se passa entre os deuses e os homens. Falou-se muito neste caso. Orson ficou sabendo através de um oráculo que voltaria a enxergar caso partisse para o Oriente e lá deixasse que o Sol nascente lhe banhasse os olhos. Dito e feito: pôs-se imediatamente a caminho de Lemmos, acompanhando o ruído dos martelos dos Ciclopes, os fuliginosos ajudantes de Vulcano. Lá chegando, o deus, compadecendo-se dele, cedeu-lhe então um de seus ajudantes para que lhe servisse de guia até a morada do Sol. Órion colocou o guia nos ombros e caminhou com ele rumo ao nascente até encontrar o Sol, que lhe restabeleceu instantaneamente a visão. Quando retornou a Quios, para se vingar do rei Eunápio, no entanto, este havia desaparecido, e não houve jeito de encontrá-lo.

— Fascinante! — disse Diana, que já não ouvia o irmão, mas tinha os olhos fixos na figura máscula que saía da água, vindo em sua direção, com o passo elástico de gigante.

Diana, curiosa, convidou Órion para fazer parte de seu grupo de caça.

— É uma honra que nunca imaginei merecer um dia, ó filha de Latona! -respondeu o surpreso Órion, encantado com o convite e com a beleza da deusa. “Ó divino Sol, obrigado por ter me devolvido a possibilidade de poder admirar outra vez a beleza de uma tal divindade!”, pensou ele, erguendo os olhos uma vez mais para o grande e universal astro.

Desde então, tão logo a Aurora se espalhava pelos céus com seu rosados véus, saíam os dois caçadores, Diana e Órion, com suas aljavas e arcos nas costas, a se embrenharem bosque adentro, seguidos pelos ruidosos cães de caça. Subiam montes e vales, perseguindo os gamos e os cervos velozes, despistando os terríveis javalis e transpassando-os com suas aceradas flechas.

Certa feita, entretanto, quando Órion caminhava sozinho pelo bosque, enxergou as sete belas Plêiades, filhas de Atlas. Elas eram ninfas do séquito de Diana e estavam se banhando no rio. Tão logo pôs os olhos sobre elas, viu-se perdidamente apaixonado por todas.

— Um gigante! Vamos, fujam! — gritou uma das Plêiades, fazendo com que todas lançassem seus belos corpos para dentro da água, transformando o rio num improvisado chafariz devido aos seus mergulhos.

— Por que fogem, adoráveis ninfas? — gritava o gigante, quase agarrando-as com as mãos descomunais. — Não pretendo fazer-lhes mal algum; sou Órion, não me reconhecem?

Desde este dia as sete Plêiades nunca mais tiveram paz: o importuno gigante passava os dias a espreitá-las e a persegui-las, onde quer que estivessem, seja banhando-se nuas nas águas do cristalino rio, seja caçando nos frondosos bosques.

Um dia, contudo, cansadas de não terem mais sossego, as ninfas imploraram a Júpiter que as metamorfoseasse em pombas. Júpiter atendeu ao pedido, e quando o imenso Orson pensou ter agarrado uma delas viu uma pomba sair voando de entre seus dedos, acompanhada de outras seis, deixando em suas mãos apenas um punhado de penas alvas e lisas.

Mais tarde Júpiter transformou-as em uma linda constelação.

Quem, entretanto, não andava nada satisfeito com Orson era o irmão de Diana, Apolo de douradas setas.

— Desde o surgimento deste desgraçado que Diana do arco de marfim tem desprezado a minha companhia — reclamava ele, com ciúmes da irmã. — Já é hora de expulsá-lo daqui.

Durante vários dias Apolo esteve procurando uma forma de desfazer-se do intruso, até que uma bela manhã surgiu a ocasião. Observando que Orson caminhava pelo mar apenas com a cabeça acima da água, como costumava fazer, esperou que ele se afastasse a uma boa distância e então chamou com um grito a irmã que estava um pouco mais afastada.

— Diana, vamos, veja se é capaz de alvejar aquele ponto negro sobre o mar. A deusa, que adorava desafios, assestou a sua seta ao arco e disparou-a incontinenti. O ponto negro, acertado em cheio pela flecha, afundou repentinamente.

— Aí está! — disse Diana ao irmão, agitando o arco no ar.

Dali a instantes as ondas trouxeram para a praia o lívido corpo de Orson.

— Oh, não! — gritou Diana. — Eu o matei! Meu irmão, eu o matei! Diana, percebendo que tal fora o propósito de Apolo, desesperou-se.

— Nunca mais quero vê-lo! — disse ela, olhando com fúria para seu irmão. Mas como eram ambos muito apegados, logo se reconciliaram. Apolo e

Diana, com efeito, além de serem muito unidos tinham um estranho senso de moral que não os fazia sentir remorsos, mesmo que cometessem alguns crimes francamente repreensíveis, como da vez em que haviam matado todos os filhos da pobre Níobe, só porque esta rainha ousara dizer-se mais bela que a própria deusa.

Vendo que não havia mais remédio que pudesse trazer Orson de volta à vida, pediu então a Júpiter, seu pai, que o colocasse entre as estrelas. Júpiter atendeu ao pedido, e desde então Órion aparece nos céus como um gigante, dotado de um cinto, uma espada, uma grande pele de leão e uma clava. Sírius, seu cão, o acompanha, e as Plêiades, lá em cima, voltaram outra vez a fugir de sua molesta presença.