Aterrissagem da águia
Depois que Cadmo e Harmonia partiram em suas viagens, o genro deles, Penteu, reinou em Tebas. Ele não era um rei forte, mas era honesto e fez o melhor que pôde com o caráter e a astúcia limitados que conseguia reunir. Embora a cidade-Estado progredisse bastante bem sob seu governo, ele não podia descuidar dos filhos de Cadmo, seus cunhados e cunhadas, cuja avidez e ambição eram uma ameaça constante. Mesmo sua mulher, Agave, parecia desdenhar dele e ansiar pelo seu fracasso. Sua cunhada mais nova, Sêmele, era a única com quem ele se sentia à vontade, na verdade porque ela era menos mundana do que seus irmãos, Polidoro e Ilírio, e nem de longe tão ambiciosa por riqueza e posição como suas irmãs Agave, Autônoe e Ino. Sêmele era uma garota linda, gentil e generosa, contente com a vida que tinha, como sacerdotisa no grande templo de Zeus.
Um dia, ela sacrificou a Zeus um touro especialmente impressionante em tamanho e vigor. Completa a oferenda, foi até o rio Asopo lavar o sangue. Aconteceu que Zeus, agradado com o sacrifício e com a intenção de ir ver como Tebas estava prosperando, voava sobre o rio naquela hora, em seu disfarce favorito, de águia. A visão do corpo nu de Sêmele reluzindo na água o deixou muito excitado, e ele aterrissou, se transformando rapidamente outra vez na forma adequada. Quando digo “forma adequada”, é que, quando os deuses queriam se revelar a humanos, se apresentavam num disfarce reduzido, administrável, para não ofuscar nem intimidar demais. Desse modo, o personagem que apareceu na margem do rio, sorrindo para Sêmele, parecia humano. Grande, lindo de morrer, poderoso e dotado de um brilho pouco comum, mas, mesmo assim, humano.
Cruzando os braços sobre os seios, Sêmele gritou:
— Quem é você? Como ousa espiar uma sacerdotisa de Zeus?
— Você é uma sacerdotisa de Zeus?
— Sou. Se tem a intenção de me fazer qualquer mal, eu grito para o Rei dos Deuses e ele vai correr em meu socorro.
— Não diga!
— Pode ter certeza. Agora, vá embora.
Mas o estranho se aproximou.
— Gostei de você, Sêmele — disse ele.
Sêmele recuou.
— Você sabe o meu nome?
— Sei muitas coisas, fiel sacerdotisa. Porque sou o deus ao qual você serve. Sou o Pai-Céu, o Rei do Olimpo. Zeus, o todo-poderoso.
Sêmele, ainda pela metade dentro do rio, arquejou e caiu de joelhos.
— Agora, venha — chamou Zeus, caminhando pela água na direção dela. — Deixe-me olhar nos seus olhos.
Foi esguichado, frenético e molhado, mas fizeram amor de verdade. Depois que acabou, Sêmele sorriu, enrubesceu, riu e depois chorou, apoiando a cabeça no peito de Zeus e soluçando sem parar.
— Não chore, queridíssima Sêmele — disse Zeus, passando os dedos pelo cabelo dela. — Você me agradou.
— Desculpe, meu senhor. Mas eu o amo e sei bem demais que o senhor nunca poderá amar uma mortal.
Zeus baixou os olhos para ela. A explosão de lascívia que ele sentira tinha acabado, mas ele estava surpreso por sentir sinais de algo mais profundo, brilhando como brasa em seu coração. Era um deus que operava em momentos verticais, sem pensar em consequências, e realmente sentiu naquele momento um grande manancial de amor pela linda Sêmele, e disse isso a ela.
— Sêmele, eu a amo tanto! A amo sinceramente. Acredite-me quando juro pelas águas deste rio que vou sempre olhar por você, cuidar de você, protegê-la, honrá-la. — Prendeu o rosto dela entre as mãos e se inclinou para dar um beijo terno em seus lábios macios, receptivos. — Agora, adeus, minha querida. Virei uma vez a cada lua nova.
Vestida em sua túnica, com o cabelo ainda úmido e inteiramente aquecida e brilhante com amor e felicidade, Sêmele voltou pelos campos na direção do templo. Ao olhar para cima, com a mão protegendo os olhos, viu uma águia voar e se elevar pelo céu, aparentemente para o próprio sol, até que o fulgor dele fizesse seus olhos lacrimejarem e a obrigasse a desviar o olhar.
A esposa da águia
Zeus tinha boas intenções.
Essas duas palavras muito frequentemente pressagiavam desastre para algum pobre semideus, ninfa ou mortal. O Rei dos Deuses realmente amava Sêmele e realmente tinha a intenção de fazer por ela o melhor que podia. No fervor dessa nova paixão, ele deu um jeito de, muito convenientemente, esquecer os tormentos que Io tinha suportado, enlouquecida pela mutuca enviada por sua esposa vingativa.
Bem, Hera podia não ter mais os cem olhos de Argo para reunir informações para ela, mas tinha milhares de outros olhos em outros lugares. Se tinha sido uma das irmãs ciumentas, Agave, Autônoe ou Ino, que espionaram Sêmele e cochicharam para Hera a história do ato de amor no rio, ou uma das próprias sacerdotisas da Rainha do Céu, não se sabe. Mas que Hera descobriu, descobriu.
Foi assim que, certa tarde, Sêmele, voltando romanticamente ao lugar de seus encontros amorosos regulares com Zeus, encontrou uma velha encurvada, apoiada numa bengala.
— Nossa, que garota bonita — grasnou a velha, ligeiramente exagerando na voz estridente e cacarejada de velha miserável.
— Obrigada — disse a ingênua Sêmele, com um sorriso amistoso.
— Caminhe comigo — pediu a bruxa, puxando Sêmele em sua direção com a bengala. — Deixe que eu me apoie em você.
Sêmele era educada e atenciosa por natureza em uma cultura em que aos velhos, de qualquer modo, eram dadas as maiores atenções e respeito, então, acompanhou a velha e aguentou sua rudeza sem se queixar.
— Meu nome é Béroe — disse a velha.
— E eu sou Sêmele.
— Que nome bonito! E aqui está Asopo. — Béroe indicou as águas claras do rio.
— É — assentiu Sêmele. — Esse é o nome do rio.
— Ouvi contarem — aqui, a voz da velha baixou para um cochicho áspero — que uma sacerdotisa de Zeus foi seduzida aqui. Bem aqui nos juncos.
Sêmele ficou em silêncio, mas o rubor que imediatamente se espalhou do pescoço para as faces a traiu tão completamente quanto qualquer palavra dita.
— Ah, meu deus! — guinchou a velha. — Foi você! E, agora que reparo, posso ver sua barriga. Você está grávida!
— Estou… estou… — confirmou Sêmele com uma conveniente mistura de reserva e orgulho. — Mas… se a senhora conseguir guardar um segredo…
— Oh, esses velhos lábios nunca contam nada. Pode me contar o que quiser, minha cara.
— Bem, o fato é que o pai dessa criança é nenhum outro senão o próprio Zeus.
— Não! — disse Béroe. — Não diga. Mesmo?
Sêmele acenou muito afirmativamente com a cabeça. Ela não gostou do tom cético da velha.
— Verdade. O próprio Rei dos Deuses.
— Zeus? O grande deus Zeus? Bem, bem. Estou pensando… Não, não devo dizer.
— Dizer o quê, senhora?
— Você parece uma inocente, tão doce. Tão confiante. Mas, minha querida, como pode saber que era Zeus? Não é exatamente isso o que um sedutor malvado poderia dizer, só para conquistá-la?
— Ah, não, era Zeus. Eu sei que era Zeus.
— Seja indulgente com uma velha e o descreva para mim, minha filha.
— Bem, ele era alto. Tinha uma barba. Forte. Amável…
— Ah, não, sinto dizer, mas essa dificilmente é a descrição de um deus.
— Mas era Zeus, era sim! Ele se transformou numa águia. Eu vi com meus próprios olhos.
— É um truque que pode ser aprendido. Faunos e semideuses conseguem fazer isso. Até mesmo alguns homens mortais.
— Era Zeus. Eu senti.
— Hum… — Béroe pareceu duvidar. — Vivi entre os deuses. Minha mãe é Tétis e meu pai, Oceano. Criei e cuidei dos jovens deuses depois que eles renasceram do estômago de Cronos. É verdade. Conheço os modos deles e suas naturezas e digo-lhe isto, minha filha. Quando um deus se manifesta como realmente é, parece uma grande explosão. Uma coisa magnífica de força e de fogo. Inesquecível. Inconfundível.
— E foi exatamente isso que eu senti.
— O que você sentiu não passou do êxtase do amor mortal. Acredite. Agora, me diga, esse seu amante voltará a visitá-la?
— Ah, sim, claro. Ele me visita fielmente a cada mudança de lua.
— Se eu fosse você — disse a velha —, eu o faria prometer se revelar para você como realmente é. Se for Zeus, você saberá. Caso contrário, temo que você tenha sido enganada, e você é adorável e confiante e doce demais para que isso seja permitido. Agora, deixe-me contemplar a vista. Xô, xô, vá embora.
E, assim, Sêmele deixou a velha, cada vez mais indignada. Ela não pôde impedir a sensação, aquela velha criatura enrugada e verruguenta a tinha impressionado. É bem típico da velhice tentar tirar qualquer prazer que a juventude possa ter. Suas próprias irmãs, Autônoe, Ino e Agave, não tinham acreditado quando ela contou a elas, orgulhosamente, que amava Zeus e que Zeus a amava. Guincharam com um riso incrédulo e zombeteiro e a chamaram de boba e crédula. E agora essa Béroe também duvidava de sua história.
Entretanto, talvez houvesse alguma verdade no que suas irmãs e a velha bruxa tinham dito. Os deuses certamente tinham mais do que carne rija e músculos sólidos, por mais atraentes que fossem esses atributos.
— Bem — disse Sêmele para si mesma —, mais duas noites e haverá uma nova lua no céu, e, então, poderei provar àquela horrível velha intrometida que ela está errada.
Se Sêmele tivesse por acaso olhado para trás na direção do rio, poderia ter testemunhado uma visão extraordinária daquela horrível velha intrometida, agora jovem, linda, majestosa e imperiosa, subindo para as nuvens numa carruagem púrpura e dourada puxada por uma dúzia de pavões. E, se tivesse o dom da segunda visão, Sêmele poderia ter visto a verdadeira BÉROE, velha babá inocente dos deuses, levando sua vida a quilômetros de distância, respeitavelmente aposentada no litoral da Fenícia.
A manifestação
Era com alguma impaciência que Sêmele, na noite da lua nova, andava de cá para lá às margens do rio Asopo, esperando seu amante. Ele chegou, por fim, dessa vez, como um garanhão – preto, brilhante e vistoso, galopando pelos campos em sua direção enquanto o sol se punha ao oeste atrás dele, parecendo incendiar sua crina. Ah, como ela o amava!
Ele a deixou alisar seu flanco e acariciar suas narinas quentes antes de se transformar no formato que ela conhecia tão bem e amava tanto. Abraçando-o e segurando-o com força, ela começou a chorar.
— Minha garota querida! — disse Zeus, correndo os dedos pela barriga dela, onde traçou o contorno do filho deles. — Chorando outra vez? O que estou fazendo de errado?
— Você é realmente o deus Zeus?
— Sou.
— Promete me conceder qualquer desejo?
— Ah, é mesmo necessário? — falou Zeus, com um suspiro.
— Não é nada… Nada de poder, nem sabedoria, nem joias ou qualquer dessas coisas. E não quero que você destrua ninguém. É uma coisa pequena, realmente é.
— Então — cedeu Zeus com um tapinha afetuoso embaixo do queixo dela —, vou conceder o seu desejo.
— Promete?
— Prometo. Prometo por este rio. Não, já jurei outra coisa por ele. Vou prometer a você pelo próprio grande rio Estige. — Erguendo a mão numa solenidade simulada, ele entoou: — Amada Sêmele, eu juro pelo sagrado Estige que vou conceder seu próximo desejo.
— Então — disse Sêmele, respirando fundo —, mostre-se para mim.
— Como assim?
— Quero vê-lo como você realmente é. Não como homem, mas como deus, em sua verdadeira divindade.
O sorriso congelou no rosto de Zeus.
— Não! — ele exclamou. — Tudo menos isso! Não deseje uma coisa dessa. Não, não, não!
Era o tom de voz que os deuses frequentemente usavam quando se davam conta de que tinham sido apanhados numa promessa imprudente. Apolo dera o mesmo grito, você deve lembrar, quando Faetonte exigiu que ele honrasse seu voto. Sêmele foi assaltada por uma suspeita.
— Você prometeu, você jurou pelo Estige! Você jurou, fez um juramento!
— Mas, minha querida menina, você não sabe o que está pedindo.
— Você jurou! — Sêmele chegou mesmo a bater o pé.
O deus olhou para o céu e gemeu.
— É verdade. Dei minha palavra, e minha palavra é sagrada.
Enquanto falava, Zeus começou a se transformar no formato de uma grande nuvem de tempestade. Do centro dessa massa escura, brilhou a luz mais forte que se pode imaginar. Sêmele olhou, com um grande sorriso extático de alegria se espalhando pelo rosto. Só um deus poderia mudar assim. Só o próprio Zeus poderia crescer e crescer com um fogo tão estonteante e tal grandeza dourada.
Mas o brilho estava se tornando tão violento, tão terrível na ferocidade de seu clarão que ela suspendeu o braço para proteger os olhos. Mesmo assim, o brilho se intensificou. Com um estrondo tão ruidoso que seus ouvidos estouraram e se encheram de sangue, a irradiação explodiu em centelhas que instantaneamente cegaram a menina. Surda e cega, ela cambaleou para trás, mas tarde demais para evitar a força abrasadora de um raio tão poderoso que partiu o corpo dela, matando-a instantaneamente.
Acima, em torno e dentro dele, Zeus ouviu o riso triunfante de sua mulher. É claro. Ele deveria saber. De algum modo, Hera tinha coagido a pobre garota a extrair a horrível promessa dele. Bem, ela não atingiria o filho deles. Com um ribombar de trovão, Zeus voltou à forma de carne e sangue e arrancou o feto da barriga de Sêmele. Era pequeno demais para respirar, então Zeus pegou uma faca, fez um corte na própria coxa e enfiou o embrião lá dentro. Segurando-o firme dentro desse útero improvisado, Zeus se ajoelhou e costurou a criança firmemente em sua carne tépida.
O mais novo deus
Três meses mais tarde, Zeus e Hermes viajaram até Niso, no litoral norte da África, uma região que fica, acredita-se, em geral, em algum lugar entre a Líbia e o Egito. Ali, Hermes abriu a costura na coxa de Zeus e trouxe à luz um filho dele, DIONISO. O bebê foi amamentado pelas ninfas da chuva de Niso; e, uma vez desmamado, teve como tutor o barrigudo Sileno, que viria a ser seu companheiro e seguidor mais próximo – um tipo de Falstaff para o Príncipe Hal do jovem deus. Sileno também tinha seu próprio séquito, os sileni – criaturas parecidas com sátiros, para sempre associados com palhaçadas, algazarra e pândega.
Ainda rapaz, Dioniso fez a descoberta com a qual será sempre associado: descobriu como fazer vinho a partir de uvas. É possível que QUÍRON, o centauro, tenha ensinado a ele o truque; mas outra história, mais charmosa, é a do amor apaixonado do jovem por um moço chamado AMPELOS. Dioniso estava tão apaixonado que organizava todo tipo de competições esportivas entre ele e Ampelos, sempre deixando o outro ganhar. Isso parece ter feito com que o rapaz ficasse um tanto mimado ou, pelo menos, temerário e estouvado. Um dia, montado num touro selvagem, ele cometeu o erro de se gabar de que comandava seu touro com chifres com mais habilidade do que a deusa Selene conduzia sua lua com chifres. Selene escolheu uma punição diretamente do repertório de ruindades de Hera e mandou uma mutuca para ferroar o touro, o que fez com que o animal enlouquecido derrubasse e chifrasse Ampelos.
Dioniso correu para o lado do jovem agonizante, mas não conseguiu salvá-lo. Em vez disso, transformou magicamente o corpo morto e retorcido em uma planta trepadeira, enquanto as gotas de sangue solidificaram e incharam em frutinhas saborosas cuja pele brilhava com uma florescência e um lustro que o deus muito admirou. Seu amante se tornara uma vinha (chamada de ampelos na Grécia até hoje). Dela, Dioniso produziu a primeira safra e bebeu o primeiro gole de vinho. Sua magia de transformar o sangue de Ampelos em vinho foi o presente do deus para o mundo.
A combinação dos efeitos intoxicantes de sua invenção e a inimizade de Hera – cujo ódio por qualquer filho bastardo de Zeus, divino ou não, era sempre implacável – deixou Dioniso louco durante um tempo. Para fugir das pragas dela, ele passou os anos seguintes viajando por toda parte, espalhando a viticultura e as técnicas de se fazer vinho pelo mundo todo. Na Assíria, conheceu o rei e a rainha, Estáfilo e Mete, e o filho deles, Botrys. Depois de um banquete em honra a Dioniso, Estáfilo morreu da primeira ressaca fatal da história. Como compensação, em honra a eles, Dioniso deu o nome de Staphylos a cachos de uvas, de methe ao líquido alcoólico e à bebedeira, e de botrys à própria uva.
A ciência tomou esses nomes e os imortalizou de um modo que exemplifica maravilhosamente o relacionamento contínuo entre a mitologia grega e a nossa língua. Quando biólogos do século XIX olharam no microscópio e viram uma bactéria com uma cauda da qual brotavam aglomerações de nódulos parecidos com uvas, chamaram-na de Staphylococcus. “Álcoois metilados” e “metano” derivam seu nome de Mete. Bothrytis, a “podridão nobre” que afeta de modo benigno as uvas na vinha, emprestando a magníficos vinhos de sobremesa seu buquê incomparável (e terrivelmente caro), deve seu nome a Botrys.
Em suas aventuras, o novo deus era acompanhado não apenas por Sileno e sua comitiva de sátiros, mas também por um intenso bando de mulheres – as MÊNADES.
Dioniso foi logo estabelecido como o deus do vinho, da folia, da bebedeira delirante, da dissipação sem inibições e do “futuro orgástico”. Os romanos o chamavam pelo nome de BACO e o adoravam com tanta devoção quanto os gregos. Ele assumiria um tipo de oposição polar a Apolo – um representando a luz dourada da razão, harmonia, música, poesia lírica e matemática, e o outro incorporando as energias mais sombrias da desordem, liberação, música selvagem, sede de sangue, delírio e loucura.
É claro que as personalidades e as histórias dos deuses eram vivas, de modo que, muitas vezes, se afastavam de tais identidades simbólicas congeladas. Apolo, como veremos muito em breve, podia ser sanguinário, enfurecido e cruel, enquanto que Dioniso podia ser mais do que apenas a personificação da bebedeira e do deboche. Ele era, algumas vezes, chamado de “o Libertador”, uma força vital vegetal, cuja liberdade de ação podia, de modo benevolente, aliviar e renovar o mundo.
Treze à mesa
A folha da vinha, o thyrsus – um bastão encimado com um cone de pinheiro –, uma carruagem puxada por leopardos ou outros bichos exóticos, acompanhantes depravados demonstrando ereções estrondosas, potes transbordantes de vinho… A Ideia Dionisíaca acrescentou muito ao mundo. A importância desse novo deus foi tal que ele simplesmente tinha de ser bem recebido no Olimpo. Mas já havia uma totalidade de doze deuses em residência e treze era, mesmo naquela época, considerado um número de má sorte. Os deuses coçaram o queixo e pensaram no que poderiam fazer. Eles queriam Dioniso – a verdade é que gostavam dele e da energia festiva que ele trazia a qualquer reunião. E, mais do que tudo, gostaram da ideia de acrescentar vinho ao néctar, em vez de mel fermentado e simples suco de fruta.
— Isso vem na hora certa — disse Héstia, erguendo-se. — Sinto cada vez mais que sou necessária no mundo lá embaixo para ajudar pessoas e suas famílias a estarem presentes nos templos que celebram as virtudes do lar, da casa e da saleta de entrada. Deixem o jovem Baco ficar no meu lugar.
Houve um murmúrio pouco convincente de protestos quando Héstia desceu, mas ela foi insistente e a troca foi feita, para deleite de todos os deuses – menos uma. Hera considerava Dioniso o maior insulto que Zeus fizera a ela. Apolo, Ártemis e Atena eram suficientemente vergonhosos como acréscimos ilegítimos ao dodecateon, mas que um deus bastardo e semi-humano fosse admitido no céu ofendia-a até a alma. Ela jurou sempre se abster da bebida venenosa de Dioniso e acabar pessoalmente com as bebedeiras que destruíam a paz e o decoro do céu.
Afrodite deu à luz um filho de Dioniso. Hera amaldiçoou o bebê, cujo nome era PRIAPO, com feiura e impotência, e mandou que o jogassem do Olimpo. Priapo se tornou o deus da genitália masculina e dos falos; ele era especialmente apreciado pelos romanos como uma divindade menor, representante do grande tesão. Mas seu destino eram a limitação e a decepção. Ele vivia num constante estado de excitação que, por causa da praga de Hera, sempre falhava quando ele tentava fazer alguma coisa. Esse problema crônico e constrangedor fez com que fosse natural ele se tornar eternamente associado ao álcool, o dom de seu pai para o mundo, que “provoca o desejo, mas prejudica o desempenho”.
Com Hera gostando ou não, Dioniso, Nascido Duas Vezes, o único deus a ter uma progenitora mortal, subiu para assumir seu lugar, agora como pleno membro dos finalmente fixos Doze do Olimpo.
#concurso literário #Editora Mente Cristã #Editora Universo Anthares #Lucas Rosalem #Mitologia grega #Universo Anthares #universo ficcional