A Conquista de Canaã

Os relatos das campanhas militares em Canaã, registrados no livro de Josué, são evidentemente de uma natureza seletiva. Parece que as sequências foram de alguma forma, condensadas de modo a parecer que a conquista tivesse sido completada num espaço de tempo comparativamente curto. E bem possível que algumas campanhas realmente acontecidas não fossem incluídas no livro de Josué, já que o propósito do autor era mostrar que os israelitas tinham finalmente ocupado a terra prometida aos seus antepassados.

A conquista se desenvolveu em três etapas distintas, a primeira delas envolveu a ocupação da Palestina oriental antes da queda de Jerico. A segunda fase consistiu na captura de Jerico e de Ai, na aliança com a cidade real de Gibeão, na derrota dos cinco reis que tinham se aliado para lutar contra Gibeão, e na conquista de um grupo de cidades que incluía Laquis e Hebrom. A fase final da ocupação levou as forças israelenses ao interior da Galiléia e ao norte da Palestina, onde Josué lutou contra uma coalizão de cananeus chefiada por Jabim, rei de Hazor. Embora os israelitas fossem vitoriosos, nenhuma das cidades fortificadas foi destruída, com exceção de Hazor, o que parece indicar que estivessem ansiosos para manter intactas algumas cidades e assegurar, ao mesmo tempo, que seu poderio militar tivesse sido anulado. Na época em que a campanha foi concluída, pelo menos trinta e um reis insignificantes haviam sido dominados. No entanto, ainda existiam algumas cidades formidáveis que precisavam ser subjugadas, como Jerusalém e Megido. Apesar da conclusão aparentemente rápida da campanha militar, e da ocupação do território dos cananeus, o livro de Josué deixa bem claro (13.1 e versículos seguintes) que os ganhos obtidos estavam longe de serem consolidados, mesmo durante a vida de Josué.

Escavações arqueológicas, feitas ao longo da rota da ocupação, resultaram em claras indicações da violência e da destruição que aconteceram durante a segunda metade do décimo terceiro século a.C. e que vieram a afetar a estabilidade da vida em Canaã nos dois séculos seguintes. O local onde fica Ai, situado há aproximadamente dois quilômetros e meio a oeste de Betei, foi escavado em 1933 por Madame Marquet-Krause, quando foram descobertas as ruínas de uma cidade da época do início da Idade do Bronze. As ruínas dos templos, palácios e dos muros da cidade indicavam que a cidade havia sido completamente destruída por volta de 2200 a.C. e que não havia sido ocupada novamente por mais mil e cem anos, quando uma cidade muito menor se estabeleceu ali. Dessa forma, a descrição do ataque e da conquista de uma cidade cuja população chegava a doze mil pessoas (Js 8.25) se refere, provavelmente, à destruição da cidade de Ai (Js 8.19,20)

Essa narrativa não faz uma distinção muito clara entre os guerreiros das duas cidades (Js 8.17) e, como Vincent sugeriu, é possível que a cidade de Ai fosse um fortificado posto avançado nas cercanias de Betei. De qualquer maneira, Ai era uma cidade muito menor comparada às outras (Js 7.3) e se sua destruição envolvesse a semelhante conquista de um lugar vizinho, não havia razão para que esse relato não fosse agrupado sob a narrativa da vitória sobre Ai. A antiga Betei foi escavada em 1934, sob a direção do professor Albright e descobriu-se que ela havia sido estabelecida no vigésimo primeiro século a.C, pouco depois da destruição da comunidade de Ai, no início da Idade do Bronze. No décimo terceiro século a.C. essa cidade bem construída da Idade Média do Bronze foi saqueada e incendiada, tal como foi revelado pelas grandes quantidades de escombros carbonizados, tijolos queimados e cinzas escavados nos níveis do final da Idade do Bronze. Essa destruição resultou, provavelmente, na conquista israelita de Canaã, embora alguns estudiosos, que atribuem uma data anterior ao Êxodo, a tenham associado com a conquista de Betei pela tribo de José (Jz 1.22 e versículos seguintes) o que aconteceu depois da morte de Josué.

As escavações feitas em Laquis, a moderna Tell ed-Duweir, iniciadas em 1933 sob a direção de J. L. Starkey, mostraram que esse local havia sido bem estabelecido pelos moradores de cavernas do início da Idade do Bronze. Comunidades subsequentes fizeram desse lugar uma importante fortaleza, de modo que na época de Josué ela havia sido uma antiga cidade real dos cananeus, controlada por um governador amorreu. O período dos hicsos estava representado por um grande fosso de defesa, do tipo que permitia um recinto para as bigas de guerra. Entre os séculos décimo quinto e décimo terceiro foram construídos três santuários nesse recinto e artefatos dessa região sugeriam a existência de uma forma de religião que tinha muito em comum com o ritual de sacrifícios dos hebreus. Nos níveis do final da Idade do Bronze, foi recuperado em meio às ruínas um fragmento de cerâmica contendo uma inscrição egípcia que registrava uma transação comercial e falava da violenta destruição da cidade. Esse fragmento tinha uma data aproximada de 1230 a.C, sugerindo que a cidade foi conquistada no décimo terceiro século, provavelmente como consequência da invasão dos israelitas.

As características dos níveis ocupacionais dos cananeus, egípcios, hicsos e hebreus ficaram evidentes quando o sítio de Debir foi escavado a partir de 1926. O antigo nome desse local era Quiriate-Sefer, atualmente identificado como Tell Beit Mirsim, vinte quilômetros a sudoeste de Hebrom. Aqui, também, uma camada de ruínas carbonizadas separava depósitos hebreus subsequentes dos resíduos do Início da Idade do Bronze. Estes posicionaram a data da destruição da cidade como tendo ocorrido por volta de 1200 a.C. Os estudiosos que afirmam que o Êxodo ocorreu em alguma data no século XV a.C, consideram o ataque de Josué sobre Debir (cf. Js 10.38 e versículos seguintes) apenas em termos da destruição dos seus habitantes, sendo que a conquista da cidade, propriamente dita, seria resultado da destruição feita pelos israelitas sob Otniel, sobrinho de Calebe (Jz 1.11 e versículos seguintes).

Além de algumas poucas sondagens feitas em 1926 por Garstang em Hazor, a moderna Tell el-Qedah, nada mais ficou conhecido sobre a campanha de Josué pela Galiléia. Em 1954, uma expedição da Universidade Hebraica de Jerusalém, dirigida pelo Doutor Yadin, começou a fazer escavações nesse local. Indo na direção noroeste, eles descobriram um grande recinto cercado por um aterro de terra batida. A antiga Hazor, a mais poderosa das cidades-reino anterior aos israelitas, também era uma das cidades mais populosas de Canaã e esse recinto servia não só para acomodar as famosas bigas de Hazor, como também um grande número de moradias.

Dos dezessete níveis de ocupação de Hazor, acredita-se que o mais antigo possa ser datado de aproximadamente 4000 a.C, um eloquente testemunho da antiguidade desse local. Foi descoberto que as defesas ao redor desse recinto datavam do período da Idade Média do Bronze II, sendo contemporâneas dos depósitos hicsos. Nas redondezas foram encontrados fragmentos de cerâmica, um dos quais com uma escrita proto-sinaítica. No centro desse recinto, foi escavado um cemitério da metade e do final da Idade do Bronze, indicando que o último período de colonização havia aparentemente terminado com as conquistas israelitas sob Josué. Em relação a tudo que se conhece atualmente, essa destruição pode ser atribuída ao décimo terceiro século a.C. e também pode muito bem estar associada à campanha galileia (Js 10.36 e versículos seguintes). Mas, em relação a Debir, se for atribuída uma data anterior ao Êxodo, a destruição final da civilização dos cananeus em Hebrom pode ter acontecido no período dos Juízes (cf. Jz 1.10).

——- Retirado de R. K. Harrison – Tempos do Antigo Testamento.


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