( Mito Apache Jicarilla )
No começo, a Terra era totalmente coberta pela água, e todas as coisas viventes tinham de morar abaixo do oceano, num mundo subterrâneo totalmente escuro. Nesse tempo, tudo podia falar: as pessoas, os animais, as árvores, as pedras, os espíritos, até as tempestades. A única forma de se enxergar alguma coisa lá nas profundezas era acendendo tochas com as penas das águias. E os seres do subterrâneo conversavam e discutiam sem parar. O urso, o leão-da-montanha e a coruja gostavam das trevas; porém, as pessoas e algumas aves como a pega e a codorna desejavam a luz, pois estavam cansadas de viver no escuro. Tanto eles discutiram uns com os outros, que resolveram deixar a decisão sobre haver luz, ou não, à sorte: todos se enfrentariam num jogo. Se os animais noturnos ganhassem a partida, haveria trevas para sempre; mas se os que amavam luz vencessem, a claridade se espalharia pelo mundo. O jogo escolhido foi o do botão-pela-fresta. Um pequeno botão estava perdido na escuridão, e quem o visse primeiro ganharia a rodada. Quando a partida começou, a codorna e a pega, com seus olhinhos agudos, viram o botão através dos arbustos; os homens foram lá e o pegaram. Assim, os diurnos venceram a primeira rodada. E, imediatamente, surgiu, lá no alto, a estrela da manhã! O urso-negro, aborrecido, fugiu e foi se esconder em locais escuros. O jogo recomeçou e mais uma vez os amantes da luz venceram a rodada. Assim que eles gritaram de alegria por terem encontrado o botão, o Leste começou a se iluminar. Com medo da luz, o urso pardo também correu para longe e desapareceu nas trevas. Na continuação do jogo, as pessoas logo encontraram o botão e, ao vencerem a terceira rodada, a claridade foi se espalhando lá no alto. O leão-da-montanha, intimidado pela luz, tratou de sumir em busca de sombras. A quarta rodada não poderia ser diferente: com menos noturnos em jogo, os diurnos venceram facilmente. Então todos viram o Sol nascer pela primeira vez. Fez-se o dia! E a coruja voou, o mais depressa que conseguiu, em busca de um refúgio. Agora havia luz, com um Sol e até uma Lua para iluminar o subterrâneo. E a claridade mostrou aos moradores das profundezas que existia um outro mundo, mais acima. Um buraco lá no alto era uma passagem para esse lugar. Todos ficaram curiosos para conhecer o tal mundo e começaram a pensar numa forma de chegar lá. Com a ajuda de um espírito poderoso chamado Tornado, as pessoas, as aves, os búfalos e outros animais começaram a construir montes em que pudessem subir para chegar ao buraco no teto de sua morada: fizeram quatro grandes pilhas de terra em cada um dos pontos cardeais. Ao Leste, plantaram no monte várias árvores que davam frutos de cor negra. Ao Sul, após erguerem a elevação, plantaram muitas árvores que davam frutos azuis. No monte erguido a Oeste, escolheram para semear plantas que dessem frutos amarelos. Por fim, ao Norte, plantaram, sobre o monte de terra, vegetais que dariam frutos de cores variadas. Conforme as árvores e os arbustos plantados iam crescendo, os montes de terra iam crescendo também e se transformando primeiro em morros, depois em montanhas. As pessoas e os animais observavam aquela maravilha e esperavam ansiosamente pelo momento em que eles fossem tão altos que alcançariam a passagem para o mundo acima. Porém, certo dia, duas meninas resolveram subir escondidas em um dos morros para colher frutinhas e flores. E, quando chegaram lá no alto, de repente, as quatro montanhas pararam de crescer! Intrigadas, as pessoas chamaram o espírito Tornado e lhe pediram para descobrir o que havia acontecido. Ele encontrou as duas garotas e as levou de volta às suas famílias. – “As montanhas não crescerão mais” – disse ele. – “E agora o mesmo acontecerá com os meninos do seu povo. Eles crescerão bastante, até o dia em que, pela primeira vez, estiverem com uma mulher; então deixarão de crescer. Como não havia jeito, os animais e as pessoas se conformaram com o que ocorrera. Mas as montanhas não haviam se tornado altas o suficiente para que fosse possível alcançar o buraco lá em cima. Então eles resolveram fazer outras tentativas. Primeiro, tentaram construir uma escada unindo penas de pássaros, mas, assim que alguém subia, os frágeis degraus se quebravam. Em seguida, tentaram usar penas de águia para fazer a escada e, embora estas fossem mais resistentes, ainda não produziam degraus bastante fortes para sustentar o peso de quem subia. Foi então que os búfalos ofereceram seus chifres, que naquela época eram longos e retos. Com os chifres de búfalo, foi feita uma escada bem resistente que permitiu aos seres humanos subir até o buraco. O peso das pessoas, contudo, era tanto, que os chifres dos búfalos se entortaram e permanecem recurvos até hoje. Quando os primeiros homens viram o mundo lá em cima, através do buraco, descobriram que ele era totalmente escuro e que estava coberto pelas águas. As aranhas resolveram ajudar: teceram fios bem fortes e com eles amarraram o Sol e a Lua. Os astros luminosos saíram pelo buraco e iluminaram o mundo superior, presos pelos fios. E, mesmo com toda a luz que levaram, ainda assim não se podia ver, lá fora, nenhum lugar sólido em que os seres do subterrâneo pudessem pisar. Foi decidido que as quatro tempestades também poderiam ajudar. Elas subiram para a superfície do mar enorme e começaram a soprar… A tempestade negra empurrou as águas para formar o oceano do Leste. A tempestade azul soprou com força para o Sul e enrolou as águas nessa direção, criando outro oceano. A tempestade amarela fez as águas irem para o Oeste para lá formarem outro oceano. E, por fim, a tempestade de várias cores soprou e enrolou as águas que restavam em direção ao Norte, onde se criou um outro oceano. No centro do mundo superior, a terra começou a secar. A doninha-fedorenta estava com muita pressa e foi o primeiro animal a sair pelo buraco; mas a terra ainda estava úmida e suas patas afundaram na lama, tornando-se negras desde então. Depois o texugo saiu e também teve as patas manchadas de preto. Tornado teve de ir buscar os dois animaizinhos e trazê-los para baixo, enquanto todos esperavam que a terra secasse de uma vez. Mas o castor saiu também e, sentindo a terra mais sólida, foi explorá-la. Viu, então, que as águas estavam indo embora, mas ainda havia água doce no centro daquele mundo. Mais que depressa, ele se pôs a trabalhar na construção de um dique, para represar aquela água antes que ela fosse embora. Vendo que o castor não retornava, Tornado saiu para procura-lo; ao encontra-lo tão ocupado, perguntou o que estava fazendo. – “Estou guardando a água para que todos possam beber “ – respondeu ele. Depois que o dique ficou pronto, criando um grande lago, Tornado e o castor voltaram ao mundo subterrâneo para esperar um pouco mais. Finalmente, os homens e os espíritos e os animais enviaram um corvo cinzento para voar lá em cima e avisar se já era seguro que todos subissem. O corvo voou sobre o mundo superior. Encontrou terras secas, os quatro mares ao seu redor e o grande lago formado pelo dique do castor no centro. Mas nos terrenos de que os mares tinham sido expulsos pelas tempestades, encontrou muitos peixes mortos, sapos e répteis semienterrados. Animado, o corvo começou a bica-lo e a comer seus olhos. Tão ocupado ficou a se alimentar que demorou a voltar. Tornado se preocupou e foi procura-lo. O espírito levou o corvo de volta e as pessoas e os animais o desprezaram por comer carne morta; desde então a penugem do corvo se tornou negra. Mas agora os seres do subterrâneo sabiam que podiam subir! Estava na hora. Um por um, todos escalaram a escada de chifres de búfalo e chegaram a sua nova moradia. O mundo agora era claro, pois o Sol e a Lua brilhavam em turnos, sempre presos pelos fios de teia de aranha. Então, cada animal e cada povo foi viajando e escolhendo um lugar para morar. Muitas tribos pararam perto dos quatro mares, outras fizeram suas moradas longe dele. Somente os Jicarilla não apreciavam nenhum lugar e ficavam dando voltas em torno do buraco de onde haviam saído. Quando haviam dado três voltas, os espíritos lhe perguntaram onde queriam morar. – “No meio da terra” –disseram eles. E então aquele povo ficou ali mesmo e construiu no meio do mundo os lares onde suas famílias viveriam para sempre.
POVO APACHE JICARILLA: O nome pelo qual esse grupo tribal chama a si mesmo, na verdade, é N´de ou Dineh, o Povo. A palavra apache vem de apachu, que significa “inimigo” na língua do povo Zuni. E o nome Jicarilla vem de uma palavra em espanhol que quer dizer “pequena cesta”, pois eles tecem cestinhas compactas para beber líquidos. Suas cestas são famosas pela beleza e pela habilidade com que são tecidas. Assim como todos os chamados Apache, os Jicarilla pertencem à família linguística Athapaskan ou Atabascana. Fazem parte de povos que migraram, em tempos ancestrais, do Canadá para regiões do Arizona e do Novo México. Compreendiam os grupos tribais denominados Lipan, Jicarilla, Chiricahua, Tonto, Mescalero e os chamados Apaches das Montanhas Brancas. Um povo originalmente nômade, os Apache construíam tendas em formato cônico apoiados em quatro altos galhos. Tinham os cabelos longos e presos com tiras artesanais na testa. Usavam sapatos mocassim feitos de pele de cervos, o que lhes permitia andar por terrenos acidentados e correr mais rapidamente do que seus inimigos. As mulheres ocupavam lugares de destaque em sua sociedade. Considerados grandes caçadores, sua arma principal era o arco; mesmo após entrarem em contato com os colonizadores e obterem armas de fogo, continuaram a usar arco-e-flecha com grande perícia. Foram muito atacados por colonos americanos e mexicanos, envolvendo-se em várias guerras. Hoje, os remanescentes desse valente povo vivem em reservas localizadas no Novo México e no Arizona.
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