O Mito de Sísifo – Original

A lenda de Sísifo está marcada para sempre pela imagem do homem condenado a arrastar uma imensa rocha morro acima, que sempre despenca tão logo ele chega ao topo. Mas este é apenas o fim da curiosa vida de Sísifo, personagem dos mais famosos.

Sísifo era filho de Éolo, deus dos ventos e descendente direto de Prometeu. Importa muito saber isso, pois Prometeu é o primeiro de uma linhagem de notórios embusteiros (foi ele quem furtou o fogo dos deuses) que proliferarão por toda a mitologia. Sísifo, assim, não por nada, chegará a ser conhecido como o mais astucioso de todos os mortais. Antes que alcançasse este importante galardão, porém, fundou a cidade de Corinto — então chamada de Éfira — e dela tornou-se rei. Diz Homero que por ter sido um rei justo e pacífico teria acorrentado a própria Morte, despovoando o reino de Plutão e atraindo para si a ira daquele deus.

Mas isto veremos logo a seguir.

Antes disto, diremos que este personagem intrigante reivindica para si a glória de ser o verdadeiro pai de Ulisses, retirando assim esta honra das mãos de Laertes, seu presumido progenitor. A lenda parece ter merecido algum crédito, pois toda vez que algum inimigo pretendia ofender o célebre herói, recorria ao baixo expediente de chamá-lo de “filho de Sísifo”.

Mas como se teria dado tal fato? A versão mais autorizada afirma que Sísifo, tendo chegado na véspera do casamento de Laertes com Anticléia (ela própria filha de Autólico, outro notório farsante), adiantara-se ao noivo e gerara Ulisses, desaparecendo em seguida, deixando a Laertes o encargo de criá-lo.

Sísifo, tal como seu ilustre antepassado Prometeu, não tinha pudor algum de se meter nos assuntos divinos. Um dia estava em meio a um passeio quando observou a águia de Júpiter passar ao alto carregando Egina, filha de Asopo, em direção ao Olimpo. Esperando tirar algum proveito desta indiscrição, Sísifo correu logo até a corte do desesperado rei.

— Asopo, vou ajudá-lo a encontrar sua bela filha — disse o temerário Sísifo -, mas em troca quero sua palavra de que fornecerá a Corinto uma fonte límpida de água.

— Está bem, farei brotar uma nascente na sua cidade! — respondeu o angustiado rei. —

Mas isto somente se você der um jeito de encontrar a minha filha.

— Sua filha foi raptada pela águia de Júpiter e levada para uma distante ilha. Júpiter, que tudo via lá do Olimpo, não tardou a descarregar sobre Sísifo sua fúria implacável e ordenou que a própria Morte fosse no encalço do intrometido.

A Morte foi dar cumprimento imediato à ordem do deus supremo, porém, quando chegou para agarrar Sísifo, este não só conseguiu fugir dela como fez dela seu prisioneiro, fazendo jus desta forma à sua fama de mais ardiloso dos mortais. Foi daí, decerto, que surgiu a lenda de que Sísifo teria despovoado os infernos. Mas Júpiter, a instâncias de Plutão, acabou por resgatar a Morte das mãos de Sísifo por intermédio de Marte, o belicoso deus da guerra.

Tão logo a Morte viu-se libertada de sua vexatória sujeição, Júpiter precipitou Sísifo no Tártaro, a masmorra dos infernos. Mas Sísifo não seria Sísifo se não tivesse dado um jeito de escapar desta, também. Assim, antes de ser levado para o Tártaro sombrio, deu um jeito de planejar um truque com sua esposa.

— Prometa que não irá me prestar as devidas honras fúnebres — dissera ele à esposa antes de descer às regiões infernais.

Assim, quando Sísifo se viu nos infernos, foi imediatamente ter com Plutão:

— Oh, Plutão, senhor da mansão subterrânea! Não pode calcular o quanto me arrependo por ter interferido nos atos do pai dos deuses! Mas, veja, como poderei permanecer aqui se minha desgraçada mulher fez a mim uma afronta muito maior do que qualquer uma que eu tenha feito aos deuses? Como estarei aqui em paz se ela não me prestar as devidas honras fúnebres? Por favor, deixe-me voltar lá para cima e ajeitar as coisas neste sentido; prometo que, tão logo tenha resolvido tudo, estarei aqui de volta.

— Está bem, está bem… — disse Plutão, coçando a cabeça. — Mas não demore a voltar, pois do contrário o trarei de volta, e da maneira mais vexatória possível.

Sísifo, feliz, retornou ao convívio dos vivos e, sem ligar a mínima para a promessa, ainda esteve neste mundo até a mais avançada velhice. Quanto ao deus dos infernos, ocupado em repovoar os seus domínios, acabou por esquecê-lo.

Mas o enganador, cedo ou tarde, também acaba enganado. Um dia Sísifo descobriu que seu vizinho Autólico, filho de Hermes — a quem já nos referimos antes — vinha furtando o seu gado.

— Estranho! Enquanto meu rebanho diminui, o de Autólico aumenta! -dizia o rei de Corinto, encafifado.

Depois de muito matutar, Sísifo teve, afinal, uma brilhante idéia: a de marcar os cascos de cada animal com letras, de modo que, à medida que o gado se afastasse de seu curral, iria deixando impressa no chão a frase “Autólico me furtou”…

Autólico, entretanto, tão logo se viu flagrado, tratou de devolver as reses.

— Sísifo, você é o maior! — disse o ladrão de gado, encantado com a astúcia do rival, pois Autólico era, antes de mais nada, a exemplo de Sísifo, um amante do belo logro.

Assim ficaram ambos amigos. E foi daí que Sísifo, dizem as más línguas, deve ter tido acesso ao leito da filha de Autólico, a bela Anticléia, o que resultou no nascimento de Ulisses, conforme já dissemos.

Um dia, entretanto, a vida de Sísifo chegou ao seu termo, como chegam a de todos os mortais. Júpiter resolvera pôr um fim às suas velhacarias e puni-lo pelas suas afrontas. Sísifo foi então precipitado ao Tártaro — desta vez em definitivo — e condenado a rolar uma enorme rocha até o alto de uma escarpada montanha. Tão logo chega ao cume, despenca, obrigando Sísifo a recomeçar o estafante trabalho, o qual se repete para todo o sempre.