Aristeu, o Apicultor

Aristeu, o apicultor, caminhava um dia às margens de um rio, em um local longe de suas terras, quando se admirou com a produção de mel:

— Impressionante como nesta floresta as abelhas produzem abundantemente o seu néctar! — disse, olhando admirado para o mel que transbordava generosamente da cavidade de uma árvore tombada. — Sem dúvida, as ninfas dos bosques devem protegê-las.

O jovem apicultor raspou com sua faca um pouco do líquido dourado que parecia brotar da própria madeira. Parecia ouro puro e liquefeito!

— Enquanto as minhas abelhas pereceram todas por força de alguma maldição divina, estas daqui parecem ter o dom da imortalidade! — disse Aristeu, desapontado. — Aí estão a voar ilesas, apesar da tormenta e do raio que lhes derrubou a árvore ainda esta madrugada.

O apicultor estava mergulhado neste desgosto desde que suas abelhas haviam morrido sem motivo aparente. Um belo dia simplesmente haviam amanhecido todas mortas, diante dos favos.

Aristeu sentou-se sobre a relva, desacorçoado; com sua faca retirou um pouco do mel, que escorria grosso e cristalino feito uma corda do próprio sol, e pôs-se a lambê-lo na beira do rio.

O apicultor era filho da ninfa Cirene, que por haver domado sozinha os leões selvagens que atacavam o rebanho de seu pai, Hipseu, rei dos Lápitas, ganhara o amor do deus Apolo.

Desta união surgira Aristeu. Cirene estava sentada em seu palácio no fundo do rio, rindo gostosamente das histórias que as ninfas contavam, enquanto brincavam e mergulhavam à sua volta. De repente uma das ninfas surgiu apressada.

— Cirene, o seu belo filho está lá em cima! — disse ela. — Está a se lastimar, prostrado às margens, e mais parece um Narciso que tivesse visto sua imagem deformada no espelho das águas.

— Traga-o já até mim! — ordenou a mãe de Aristeu.

As águas imediatamente se abriram, como se duas mãos invisíveis tivessem apartado em dois o curso da água, e o jovem passou por entre as liquefeitas cortinas até chegar à região onde ficam as nascentes do grande rio, que depois se separam para correr em várias direções.

— Finalmente você faz uma visita à sua mãe, meu querido! — disse Cirene, alegre, a receber o seu filho. — Que boas novas me traz?

— Oh, minha mãe, ando muito desanimado! — disse Aristeu, de cabeça baixa. — Você mais que ninguém sabe do esforço e prazer que sempre dediquei às minhas abelhas. Sempre as preferi aos rebanhos, à caça e à agricultura. Levantava ao raiar do dia para acompanhar suas entradas e saídas dos favos e seus vôos para libar o néctar das flores, plantadas por minhas próprias mãos, e falava-lhes como se falasse com meus próprios filhos. Elas, por sua vez, me retribuíam com seu dourado e perfumado mel, que me proporcionavam com tal abundância que me trouxeram a fama de ser o mais hábil apicultor de que já se teve memória. De repente, minha mãe, da manhã para a noite elas me foram arrebatadas dos dedos como a areia sob o golpe de um vendaval! O trabalho de uma vida inteira foi-se por água abaixo, e você, minha mãe, nada fez para me poupar desse golpe do destino.

— Em nome de Netuno, senhor do tridente! Só pode ser praga das ninfas das florestas, meu filho! Dê-se por satisfeito de que não fizeram as abelhas voltar os seus esporões contra você ou produzirem um mel envenenado.

— Por que diz tudo isto, minha mãe?

— Ora, elas vingam ainda o infortúnio de Eurídice!

Aristeu parecia não entender; aquele era um fato tão distante!

— Além do mais eu não tive culpa alguma de sua morte — defendeu-se o apicultor. —

Eu apenas a perseguia, cego pela paixão, quando ela desastradamente pisou sobre uma cobra, que a picou no mesmo instante. Ah, Eurídice! Sempre você, mesmo depois de morta? Não basta ter arrebatado minha alma, minha vontade, meu orgulho, enquanto era viva?

— Meu filho, esqueça Eurídice, ela está morta — disse Cirene, impositiva. -Sei, no entanto, de uma maneira para recuperar a sua criação de abelhas.

— Uma maneira? — exclamou Aristeu, ganhando alma nova.

— Você conhece, por certo, Proteu, o velho deus do mar.

— Claro, minha mãe. Ele apascenta o rebanho de focas e os grandes peixes de seu pai Netuno, não é isto?

— Exatamente. Nós, as ninfas dos rios, temos por este sábio deus uma imensa consideração e respeito, eis que ele conhece todas as coisas passadas, presentes e futuras.

Cirene interrompeu-se ao ver que as ninfas haviam trazido uma deliciosa refeição para os dois saborearem, à base de… mel!

— Comamos um pouco, meu querido.

— Continue falando, minha mãe, quero saber logo o que Proteu tem a me dizer — pediu Aristeu, olhando de soslaio para toda aquela abundância de mel, que se espalhava farto em todos seus tons dourados e consistentes.

— Como eu ia dizendo, meu filho, somente o divino Proteu poderá explicar a razão pela qual morreram as suas abelhas e como você pode fazer para que isso não volte a acontecer. Foi este mesmo deus, aliás, que indicou a Menelau, rei de Esparta, o caminho para casa quando este esteve perdido nos mares do Egito com sua Helena recém-resgatada das mãos dos pérfidos troianos. Entretanto, Proteu jamais o ajudará por livre e espontânea vontade, por mais que você implore. Por isso, precisará obrigá-lo a falar pela força.

— Obrigar um deus pela força? Como posso obrigar um deus a fazer o que quero?

— Calma, meu querido, na verdade é tudo muito simples: quando ele estiver dormindo seu breve sono do meio-dia, você aproveitará para agarrá-lo e acorrentá-lo com firmeza. Quando ele se sentir irremediavelmente aprisionado, recorrerá ao poder que possui de transformar-se repentinamente nas mais terríveis e amedrontadoras criaturas ou, então, produzirá um ruído semelhante ao crepitar das chamas ou ao barulho da água corrente. Mas você deverá ignorá-los e se preocupar apenas em mantê-lo bem preso ao longo de todas estas transformações. Quando ele perceber finalmente que todos os seus artifícios foram inúteis, voltará à sua antiga forma e estará pronto a responder a todas perguntas, a troco apenas da sua liberdade. Fique tranqüilo, meu filho: vai dar tudo certo.

Cirene ergueu-se, então, e conduziu o filho até a gruta de Proteu, localizada na ilha de Cárpatos, e escondeu-o entre as falhas dos rochedos.

Ao meio-dia, a hora em que o deus saía das águas para buscar repouso junto às sombras das grutas, Proteu saiu da água, deixando espalhado ao largo da praia o seu imenso rebanho de focas, e refugiou-se sob a sombra amena, no chão da gruta, adormecendo. Sem perda de tempo, Aristeu correu e o agarrou, acorrentando-o imediatamente.

— Perdão, divino Proteu, mas preciso da sua ajuda! — disse Aristeu, agarrado com toda força ao corpo do deus marinho.

Proteu, ao ver-se irremediavelmente preso, resolveu recorrer às suas artes, transformando-se primeiro num leopardo, depois num javali, depois numa leoa, e assim sucessivamente, mas sempre sem sucesso. Vendo, porém, a inutilidade de seus esforços, recuperou sua própria forma e disse, impaciente, ao apicultor:

— Diga de uma vez a que veio, jovem inoportuno!

— Você é profeta, sabe muito bem o que quero. Sabe também que vim sob a proteção dos deuses para descobrir a causa de minhas desgraças.

O deus marinho arregalou os olhos aquosos e penetrantes e disse:

— A causa dos seus infortúnios você já sabe! Por ter provocado a morte de Eurídice, recebe a justa punição das ninfas Dríades, companheiras de Eurídice, que lançaram a destruição às suas abelhas. Terá agora que apaziguar o ódio delas, o que não é pouca coisa. E se continuar a me apertar deste jeito, ganhará logo também a minha inimizade.

— E o que devo fazer para evitar outra calamidade parecida? — perguntou Aristeu mais calmo, mas sem jamais afrouxar as correntes.

— Você deve sacrificar aos deuses quatro belíssimos touros e deixar as suas carcaças apodrecerem no local do sacrifício. Nove dias depois voltará para examinar as carcaças e verá, então, o que aconteceu. A Orfeu e Eurídice você deverá render honras fúnebres suficientes para acalmar a ira deles.

Aristeu fez exatamente o que Proteu lhe havia prescrito e, voltando, ao nono dia, examinou as carcaças dos animais abatidos. Dentro delas escutou o zumbido querido das suas abelhas — sim, eram elas outra vez! -, como se mil demoniozinhos estivessem a conspirar dentro das ossadas.

— Oh, que maravilha! As abelhas brotaram das entranhas dos animais e ali estão a trabalhar como numa colméia! — exclamou o apicultor, feliz da vida.

De dentro da carcaça retirou, então, com a própria mão, um punhado de mel da cor do âmbar, que ofereceu à sua mãe, Cirene, e a Proteu, o deus das mutações.

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