Um elemento extremamente importante que une praticamente todas as religiões é a representação dos deuses através dos ídolos/estátuas. Se a tese descrita abaixo estiver correta, é preciso levar isso em conta na construção dos cenários em Anthares. Todo o texto abaixo foi retirado do livro “O Alvorecer dos Deuses”, de Yago Martins.
Tem sido um consenso cada vez mais emergente desde a década de 1970 entre os teólogos que o contexto mais significativo no Antigo Oriente Próximo para o uso da expressão “imagem e semelhança” vem das noções de domínio dos reis, principalmente após o trabalho do entomologista austríaco Helmuth Holzinger (1928-1992) e do teólogo católico romano, também reitor da Universidade de Würzburg, Johannes Hehn (1873-1932). Essa interpretação é considerada até pelos críticos como “a opinião mais influente hoje”.
A tese de doutorado escrita em 1984 por Edward Curtis, intitulada Man as the Image of God in Genesis in the Light of Ancient Near Eastern Parallels, orientada pelo especialista em Antigo Oriente Próximo Jeffrey Tigay, é até hoje a obra mais completa sobre a influência do contexto de adoração real no livro de Gênesis.
O que essa posição teológica sobre o significado de “imagem e semelhança” percebe é que a prática comum dos reis naquele tempo era construir estátuas às suas imagens em terras conquistadas para representarem as autoridades de seus reinados. Essa era uma forma de os reis demonstrarem presença de realeza, mesmo que não física, em determinado território. O rei, por sua vez, era também uma representação da divindade nacional. Em uma abundância de textos, os reis antigos eram tratados como a “imagem de deus”, especialmente nos antigos Mesopotâmia e Egito.
Em Identity and Idolatry [Identidade e Idolatria], o teólogo e professor do Gordon-Conwell Theological Seminary, Richard Lints, explica:
Os deuses que colocaram uma linhagem deles na terra na pessoa do rei […] esperariam que o rei colocasse uma estátua de si mesmo nos tempos. Embora os deuses residissem no céu ou no topo de uma montanha, sua presença real foi comunicada ao templo em virtude da estátua do rei ali colocada. No mundo antigo, onde havia pouca distinção entre autoridade política e religiosa, a linguagem da “imagem” teria carregado um tom religioso e político entrelaçado. Como imagem da divindade, o rei exercia autoridade absoluta sobre o reino, e o templo em que residia a imagem dorei era o símbolo concreto do reinado da divindade através do rei.
Edward Curtis, por sua vez, explica que o rei, quanto à imagem viva de Deus, era “como a estátua cultual, um lugar no qual o deus se manifestava e era o principal meio pelo qual a divindade trabalhava na terra”. Segundo o autor, “pensava-se que o rei, como a imagem do deus, mediava a presença e o poder do deus na terra”. A atual riqueza de estudos comparativos de Israel e do Antigo Oriente Próximo nos ajuda a ter mais certeza sore essa relação.
Richard Middleton (1955-), professor de cosmovisão e exegese do Northeastern Seminary e professor adjunto de teologia no Roberts Wesleyan College, explica em The Liberatin Image: The Imago Dei in Genesis 1, que “a prática antiga dos reis de criar imagens de si mesmos em terras distantes é muito bem-atestada tanto nas inscrições nas próprias estátuas quanto nos documentos reais que descrevem a prática”.
Além de numerosas inscrições nas próprias estátuas, os registros literários sobreviventes de muitos reis neoassírios descrevem a prática. Várias fontes apresentam os líderes civis como designados à imagem e semelhança de um deus em particular, seja Enlil, Shamash, Marduk, Amon-Ra e Hórus, “uma designação que serviu para descrever sua função (análoga à de uma imagem de culto) de representar a divindade em questão e de mediar a bênção divina para o reino terrestre”, escreve Middleton. Ele também explica que, em alguns exemplos da Mesopotâmia, a palavra usada para “imagem” é precisamente o cognato acadiano do hebraico selem.
O estatuto do rei Adad-iti encontrado em sua estátua em Tell Fekheriyeh (na Síria moderna) em 1979 em uma inscrição bilingue reconhecendo a bênção do deus Adad (ou Haddad) sobre o rei, sinalizando seu domínio sobre a província assíria de Guzan. […] Um rei assírio do século 7 a.C., Esar-Hadom, é abordado por um de seus correspondentes, o astrólogo e oficial da corte Adad-shum-usus, como a imagem de Bel: “O pai do rei, meu senhor, era a própria imagem de Bel, e o rei, meu senhor, é igualmente a própria imagem de Bel”. Em outra carta, Adad-shum-usur chama Esar-Hadom de “imagem de Shamash”: “O rei, o senhor dos países, é a [verdadeira] imagem de Shamash”.
No mesmo período, o astrólogo Asharidu se dirige a um rei assírio não identificado: “Ó rei, tu és a imagem de Marduk quando estás zangado com teus servos!”.
Essa tese aponta para, talvez, o verdadeiro motivo pelo qual muitos governos foram estabelecidos a contragosto das civilizações. De qualquer forma, nos dá muito material para conectar os Acsï com a gênese das grandes civilizações antigas.
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