O QUE É A LEI?
No Universo Anthares, a resposta a isso é semelhante à resposta sobre a estética e a magia. Em Anthares, ética, estética e linguagem são três absolutos intrínsecos à estrutura da Criação.
Obs.: Antes de mais nada, este não é um post sobre a ética (ou lições de moral) nas histórias em Anthares para os escritores seguirem. É um post sobre como o próprio universo ficcional funciona intrinsecamente. Ou seja, as implicações desta discussão podem afetar nas soluções para a literatura que produziremos, ficcionalmente, já que são questões de worldbuilding.
Como você deve saber, Anthares pressupõe a realidade na composição de seu universo e também as histórias bíblicas — não como panfletagem, longe disso; mas como uma decisão literária, não religiosa, que usamos como ponto de partida para alinhar mais facilmente os tópicos (como algumas coisas funcionam; ex.: Os Acsï) – ainda que alguma eludicação sobre a fé cristã precise ser dada aqui para explicar o tema do post.
Já falamos bastante sobre linguagem e magia. E sobre a ética, nós até já fizemos um tópico muito interessante, com base nos Dez Mandamentos para falar sobre Magia & Religião, justamente para mostrar como esses absolutos estão conectados na forma como o nosso universo ficcional funciona. E neste tópico, falaremos um pouco mais sobre a ética.
Os Dez Mandamentos eram dispostos em duas tábuas, sendo a primeira delas composta pelos deveres para com Deus, coisas básicas que todo israelita precisava viver, e na segunda tábua temos os deveres para com a própria humanidade. Nós podemos lembrar também do resumo e da divisão que Jesus fez: (1) Amar a Deus sobre todas as coisas; (2) Amar ao próximo como a si mesmo.
A ética não é meramente um código jurídico que pode ser reformado. Ela não é como as regras de um condomínio ou sobre como organizar o trânsito. Deus não entregou a lei como simples “regras do jogo”. A ética em Anthares é mais como uma resposta à realidade.
Ficou confuso sobre a diferença? Vamos do começo.
Por causa da influência da lei romana, nós tendemos a pensar na lei (de Deus, a ética) como um sistema que serve apenas de controle e restrições para uma segurança mínima na sociedade, pois as leis estatais vendem-se dessa forma, ainda que raramente consigam alcançar o que pretendem. No entanto, a ética (neste caso, a lei bíblica) não é uma regra, é uma sabedoria. A doutrina bíblica deve para orientar a vida como princípio. E é por isso que, para os cristãos, a Bíblia consegue servir de norte para tensões casuísticas de moralidade, e assim o fez desde sempre, mesmo não tendo uma lista infinita de regrinhas para todas as situações imagináveis.
Não que não exista uma dimensão civil na lei bíblica, mas ela não pode ser resumida a isso de forma alguma. Tanto é que quando Jesus resume o ensino da lei, esse ensino não é uma concepção de Estado, nem uma proposta constitucional ou um código de leis, mas um fundamento da moral: amar a Deus e ao próximo. E isso nos dá até uma grande pista de como ler o Antigo Testamento e a lei.
A distinção cristã entre lei e graça não é uma distinção entre legalismo e liberdade. Quem pensa assim deixa de aprender a substância ética do Antigo Testamento, pressupondo que a lei ficou para trás. Mas ela não pode ficar para trás por um motivo muito evidente, e é aqui que a coisa começa a se mostrar estrutural:
Se Deus é a fonte de todo bem, o centro de todas as coisas, e a humanidade é a imagem de Deus, então, seguir a lei é tão somente responder (ou corresponder) à realidade.
Nós podemos fazer acordos sobre leis civis como fazemos acordos sobre regras de um jogo, mas essas regras não são uma descrição da realidade. Elas descrevem só o jogo.
A ética bíblica não são “as regras do jogo” para ser cristão; não são regras de condomínio para ser crente. A lei não é um sistema de obrigações, deveres e regulamentos que nós impomos à realidade. A realidade não é à parte da lei, neutra, amoral, deixando as regras da vida em nossas mãos. Isso é o que Charles Taylor chama de “Projetivismo Moral”. Ou seja, o mundo não é moral, a cabeça do ser humano é que é moral e ele lê as coisas como se houvesse certo e errado, à parte da neutralidade da realidade. Mas é evidente que isso é falso, e tampouco será adotado como pressuposto no funcionamento do nosso universo ficcional.
No nosso worldbuilding, a moral está na ordem da realidade. A ética não é um regulamento que inventamos para o jogo da vida. Ela pertence à estrutura da realidade.
Em vários outros posts, falamos sobre a relação entre Soberania e Providência divinas, que são duas faces da mesma moeda. Em Anthares, Aquele que compôs, também rege. A Soberania é o conjunto de decisões; a Providência é o ajuste fino, que incluiu desde o início suas próprias intervenções durante a regência. Perceba como isso parece indicar algo importante sobre de como a realidade funciona.
O livro de Deuteronômio ensina que o sofrimento pode ser resultado da disciplina divina. Deuteronômio 8 assevera que Deus mandou os israelitas para o deserto para quebrantá-los e humilhá-los, a fim de que aprendessem que “o homem não vive só de pão, mas de tudo o que sai da boca de Eu Sou”(v. 3). Para os fiéis, o propósito de Deus para as aflições que ele mesmo traz é aperfeiçoar (i.e., disciplinar e salvar); para o tolo, é trazer castigo definitivo. Entretanto, o livro de Jó apresenta uma perspectiva diferente sobre o sofrimento. Nesse livro, o sofrimento é uma realidade básica origem misteriosa. De alguma forma, no desígnio de Deus e dentro da fronteira do cosmo, existe energia caótica, a qual — de uma perspectiva humana — é misteriosa, inexplicável e traumática; esse caos é hostil à vida. Por motivos desconhecidos. Deus não elimina o caos, mas lhe estabelece limites. Assim, Deus diz ao mar: “Ondas altivas”, — existe arrogância e provocação n a imagem que se faz do mar — “até este ponto e não mais além!”. Dentro do universo ordenado de Deus há lugar para inundações, incêndios e furacões, mas eles estão sempre confinados. (Bruce Waltke – Teologia do Antigo Testamento – p.13)
Um personagem pode estar mais próximo ou mais distante da ética, mas não muda este fato: existe um sentido e um valor intrínseco nas coisas. Reconhecer isso em maior ou menor instância diz respeito apenas à sabedoria do personagem. (Fazendo uma conexão rápida aqui com a magia, pense nisso quando for ler sobre como forma funciona a vidência e os presságios, no post Profetas, Videntes e Pressagistas).
Sobre o valor intrínseco dito acima: para os personagens, o valor das coisas é, realmente, subjetivo. Nesse sentido, nada tem valor intrínseco, pois o mesmo é conferido pelos indivíduos. Mas repare que a questão em Anthares é estrutural: Nuhat (a divindade soberana do Universo Anthares) criou as coisas da forma como lhe agradou; para Ele, as coisas têm valor. E, se é assim, as coisas definitivamente têm valor, pois o universo e suas leis foram feitas refletindo a natureza de Nuhat.
Nós não somos absolutos, nem nossos gostos pessoais. Nuhat é absoluto e Ele valoriza a sua criação. Por isso, o grau em que se reconhece isso reflete na forma como vivemos (a ética) e isso é, por sua vez, o termômetro da sabedoria do indivíduo. Assim como colocar a mão no fogo queima a mão porque isso é como as coisas funcionam, as violações da ética também têm implicações naturais em Anthares. Não honrar a imagem de Deus no próximo é como ter trocado dólares pela moeda de um país que não conhecemos e não conseguir compreender o preço comum das coisas, pagando muito a mais por elas. Há sempre uma perda na falta ética, ainda que essa falta demore a cobrar do indivíduo.
A histórias criadas em Anthares, como talvez você já saiba, não precisam ter “lição de moral”, e é melhor que não tenham (a não ser que isso de forma nenhuma enfraqueça a história). Mas, à parte dos autores e suas narrativas, Anthares não é um universo eticamente relativista em sua estrutura. Ao contrário, ele é intrinsecamente moral.
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