As crônicas não referem nenhum detalhe maravilhoso ou extravagante a respeito da concepção ou do nascimento do velho Ares grego, senão que era filho de Júpiter e Juno. Uma versão apócrifa, entretanto, pouquíssima referida, diz que Juno concebeu o turbulento deus de um contato que teve com uma flor cultivada nos campos de Oleno, na Acaia. Flora, a deusa da vegetação, teria sido a inspiradora da terna idéia. Mas como conciliar esta concepção lírica e bucólica, em meio aos pássaros e às flores, com o caráter rude e atrabiliário deste deus brutal e sanguinário?
Quanto ao aspecto físico, todos são unânimes em atribuir a Marte um belo porte marcial, e de ostentar com galhardia em seu peito uma soberba e reluzente armadura. E afora isto pouco mais de bom há para ser dito a seu respeito. O fato é que nenhum de seus pares de imortalidade parecia lhe devotar a menor simpatia, nem mesmo seu suposto pai, Júpiter, que lhe teria dito:
“Não me venha com seus choramingos, ó inconstante! É para mim o mais detestável dos deuses que habitam o Olimpo, pois ama unicamente a discórdia, a guerra e os combates. Tem o espírito intratável e teimoso de sua mãe, Juno, que só a custo consigo reprimir com palavras. (… ) Se fosse filho de qualquer outro deus, já há muito teria sido rebaixado entre os filhos do céu!” (Ilíada, canto V). Apenas a beta Vênus, deusa do amor, nutria uma afeição por ele — desconcertante paradoxo.
Marte, pois, na condição de deus da guerra, anda sempre na companhia de seus dois filhos de tremenda figura, o Medo e o Terror. Quando seu carro ardente surge, precedido por estes pavorosos arautos, anunciando que a fúria das batalhas está prestes a se desencadear, poucos, com efeito, podem reprimir um espasmo de medo e terror. A Discórdia, com cabelos de serpentes que estão sempre a verter incessantemente uma baba infecta, vai um pouco mais adiante, espalhando a intriga e a calúnia. Porque tal é a sua vocação: onde houver dois interesses minimamente contrapostos, é sua obrigação torná-los irreconciliáveis.
Se adiante vai esse perverso conjunto de arautos, fechando o cortejo estão aquelas que recebem o espantoso apelido de “cadelas de Plutão”. São as Queres, deusas sanguinárias, antecessoras dos nossos modernos vampiros, que mergulham sobre as vítimas abatidas para dilacerar suas carnes e beber seu sangue, arrastando-as depois para a morada das sombras.
Tais são as agradáveis companhias de que desfruta o belicoso deus.
Paradoxalmente, as histórias das derrotas sofridas por Marte são muito mais abundantes do que os relatos de suas vitórias. O pior dos seus fracassos seria quando Marte viu-se aprisionado durante treze meses dentro de uma jarra de bronze por causa de uma afronta feita aos dois gigantes Aloídas, filhos de Aloeu e Ifimedia.
Durante a Guerra de Tróia, também não se saiu melhor com Diomedes, guerreiro aqueu, que o feriu com uma lança, dirigida pela mão de Minerva -talvez o maior dos desafetos que Marte encontrou pela frente. Quando se retirou a lança, contudo, Marte não se portou com tanta bravura quanto se poderia esperar, pois lançou aos céus um grito tão alto quanto o de “nove ou dez mil guerreiros”, conforme Homero. Compreende-se, contudo, o motivo dessa divina rixa: é que Minerva, irmã de Marte e deusa também associada à guerra, representa a tática e a diplomacia, apelando sempre ao instinto nobre do guerreiro, enquanto que seu tresloucado irmão representa unicamente o aspecto sanguinário das contendas, apreciando, simplesmente, a morte pela morte.
Essa rixa culminou com um enfrentamento de ambos, ainda diante das muralhas da disputada Tróia: Marte lançou um dardo contra a irmã, que se desviou dele com facilidade, remetendo em seguida uma pedra sobre o pescoço do agressor que o deixou estendido ao solo, sem sentidos. Como se isto não bastasse, ainda teve de escutar os deboches que Minerva vencedora lhe lançou.
Mas seus fracassos pessoais não acabam aqui: sua coragem naufragou, também, quando, por duas vezes, teve de fugir vergonhosamente da fúria do invencível Hércules; depois, ao pretender vingar a morte da amazona Pentesiléia, morta por Aquiles, recebeu na cabeça o raio irado do próprio pai, Júpiter.
Esse é Marte, deus menor e privado de qualquer virtude, que só foi verdadeiramente cultuado com fervor pelos romanos, povo imperialmente bárbaro que só soube alcançar a grandeza através do rude ofício de pilhar e assassinar.
Mas como esta cruel divindade pôde inspirar amor a Vênus e dar a ela um filho como Cupido? Talvez porque sendo o amor também uma batalha, com todos os lances e estratégias de uma guerra, fosse natural que dois deuses tão opostos acabassem por se sentir inevitavelmente atraídos. O fato é que, mesmo no amor, o atrapalhado deus não se saiu tão bem quanto esperava, pois apesar de ter conseguido render a sua amada Vênus, teve que passar pelo dissabor de ser flagrado em pleno leito pelo marido desta, o não menos truculento Vulcano, deus das forjas.
Aprisionados ambos numa rede indestrutível, confeccionada pelo próprio Vulcano, Marte ardoroso e Vênus infiel foram expostos à execração pública, diante de todos os deuses do Olimpo.
#anarcocapitalista #ancap #concurso literário #Editora Mente Cristã #Editora Universo Anthares #libertarianismo #libertário #Lucas Rosalem #Mitologia grega #Universo Anthares #universo ficcional
[…] Marte, deus da Guerra […]