Medéia, filha do rei Eetes, da Cólquida, apaixonara-se por Jasão e, traindo os interesses do próprio pai, ajudara o herói a resgatar o Velocino de Ouro, relíquia que até então era guardada no reino. Depois que Jasão, com o auxílio de suas artes de feiticeira, venceu o dragão que guardava o Velocino, Medéia pôs-se de joelhos à sua frente e implorou:
— Oh, meu amado, leve-me, pois não poderei permanecer sob o mesmo teto de meu pai tão logo ele descubra a minha traição!
Jasão, enternecido, ergueu-a suavemente do chão; depois de envolvê-la em seus braços, lhe disse estas meigas palavras:
— Nada tema, Medéia amada! Iremos juntos para a Grécia e lá seremos felizes para sempre!
A filha de Eetes quase desmaiou de emoção diante desta promessa. “Medéia amada…
Medéia amada…”
Estas palavras não saíram mais de sua cabeça, e a partir daí decidiu tomar partido, definitivamente, em favor de Jasão, para o que desse e viesse.
Entretanto, uma monstruosa serpente guardava o Tosão quando foram buscá-lo. Mas para Medéia serpente alguma era entrave: cantou uma canção sonífera para a fera, que em instantes adormeceu, possibilitando ao herói arrebatar do esconderijo o dourado velo e o levar a salvo para o seu navio. No mesmo instante todos partiram — inclusive Medéia, que ia feliz junto com seu amado Jasão. Diz a lenda, também, que junto dela ia seu irmão Absirto, que surgiu do nada para ajudar a sua irmã.
Importa muito, contudo, que guardemos este nome: Absirto, irmão de Medéia.
Durante a fuga, os dois amantes aproveitaram a oportunidade para ter a sua primeira experiência amorosa, justo em cima do dourado e cálido pelego. E tão carinhoso Jasão pareceu à apaixonada Medéia, que para ela ser acariciada pelos dedos delicados do amante ou pelos tufos compridos do velo macio foi tudo a mesma coisa: não sabia dizer quando era um e quando era o outro que percorria suas delicadas formas, arrancando de seus rubros lábios profundos suspiros de prazer.
Tudo corria bem, até que o rei Eetes surgiu no mar, em perseguição da veloz Argo, com uma nau repleta de guerreiros.
— Canalha, devolva já a relíquia e minha filha! — brada o rei, enfurecido. Medéia sabe que sua vida corre perigo; a nau inimiga aproxima-se e está prestes a abordá-los. Já vibram nas mãos dos soldados as espadas e as lanças afiadas.
Medéia, então, tem uma idéia — macabra, é verdade, mas que lhe parece a única solução para defender o seu amor: volta-se para seu irmão Absirto e lhe diz em altos brados:
— Absirto, irmão meu, você disse que veio para me proteger em qualquer circunstância.
Eu pergunto agora: continua a afirmar a mesma coisa?
— Sim, minha irmã, assim disse e assim farei! — brada o irmão, com firmeza.
— Ótimo — diz-lhe Medéia, serenamente — Nada terá de fazer. Sacando, então, de suas vestes um punhal, enterra-o no coração do irmão. Gritos de espanto soam por toda a tripulação do Argo. Medéia, encarando o piloto, lhe diz com um ar feroz, que até então ninguém vira:
— Imbecil, adiante com o navio! Pretende, então, que meu irmão morra em vão?
Uma onda de pavor varre todo o convés; Medéia, de posse de um machado, pica em pedaços os membros do irmão e os lança, ainda palpitantes, para o mar.
Gravíssima pena pesa sobre todo aquele que, podendo, não dá sepultura em terra a um morto em alto-mar; assim, o rei vê-se obrigado a parar para recolher os pedaços do filho, que Medéia joga de tempos em tempos nas ondas revoltas.
— Obrigado, querido irmão… Que Prosérpina piedosa lhe acolha em sua sombria morada! — diz Medéia, dando um beijo nos lábios ensangüentados da cabeça do irmão, antes de lançá-la rodopiando para o mar.
— Oh, mulher perversa… — bradam os homens de ambos os navios. Jasão também se associa ao horror e censura asperamente a sua amante, embora só depois que todos já estão a salvo.
Mais tarde o herói esteve um longo tempo meditando sobre o caráter daquela criatura que levava consigo: afinal, estava prestes a se casar com uma mulher capaz de fazer em postas o próprio irmão!
— Fiz isto por amor a ti, meu adorado, compreende?! — disse Medéia a Jasão. —
Percebe agora a imensidão do meu amor?
Por um instante chegou à barreira dos dentes do herói esta pergunta singular: “E qual seria, então, a imensidão do seu ódio, Medéia?”.
Mas Jasão, além de herói, era também prudente, e por isso achou melhor calar.
Uma última aventura, no entanto, ainda estava reservada aos navegantes da maravilhosa nau; ao se aproximarem da ilha de Creta, foram advertidos por um grito de Medéia:
— Jasão, cuidado, não desembarque.
Ao longe viram surgir, então, uma figura sinistra, um monstro horrendo, todo feito de bronze, que caminhava a largos passos na direção da praia.
Talos — tal era o nome deste monstro infatigável, presente que Vulcano dera ao rei de Creta, e que estava encarregado de vigiar a ilha. Todas as noites dava três voltas inteiras ao redor da extensa muralha que cercava a cidade, de tal sorte que ninguém entrava sem sua aquiescência nem saía sem a sua permissão. E não adiantava aguardar que ele estivesse do outro lado da muralha para tentar uma fuga ou invasão, pois tão alta era esta medonha criatura que mesmo do outro lado podia enxergar perfeitamente o que se passava no outro extremo, por cima dos muros, bastando dar um pulo para estar diante do ingênuo infrator.
Sua arma preferida eram pedregulhos, que arrancava das montanhas com notável facilidade; mas quando a situação derivava para a guerra, e uma batalha se anunciava, aí é que se podia perceber todo o engenho da sua mente metálica: tão logo o rei lhe anunciava a proximidade do conflito, o autômato diabólico ia às pressas deitar o seu imenso corpanzil sobre uma prodigiosa fogueira de carvalhos e ali permanecia estirado até que todo o seu corpo flamejasse feito uma tocha. Depois, erguendo-se como um rubro e ígneo demônio de ferro, lançava-se, então, sobre o inimigo, abraçando exércitos inteiros que chiavam esbraseados ao contato de seu peito escarlate e fumegante.
A nau Argo estava, então, ao largo da ilha quando seus tripulantes avistaram o monstro; era fácil enxergá-lo por causa da sua estatura descomunal. A cada passada sua a terra sacudia, e as árvores choviam suas folhas.
— Vejam, ele vai arremessar um rochedo! — gritou um dos tripulantes da Argo.
O pedregulho veio cair bem ao lado do braço, erguendo uma onda que quase engoliu a todos.
Medéia, entretanto, chamou a si mais uma vez a tarefa de salvar seu amado Jasão: ajoelhada, orou a Hécate, deusa infernal, pedindo seu auxílio; num instante surgiram das profundezas da terra imensos cães da cor da noite, que passaram a atacar Talos.
Este monstro prodigioso tinha, no entanto, um ponto fraco: a exemplo de Aquiles, tinha um calcanhar vulnerável, dotado de um pino de bronze que lhe fechava uma veia essencial. Um dos cães deu uma mordida valente, arrancando o pino, e logo o monstro começou a esvair-se em sangue, até cair desconjuntado sobre a terra num fragor espantoso. Mais uma vez, Jasão devia a sua vida àquela mulher perversamente fabulosa.
E assim acabaram as aventuras dos Argonautas: enquanto os outros se dispersaram por todas as partes, Jasão e Medéia seguiram para Iolco, na Tessália, onde os aguardava seu tio Pélias, o rei que incumbira Jasão de trazer o Velocino.
Jasão imaginava que ao restituir o Tosão ao rei veria-se investido na condição de rei da sua terra, pois tal fora a promessa que lhe fizera o tio. Mas Pélias era um homem perverso, e durante a ausência do herói havia obrigado seu pai a se matar, enquanto sua mãe morrera de desgosto.
Pélias usurpara o poder e não pretendia devolvê-lo de maneira alguma.
— Pegue esta louca e desapareçam os dois da minha frente antes que eu mande esquartejá-los! — declarara brutalmente ao herói do Velocino.
A partir daí o exagero da lenda cede passo à crua realidade: Jasão, que havia derrotado gigantes de seis braços, as iradas Harpias, rochedos movediços, touros cuspidores de fogo, sereias ardilosas, exércitos de gigantes brotados dos dentes de um dragão, o próprio dragão e um gigante de bronze não foi, contudo, capaz de enfrentar um inimigo bem mais prosaico, porém infinitamente mais real: a tirania de um rei cruel e impiedoso.
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