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Romance Epistolar – Para Que Tipo de Escritor?

como escrever romance epistolar - técnicas

Panda:

Recentemente, finalizei a análise de uma das cartas que escolhi dentre as cento e sessenta e uma que compõem as “Cartas Persas”. Durante esse processo, tive uma percepção interessante. Embora essa ideia possa não ser uma novidade — pessoas provavelmente já a refletiram antes — eu não havia percebido até então que a literatura epistolar, que se baseia em cartas, é completamente minética. Desde a primeira até a última carta, o texto é construído por meio de discurso direto.

Embora haja uma pequena dose de narração, essa é mínima e sempre se origina a partir dos personagens, caracterizando um estilo exclusivamente endodético. Não existe uma diagésise que eleve ou distancie os personagens da narrativa. Portanto, esse romance é inteiramente focado no discurso direto.

Apesar de apresentar uma tensão significativa e alguma digressão, especialmente nas “Cartas Persas”, outros romances não apresentam tantas digressões. Essa obra, por ser extensa e composta de cartas, mantém uma intriga que flui de forma clara e direta.

A literatura epistolar, como sabemos, não é uma invenção recente; costuma ser reconhecida desde que as composições ficcionais começaram a ser formadas por cartas. É interessante notar que o autor escreveu daquele modo específico porque não se sentia confiante em suas habilidades de composição. Ele tentou criar um romance, mas não sabia como fazê-lo. Embora tenha uma habilidade para a escrita, faltavam-lhe as competências necessárias para elaborar composições mais complexas, como teatro ou poesia, que, por sua vez, não apreciava.

Notavelmente, essa obra se transforma em uma composição, na forma de um romance, embora tenha uma estética ocidental. A narrativa é totalmente mimética e, em grande parte, segue características ocidentais.

Observando a situação, percebo que há pessoas que gostariam de escrever com o formato do teatro, isto é, utilizando apenas o discurso direto, sem a presença de um narrador. Caso haja narração, deve ser a do próprio personagem. Esse estilo de escrita é desejado por alguns que não desejam se comprometer a produzir uma peça de teatro mais longa, mas procuram algo que mantenha uma certa leviedade, livre do rigor de um cenário fixo.

Esse novo cenário sugere a elaboração de uma história extensa em que os personagens não estão necessariamente lado a lado, permitindo maior fluidez na narrativa. O romance epistolar, portanto, se mostra uma opção interessante. Pessoalmente, nunca tive a intenção de escrever nesse formato, pois não sinto essa vocação; no entanto, imagino que existam pessoas com esse desejo.

Este cenário agora contém outro cenário. É um contexto diferente daquele em que eu gostaria de escrever uma história longa, na qual os personagens não estariam necessariamente próximos uns dos outros, nem no mesmo local ou situação. Isso permitiria uma fluidez maior. Acho que o romance epistolar se encaixa bem nesse formato.

Eu nunca escreveria um, pessoalmente. Nunca quis. Mas imagino que haja quem tenha essa vontade. Nesse caso, recomendo As Cartas Persas. É um livro interessante, com bastante digressão. Para quem não gosta desse estilo, talvez seja melhor escolher outra obra. Mas, para quem se interessa, recomendo que leia e tente algo semelhante. Pode ser que goste da experiência.

Parei para pensar: e alguém que não quer escrever teatro, mas também não quer uma narração tradicional? Que não deseja uma abordagem dramatúrgica, mas também não quer se apoiar na narrativa convencional? Parece-me que o romance epistolar se situa exatamente nesse meio-termo. Ele é puramente digressivo, longo, e não possui cenas ou atos definidos. Não há a necessidade de uma estrutura fechada, em que o segundo ato precisa obrigatoriamente levar a algum desfecho. Se cada carta for interessante por si só e houver uma conexão mínima entre elas — ou mesmo que não haja, desde que algumas possuam relação —, já se tem algo sólido.

O essencial é que, no mínimo, existam duas cartas fundamentais: a primeira e a última. Elas devem compor a espinha dorsal da história, enquanto o restante pode servir como complemento, como ornamento narrativo. Idealmente, um romance epistolar deve conter mais do que apenas duas cartas — algo em torno de dez ou vinte principais dentro de um total de cem, por exemplo, para estruturar a intriga central. Mas pode-se preenchê-lo com digressões, anedotas e até algo que remeta às narrativas enquadradas — histórias dentro da história —, sem que sejam de fato, pois, nesse caso, seriam essencialmente divagações.

É uma boa proposta. Nunca tive vontade de escrever um romance epistolar, mas reconheço seu valor. Para quem deseja escrever, mas não quer se prender à estrutura de atos, cenas e personagens dividindo um espaço comum, é uma opção interessante. Para quem também não gosta da figura do narrador — seja em primeira pessoa, homodiegético, ou mesmo onisciente —, essa pode ser uma alternativa viável.

Para quem quer explorar esse formato e não sabe por onde começar, recomendo As Cartas Persas. Outra opção seria Julie, ou a Nova Heloísa, de Rousseau, ou ainda Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos. Esses são os que conheço melhor, mas há outros. Se não me engano, Os Sofrimentos do Jovem Werther também segue esse estilo, embora seja mais conciso e menos digressivo, até por ser menor em extensão.

Fica aí uma recomendação para quem quiser se aventurar nesse tipo de narrativa.


Lucas:

Algumas coisas que pensei sobre isso:

O narrador em questão é considerado um narrador menos confiável. Ele tem certeza de quem está escrevendo e faz isso completamente do seu ponto de vista. O não confiável não se refere apenas à possibilidade de mentir, mas também à de ser enganado. Por exemplo, ele pode redigir uma carta com total confiança, apresentando uma verdade que, posteriormente, pode se revelar errada. Em sua narrativa, ele faz digressões e oferece palpites, quase como se estivesse compartilhando uma fofoca. Com o passar do tempo, após ter amplificado um pequeno problema, ele pode, em cartas seguintes, mudar de tom e esclarecer que a situação não era como havia descrito anteriormente.

Fiquei refletem sobre as implicações de um narrador que escreve um romance utilizando várias cartas ao longo de muitos dias. Esse narrador se distingue do típico, que narra a história já concluída. A não ser que ele opte por um tempo verbal que o mantenha próximo aos eventos, ele não tem total conhecimento dos fatos. Embora não seja exatamente um personagem, trata-se de um narrador em terceira pessoa que não participa da história, configurando-se como um observador que está, de fato, fora da ação.

É interessante considerar em que momento da narrativa ele se encontra ao escrever. Ele poderia ser um observador em tempo real, mas geralmente narra enquanto olha para trás, relatando o que já aconteceu, em cada episódio que corresponde a uma carta. Assim, ele sempre apresenta uma visão retrospectiva, e não em tempo real, embora pareça estar, nas cartas, retratando eventos já ocorridos.

Esse formato proporciona uma flexibilidade narrativa significativa. Além disso, enquanto se desenvolvia esse raciocínio, percebi que, mesmo ao utilizar o formato de uma carta, a narrativa pode ser enriquecida com diálogos e descrições de ações. Um narrador mais fiel aos fatos não deve incluir pensamentos ou sentimentos alheios que não pode saber; em vez disso, ele pode relatar apenas o que observa ou o que lhe foi contado.

É perfeitamente viável, por exemplo, transcrever um diálogo da seguinte maneira: “O diálogo que se seguiu foi mais ou menos assim”, e em seguida apresentar uma citação. Mesmo em uma cena com cinco ou seis personagens, é possível criar diálogos de forma clara, designando previamente quais estão envolvidos na conversa. Isso evita a poluição do diálogo, que normalmente não acontece simultaneamente, já que as pessoas falam e respondem de forma alternada.

A construção de diálogos pode ser feita com a ênfase necessária, pois não é comum que todos falem ao mesmo tempo. Basta pontuar qual personagem está se expressando, permitindo a criação de uma narrativa dinâmica. Portanto, ao descrever uma cena na qual todos estão reunidos, você pode narrar um diálogo específico entre dois personagens, por exemplo, Fulano e Ciclano, utilizando sua própria lembrança sobre como essa conversa ocorreu.

Enquanto ouvia o áudio, comecei a considerar as implicações disso e fiquei motivado a escrever algo nesse estilo.


Panda:

Sim, eu sei que você disse que isso vale para todas as cartas em que o autor—acho que é só o nome que me chama atenção—enfim, em que a pessoa que escreve conta uma história. Mas nem sempre é o caso. Em muitas delas, ele faz apenas um retrato de alguém, descrevendo um local, uma pessoa ou um tipo de comportamento comum àquele perfil. Não se trata necessariamente de uma narrativa tradicional. Algumas vezes, o autor apenas oferece pareceres, ou desenvolve um tipo de teologia, puxando um tema do nada e começando a discuti-lo. Pode ser também uma reflexão sobre estética ou qualquer outro assunto.

Ele não insere um tratado de estética solto no meio do texto, mas escreve de forma interessante, como se fosse o início de um ensaio ou um esboço de um tratado, o que torna a leitura mais fluida. Por isso, muitas cartas sequer têm um narrador em sentido tradicional; algumas são meramente descritivas. Algumas lembram mais ensaios ou retratos literários, como os Caracteres de La Bruyère, que não possuem narrativa no sentido clássico. Ele simplesmente descreve um tipo de pessoa: “Ele costuma fazer isso e aquilo, age dessa forma, pensa desse jeito.” O retrato se desenrola ao longo de duas ou três páginas, sem necessariamente formar uma história.

Mas, claro, há cartas que narram eventos. Nessas, o autor diz: “Aconteceu isso, fulano fez aquilo, eu fiz tal coisa, me disseram isso, algo pode acontecer…” Há um registro do tempo, e os personagens falam sobre si mesmos. São poucas as ocasiões em que eles se dirigem diretamente ao leitor.

A maioria das cartas é escrita para dois personagens específicos, que estão viajando da Pérsia para a França—e para a Europa, no geral. Passam por Veneza, Paris e outros lugares, mas principalmente Itália e França. Não me lembro se há outros países envolvidos. Algumas cartas, porém, não têm destinatário conhecido. Sabe-se quem as escreveu, mas não para quem foram enviadas; nesses casos, o espaço do destinatário é preenchido com três asteriscos. Há pelo menos umas dez ou quinze assim. Também há casos em que nem o local de escrita é especificado.

Sempre há uma contrapartida: a carta tem um autor identificado, um número, e a data exata em que foi escrita. No entanto, em alguns casos, o destinatário permanece desconhecido.

Um narrador geral, que organiza tudo, só aparece em obras como Cartas Persas, onde há um narrador autodiegético—o protagonista da história—que reescreve as próprias memórias junto às cartas que recebeu do correspondente. Toda essa troca epistolar, essa narrativa quase integralmente mimética, está inserida dentro de outra narrativa maior. Há até pequenos intervalos nos quais o autor comenta: “Eu sei que parece exagero, mas minha memória é espetacular.” Isso dá um tom particular ao texto.

Já em Cartas Persas, não há esse tipo de intervenção. Há apenas um prefácio do editor, que é o próprio Montesquieu, embora ele tente mascarar isso. Ele dá alguns indícios, mas o segredo foi descoberto muito rapidamente—em dois ou três anos, já se sabia que o autor era ele.

Descobriram já na época que era ele. Ele negou até o fim da vida, por quase quarenta anos. Mesmo depois de sua morte, continuaram perseguindo seu nome e seu legado. Não foi uma perseguição violenta, como a que sofreu Rousseau, mas ainda assim o incomodaram bastante. Ficaram insistindo, pressionando, nunca deixando o assunto morrer.

Ele organizou as cartas segundo a data, como menciona no prefácio. A estrutura segue essa cronologia, e é isso. Durante a leitura, muitas vezes se esquece que há uma história por trás. Só em alguns momentos o leitor se lembra: “Ah, sim, existe uma narrativa acontecendo.” Mas, conforme a obra avança, as coisas se tornam mais complexas, e não há mais espaço para reflexões dispersas—sobre costumes franceses, sobre mulheres, sobre trivialidades. A narrativa se intensifica, e o tom muda.

Ainda assim, não há um enquadramento narrativo unificador. Não existe um equivalente ao que acontece em O Nome do Vento, por exemplo, onde há um presente narrativo—Kvothe contando sua história ao Cronista—e essa história, o grosso do livro, está inserida dentro dessa moldura temporal. No caso das cartas, isso não ocorre. A narrativa está inteiramente dentro da correspondência; ela se encontra nos espaços entre as cartas, nos vazios deixados pelo que não é dito.

Dessa forma, não há um narrador geral que organize tudo. O que existe é o narrador de cada carta individualmente—quando há narração. E muitas vezes não há. Muitas cartas não contam uma história no sentido tradicional. Mas, claro, na narrativa há bastante.

Sobre ele não ser confiável, eu concordo. Concordo porque, afinal, estamos falando de um livro publicado há mais de trezentos anos—trezentos e quatro, para ser exato. Foi um best-seller na época, vendeu imensamente bem. Mas há um jogo constante de engano, de dissimulação, de personagens manipulando uns aos outros. Essa dinâmica existe, mas fica sutil, abaixo do radar. Isso acontece porque há tantas cartas que sequer tocam no assunto ou que apenas fazem leves alusões, tornando fácil baixar a guarda.

São cento e sessenta e uma cartas—é muito fácil perder a linha condutora. O leitor está imerso em um tema e, de repente, surge outro que não é completamente distinto, mas se afasta um pouco. Em seguida, vem um terceiro, ainda mais distante, e depois um quarto. Assim, podem passar dez ou quinze cartas sem que o tema central seja retomado. Esse é um dos motivos pelos quais muitas pessoas têm o hábito de reler a obra várias vezes. A construção mental da narrativa implícita—presente nos intervalos entre as cartas—nunca se mantém exatamente a mesma a cada leitura.

Há, claro, elementos imutáveis, pontos indiscutíveis que aparecem nas cartas de forma explícita. Mas a interpretação geral da história se transforma. Curiosamente, notei que a maioria dos especialistas em Montesquieu são mulheres, algo que achei impressionante. Muitas delas estudam esse livro há mais de dez ou quinze anos e, além de analisá-lo academicamente, o leem por prazer. E cada nova leitura traz uma hipótese nova, um detalhe inédito que antes passara despercebido.

Isso se deve justamente à ausência de uma estrutura narrativa fixa, um enquadramento que organize tudo de maneira linear. Montesquieu não escreveu assim porque queria inovar ou criar algo inédito. O romance epistolar já existia, e havia, por exemplo, as célebres correspondências de Madame de Sévigné. No entanto, na época, diziam que, por ser mulher, ela não sabia realmente compor uma narrativa—afirmação absurda, já que muitas mulheres de sua época eram reconhecidas na Europa por sua escrita refinada.

Montesquieu parece ironizar essa visão ao optar pelo formato epistolar. Ele não era mulher, mas também “não sabia compor”, no sentido tradicional, e, portanto, recorreu às cartas. A diferença é que ele fez isso de forma proposital, estruturando seu texto como uma grande construção fragmentada, sem um narrador fixador.

Ela literalmente escreveu para a filha, mas não permaneceu apenas na correspondência pessoal—acabou ingressando na literatura. E é fascinante como isso aconteceu de maneira tão discreta. O exemplar que tenho em casa é um dos mais interessantes que possuo.

Há também a questão da composição. O autor sabia que uma estrutura narrativa surgiria das cartas ficcionais que escrevia, mas não tinha plena consciência de qual seria essa forma. Ele estabeleceu um início e um desfecho, criou algumas direções mais definidas para o final e para as primeiras cartas, que são mais diretas em relação ao que está acontecendo na trama. No entanto, no longo intervalo entre esses extremos, há cartas que mencionam certos elementos de cenário—não sei exatamente como chamá-los, talvez “cerrado” ou “ferralho”—referindo-se ao lugar onde determinadas peças narrativas se encaixam no contexto do século XVIII.

Esses indícios da história aparecem de forma fragmentada e nebulosa, tornando a compreensão um desafio. Isso faz com que a leitura repetida do livro seja necessária, não porque a interpretação individual de cada carta mude, mas porque a percepção da história como um todo se transforma. A cada releitura, surgem novas possibilidades: “Talvez esse personagem estivesse tramando algo”, “Olhe essas cartas, elas insinuam outra coisa”, e assim por diante. A experiência de leitura acaba se tornando quase um trabalho de detetive.

O autor criou um playground ficcional de incerteza e desequilíbrio, o que acho extremamente interessante. Por isso, não se pode confiar completamente nas cartas. A própria estrutura da obra se baseia em maquinações e estratégias ocultas, de modo que os personagens nunca sabem ao certo o que o outro está planejando. Assim, essa falta de confiança se torna um dos aspectos mais suspeitos do livro.

Deus me livre de canalizar isso para a vida real. Mas seria interessante analisar esse tipo de construção narrativa mais a fundo.