Cronos jazia deitado no chão no cume do monte Ótris. Os outros Titãs ainda não estavam sabendo que Zeus resgatara seus irmãos e irmãs, mas era provável que, ao saberem, reagiriam com violência furiosa. Sob a proteção da noite, Reia e seus seis filhos fugiram, pondo a maior distância que puderam entre eles e o país dos Titãs.
A guerra era inevitável, Zeus entendeu claramente. Cronos não descansaria enquanto seus filhos estivessem vivos, e Zeus estava igualmente determinado a destronar seu pai. Escutou mais alto do que nunca um som que ouvia desde a infância: um sussurro suave e insistente de Moros, dizendo que ele estava destinado a reinar.
O conflito sangrento, violento e destrutivo que se seguiu é conhecido pelos historiadores como TITANOMAQUIA.[23] Embora a maior parte dos detalhes dessa guerra de dez anos tenha se perdido, sabemos que o calor e a fúria, o poder explosivo e a energia colossal liberados pelos Titãs, deuses e monstros em guerra fez com que montanhas expelissem fogo e que o próprio solo tremesse e se abrisse. Muitas ilhas e massas de terra foram formadas por essas batalhas. Continentes inteiros mudaram de posição e tomaram outras formas, e grande parte do mundo como o conhecemos hoje deve sua geografia a essas perturbações sísmicas, a esse conflito que, literalmente, sacudiu a terra.
Em uma luta honesta, é quase certo que as forças combinadas dos Titãs teriam sido demasiadas para seus jovens adversários. Eles eram mais fortes e mais implacavelmente selvagens. Todos, com exceção de Prometeu e Epimeteu, filhos de Clímene, tomaram o lado de Cronos, excedendo de longe o número do pequeno grupo daqueles autointitulados deuses, alistados contra eles sob o generalato de Zeus. Só que, do mesmo modo como Urano tinha pago caro por seu crime de aprisionamento dos Ciclopes e Hecatônquiros dentro de Gaia, Cronos pagaria pela besteira de prendê-los nas cavernas do Tártaro.
Foi a sábia e inteligente Métis que aconselhou Zeus a descer e libertar seus irmãos de três olhos e os de trezentas mãos. Ele lhes ofereceu a liberdade perpétua se o ajudassem a derrotar Cronos e os Titãs. Não precisaram de mais incentivos. Os Gigantes também escolheram ficar do lado de Zeus e se mostraram lutadores bravos e incansáveis.[24]
Na decisiva batalha final, a ferocidade impiedosa dos Hecatônquiros – sem mencionar seu excedente de cabeças e mãos – se combinou maravilhosamente com a selvagem potência elétrica dos Ciclopes, cujos nomes eram, como você deve se lembrar, Brilho, Raio e Trovão: Arges, Estéropes e Brontes. Esses artesãos habilidosos transformaram o domínio que tinham sobre as tempestades em raios para Zeus usar como arma, e ele aprendeu a lançá-los com extrema pontaria em seus inimigos, reduzindo-os a átomos. Sob sua orientação, os Hecatônquiros apanhavam e atiravam pedras com uma velocidade furiosa, enquanto os Ciclopes atormentavam e ofuscavam o inimigo com demonstrações de raios e estrépitos aterrorizantes de trovão. As cem mãos dos Hecatônquiros apanhavam e lançavam inúmeras pedras sobre o inimigo, como inúmeras catapultas feito cata-ventos enlouquecidos, até que, surrados e feridos, os Titãs pediram um cessar-fogo.
Vamos deixá-los, com suas grandes cabeças ensanguentadas abaixadas em rendição plena e final, e tirar um momento para olhar para o que mais estava acontecendo no mundo durante aqueles terríveis dez anos, enquanto a batalha grassava.
A proliferação
O fogo e a fúria da guerra tinham queimado, enriquecido e fertilizado a terra. Uma nova cultura brotou para criar um mundo novo, verde, para os deuses triunfantes herdarem.
Como você se lembra, o cosmos antes não era nada além do Caos. Aí, o Caos criou as primeiras formas de vida, os seres primordiais e os princípios da luz e da escuridão. À medida que cada geração se desenvolvia, nasciam novas entidades, que, por sua vez, se reproduziam, e a complexidade aumentava. Aqueles velhos princípios primordiais e elementares foram tecidos em formas de vida com cada vez mais diversidade, variedade e riqueza. Os seres que nasceram foram dotados de personalidades sutis e exclusivas, e de individualidade. Em linguagem de computador, era como se a vida tivesse passado de 2 bits para 4 bits para 8 bits para 16 bits para 32 bits para 64 bits e além. Cada iteração representava milhões, depois bilhões de novas permutações de tamanho, forma e o que se pode chamar de resolução. Passaram a existir personalidades de alta definição, como nós, seres humanos modernos, nos orgulhamos de ter, e houve uma explosão daquilo que os biólogos chamam de especiação, à medida que surgiam novas formas.
Gosto de imaginar o primeiro estágio da criação como uma tela de TV antiquada, na qual se jogava um jogo de Pong em branco e preto. Você se lembra do Pong? Tinha dois retângulos brancos como raquetes e um ponto quadrado como bola. A existência era uma forma primitiva, pixelada, de um jogo de tênis vigoroso. Uns trinta e cinco a quarenta anos mais tarde, aquilo já tinha evoluído para gráficos 3-D em resolução ultra-alta com realidade virtual aumentada. Foi assim com o cosmos grego: uma criação que começou com esboços em baixa resolução, fracos e elementares, agora explodia em uma vida rica e variada.
Criaturas e deuses ambíguos, inconsistentes, imprevisíveis, intrigantes e irreconhecíveis tinham chegado. Para usar uma distinção feita por E. M. Forster ao falar de pessoas nos romances, o mundo passava de personagens planos para personagens redondos – para o desenvolvimento de personalidades cujas ações tinham a capacidade de surpreender. A diversão estava começando.
As Musas
Uma das Titãs originais, Mnemosine (Memória), foi mãe de nove filhas de Zeus, todas altamente inteligentes e criativas, as Musas, que moraram em diversas ocasiões no monte Hélicon (onde a nascente Hipocrene, mais tarde, brincou), no monte Parnaso, acima de Delfos, e em Pieria, na Tessália, onde corria a Fonte Pieriana, a fonte metafórica de todas as artes e ciências.
Hoje, consideramos as Musas santas padroeiras das artes em geral e fontes privadas de inspiração em particular. “Oh, para uma Musa do fogo!”, clama o coro na abertura de Henrique V, de Shakespeare. Ele ou ela é “minha musa” ou “meu muso”, podemos dizer a respeito daqueles que excitam nossa criatividade e nos impelem para a grandeza. As Musas podem ser encontradas em “música” e “museus”. W. H. Auden acreditava que a imagem de uma deusa caprichosa sussurrando ideias no ouvido de um poeta era a melhor maneira de explicar a enlouquecedora falibilidade da inspiração criativa. Algumas vezes, ela lhe dá ouro, outras, você relê o que ela ditou e vê que está uma porcaria. A mãe das Musas pode ser a Memória, mas o pai é Zeus, cuja inconstância e infidelidade são o assunto de muitas histórias futuras.
Mas vamos conhecer essas nove irmãs, cada uma padroeira de uma forma de arte particular.
Calíope
CALÍOPE, a musa da poesia, teve um final linguístico um tanto indigno. De algum modo, em vários idiomas (como o espanhol e o inglês), ela se tornou o nome de um órgão a vapor normalmente tocado em parques de diversão; hoje em dia, eles são praticamente os únicos lugares onde você ouve falar o nome dela. Para o poeta romano Ovídio, ela era a maior de todas as Musas. Seu nome significa “linda voz”, e ela deu à luz ORFEU, o mais importante músico em toda a história da Grécia. Os melhores poetas, Homero, Virgílio e Dante inclusive invocavam sua ajuda ao embarcarem em seus grandes épicos.
Clio
Atualmente relegada a um modelo de automóvel da Renault e a uma série de prêmios na indústria da publicidade, CLIO, ou Kleio (famoso) era a Musa da história. Era responsável por proclamar, por propalar para o exterior e por tornar famosos os feitos dos grandes. A associação de debates mais antiga dos Estados Unidos, fundada em Princeton por James Madison, Aaron Burr e outros, é chamada de Sociedade Cliosófica em homenagem a ela.
Erato
ERATO era a Musa da poesia lírica e amorosa. Seu nome é relacionado a Eros e ao erótico, e ela é algumas vezes representada na arte com uma flecha dourada para sugerir essa conexão. Pombas e a murta são símbolos comumente associados a ela, assim como o alaúde.
Euterpe
A Musa da própria música, a “encantadora” e “alegre” EUTERPE foi mãe, com ESTRIMÃO, deus-rio, do rei da Trácia RESO, que depois desempenhou um papel muito secundário na Guerra de Troia. Não há consenso sobre se ele deu o nome aos macacos que, por sua vez, passaram a descrever o fator dos tipos sanguíneos humanos.
Melpômene
A Musa trágica, MELPÔMENE (cujo nome deriva de um verbo grego que significa “celebrar com dança e canções”), representava originalmente o coro e, depois, a tragédia inteira – uma fusão muito importante de música, poesia, drama, máscaras, dança, canções e celebrações religiosas. Os atores trágicos usavam um tipo de bota com sola grossa, chamada “busquin” em inglês e cothurnus (coturno) em grego; e Melpômene é, em geral, representada segurando ou usando coturnos, além, é claro, da famosa máscara da tragédia com sua boca infeliz curvada para baixo. Ela e sua irmã Terpsícore foram as mães das Sereias, cuja hora chegará.
Polímnia
Hymnos é “louvor” em grego, e POLÍMNIA era a Musa dos hinos, da música sacra, da dança, da poesia e da retórica, além de – meio aleatoriamente, pode-se pensar – da agricultura, da pantomima, da geometria e da meditação. Acho que hoje a chamaríamos de “a Musa do mindfulness”. Em geral, ela é retratada como uma figura um tanto séria, com o dedo pensativamente na boca numa atitude de reflexão solene. É outra candidata, além de Calíope, a ser a mãe do herói Orfeu.
Terpsícore
Dono da loja de queijos: Ah, eu pensei que você estava reclamando do tocador de bandolim.
Freguês: Deus me livre. Eu me deleito com todas as manifestações da musa terpsicórica.
Esse diálogo do imortal “Esquete da Loja de Queijo” do Monty Python apresentou muita gente, inclusive eu, a TERPSÍCORE, a Musa da dança.
Tália
A melhor, mais engraçada e amigável de todas as Musas, TÁLIA supervisionava as artes cômicas e a poesia idílica. O nome dela deriva do verbo grego “florescer”. Do mesmo modo que sua trágica contraparte Melpômene, ela calça botas de ator e uma máscara (a dela é a do sorriso alegre, é claro), mas está envolta em hera e carrega uma corneta e um trompete.
Urânia
URÂNIA deriva seu nome de Urano, o deus primordial dos céus (e avô das nove irmãs); ela é a Musa que preside a astronomia e as estrelas. É também considerada um símbolo do Amor Universal, um tipo de versão grega do Paráclito, ou Espírito Santo.
Trindades
O três vezes três Musas me lembra de apresentar mais tríades. Gaia e Urano deram à luz, como sabemos, três Hecatônquiros, três Ciclopes e quatro vezes três Titãs. Já encontramos as três Erínias, também chamadas de Eumênides – aquelas criaturas vingativas que brotaram da terra empapada de sangue no momento da castração de Urano. Três parece ter sido um número muito mágico para os gregos.
As Cárites
Durante os dez anos da Titanomaquia, mesmo que tão apocalíptica, Zeus sempre encontrou tempo para satisfazer seus desejos. Talvez ele visse isso como o cumprimento de seu dever de popular a terra. O que é certo é que Zeus gostava dessa tarefa.
Um dia, os olhos de Zeus recaíram sobre a mais linda de todas as Oceânides – EURÍNOME, filha de Oceano e Tétis. Escondida em uma caverna enquanto a batalha comia solta do lado de fora, Eurínome deu a Zeus três filhas arrebatadoras, AGLAE (que significa “esplendor”), EUFROSINA, também conhecida como EUTÍMIA (alegria, folia, hilaridade), e TÁLIA (contentamento). Juntas, elas são conhecidas como CÁRITES, ou, para os romanos, GRAÇAS. Nós as chamamos de as Três Graças, preferidas em toda a história por escultores e pintores em busca de uma desculpa para apresentar nus femininos perfeitos. A doçura de seu temperamento deu ao mundo algo para contrapor à horrível malícia e crueldade das Erínias.
Horas
As HORAS, ou Horai, em grego, consistiam de dois conjuntos de irmãs trigêmeas. Essas filhas de TÊMIS (a corporificação da lei, da justiça e dos costumes) originalmente personificavam as estações. Parece que, no início, eram duas, verão e inverno, AUXÉSIA e CARPO. A primeira tríade clássica das Horas foi composta com a adição de TALO (FLORA para os romanos), portadora das flores e da floração, a personificação da primavera. A qualidade mais valiosa das Horas derivava da mãe delas: o dom do momento auspicioso, a relação benigna entre a lei natural e o desenrolar do tempo – o que se poderia chamar de “acaso divino”.
O segundo conjunto de Horas era responsável por um tipo de lei e ordem mais mundano. Eram a EUNÔMIA, deusa da lei e da legislação, DICE, deusa da justiça e da ordem moral (o equivalente romano é JUSTITIA), e IRENE, a deusa da paz (PAX para os romanos).
Moiras
As três MOIRAS, ou Parcas, em romano, eram chamadas CLOTO, LÁQUESIS e ÁTROPOS. Deve-se imaginar essas filhas de Nix sentadas em torno de um fuso: Cloto fia a linha que representa a vida, Láquesis mede seu comprimento e Átropos (a implacável, sem remorsos, literalmente, a “sem volta”) decide quando cortar o fio e ceifar a vida. Eu as imagino como velhas de faces encovadas, vestidas em trapos pretos, sentadas numa caverna, tagarelando e balançando a cabeça enquanto fiam, mas muitos escultores e poetas as representaram como donzelas de faces rosadas, vestidas em mantos brancos e sorrindo recatadamente. Os nomes delas derivam de uma palavra que significa “porção” ou “quinhão, no sentido do “aquilo que lhe foi aquinhoado”. “Ser amada não era seu quinhão”, ou: “Era seu quinhão ser infeliz” são os tipos de expressões que os gregos empregavam para descrever atributos ou destinos aquinhoados pelas Moiras. Até mesmo os deuses tinham de se submeter a seus cruéis decretos.
Queres
Essas asquerosas filhas de Nix eram espíritos maus e vorazes da morte violenta. Do mesmo modo que as Valquírias nas mitologias nórdica e alemã, elas recolhiam as almas dos guerreiros mortos em batalha. Ao contrário das benevolentes deusas guerreiras, no entanto, as Queres não acompanhavam suas almas heroicas à recompensa de um Valhala. Elas voavam de corpo ensanguentado em corpo ensanguentado, sugando avidamente o sangue que fluía deles; então, depois que cada um estava completamente drenado, o jogavam sobre os ombros e passavam para o seguinte.
Górgonas
Ponto, o primordial deus do mar, teve com Gaia um filho, FÓRCIS, e uma filha, CETO. A prole desse irmão e irmã foram três irmãs moradoras de uma ilha, as Górgonas ESTENO, EURÍALE e MEDUSA. Com cabelos de cobras venenosas se retorcendo, intensos olhos arregalados, horríveis sorrisos fixos, dentes de javali, corpos com escamas douradas, mãos em afiadas unhas de latão e pés com garras, essas irmãs monstruosas pareciam amedrontadoras o suficiente para gelar o sangue. Mas quem atraísse o olhar de uma Górgona – trocasse olhares com ela por um segundo fugaz – seria no mesmo instante transformado em pedra, literalmente. A palavra para isso é “petrificado”, que passou a significar duro de medo.
Espíritos do Ar, da Terra e da Água
Esses trios não foram os únicos seres significativos a brotarem naquela época. No mundo inteiro, enquanto a Titanomaquia rolava ao redor, duendes e espíritos de todo tipo começaram a se multiplicar e a reivindicar suas áreas de soberania. É possível imaginá-los fugindo em busca de abrigo e tremendo atrás de arbustos, enquanto pedras e raios voavam pelos ares e a terra tremia com a violência da guerra. De algum modo, esses seres, muitas vezes frágeis, sobreviveram e prosperaram para enriquecer o mundo com sua beleza, sua dedicação e seu encanto.
Talvez as NINFAS sejam as que melhor conhecemos, uma importante classe de divindades femininas menores, divididas em clãs, ou subespécies, de acordo com seus habitat. As ORÉADES ficavam nas montanhas, colinas e grotas da Grécia e de suas ilhas, enquanto que as Nereidas (como as Oceânides, das quais descendiam) eram habitantes das profundezas. As NÁIADES, suas contrapartes da água doce, eram encontradas em lagos e riachos de água corrente, ou nos juncos de suas orlas, ou nas beiras dos rios. Com o tempo, algumas ninfas da água começaram a se associar a reinados cada vez mais específicos. Logo, vieram as PEGEIAS, que cuidavam das fontes naturais, e as POTÂMIDES, que moravam em torno dos rios. Em terra, as AULONÍADES guardavam as pastagens e os pomares, enquanto as LEIMÁQUIDES viviam nos prados. Os espíritos das florestas incluíam as DRÍADES aladas e as HAMADRÍADES, ninfas silvestres cujas vidas eram ligadas às árvores em que moravam. Quando a árvore morria ou era cortada, elas morriam também. Ninfas dos bosques mais especializadas povoavam apenas macieiras ou loureiros. Já conhecemos as Melíades, ninfas do doce freixo produtor de maná.
O destino das Hamadríades mostra que as ninfas podiam morrer. Elas jamais envelheciam ou ficavam doentes, mas não eram sempre imortais.
E assim, enquanto o mundo natural amadurecia, se agitava e se replicava, dessa maneira prodigiosamente corajosa, semeando a si próprio com semideuses e imortais cada vez mais maravilhosos, a terra tremia e sacudia com a violência e o terror da guerra. Mas essa proliferação garantia que, quando a fumaça e a poeira da batalha por fim clareassem, os vitoriosos reinariam sobre um mundo cheio de vida, cor e personalidade. Zeus, triunfante, herdaria uma terra, um mar e um céu infinitamente mais ricos do que aqueles em que ele havia nascido.
Árbitro supremo e juiz da Terra
Zeus, então, quis garantir que os Titãs derrotados jamais pudessem se erguer outra vez para ameaçar sua ordem. Seu oponente mais forte e mais violento na guerra não tinha sido Cronos, mas ATLAS, o brutalmente poderoso filho mais velho de Jápeto e Clímene. Atlas estivera no centro de cada batalha, impelindo seus companheiros Titãs ao combate, gritando por um último supremo esforço, mesmo enquanto os Hecatônquiros os estavam massacrando até a submissão. Como punição por sua inimizade, Zeus o condenou a segurar o céu por toda a eternidade. Com isso, matou dois coelhos com uma cajadada só. Seus predecessores, Cronos e Urano, tinham sido obrigados a desperdiçar grande parte de suas energias separando o céu da terra. Com um golpe, Zeus se livrou desse exaustivo fardo e o colocou, literalmente, sobre os ombros de seu inimigo mais perigoso. Na junção do que viríamos a chamar de África e Europa, o Titã se esforçava, carregando o peso do mundo todo. Com as pernas retesadas, os músculos contraídos, seu poderoso corpo se contorcia com esse esforço supremo e doloroso. Durante milênios, ele gemeu como um halterofilista búlgaro. Com o tempo, ele se solidificou como os montes Atlas, que costeiam os céus do Noroeste da África até hoje. Sua imagem tensa, agachada, é encontrada em cópias dos primeiros mapas do mundo, que, em sua homenagem, ainda chamamos de “atlas”. De um lado dele, fica o Mediterrâneo, e do outro, o oceano, ainda chamado em sua homenagem de “Atlântico”, onde contam que floresceu a misteriosa ilha-reino de Atlântida.
Quanto a Cronos – a infeliz alma sombria que antes tinha sido o Senhor de tudo, o taciturno e desnaturado tirano que comeu seus próprios filhos por medo de uma profecia –, sua punição, exatamente como seu pai castrado, Urano, tinha previsto, foi viajar incessantemente pelo mundo, medindo a eternidade num exílio inexorável, perpétuo e solitário. Ele devia marcar cada hora e minuto, pois Zeus condenou Cronos a contar a própria eternidade. Podemos vê-lo em toda parte, hoje, uma figura esquelética com sua foice. Carregando agora o apelido barato e humilhante de “Velho Pai Tempo”, suas feições pálidas, retorcidas, nos remetem ao tique-taque inevitável e impiedoso do relógio do cosmos, levando todos aos seus dias finais. A foice oscila e corta como um pêndulo sem remorsos. Toda carne mortal é como grama debaixo da passada cruel de sua lâmina segadeira. Encontramos Cronos em tudo o que é “crônico” ou “sincronizado”, em “cronômetros”, “cronógrafos” e “crônicas”. Os romanos deram a essa casca saturnina e pálida de um Titã derrotado o nome de SATURNO. Ele fica no céu entre seu pai Urano e seu filho Júpiter.
Nem todos os Titãs foram expulsos ou castigados. Zeus demonstrou magnanimidade e misericórdia para com muitos, ao mesmo tempo que despejou favores sobre aqueles que ficaram do lado dele na guerra. O irmão de Atlas, Prometeu, era o principal entre aqueles que tiveram a presciência de lutar pelos deuses, contra sua própria espécie. Zeus o premiou com sua companhia, tendo cada vez mais prazer na presença do jovem Titã, até que chegou um dia que viria a ter consequências enormes para a humanidade, consequências que sentimos até hoje. A história dessa amizade e seu trágico fim será contada em breve.
Durante a guerra, os Ciclopes tinham, como mencionado, dado a Zeus, em homenagem respeitosa, a arma com a qual ele é associado: os raios. Seus irmãos, os Hecatônquiros, cuja força tremenda tinha lhe garantido a vitória, foram mandados de volta ao Tártaro – dessa vez, não como prisioneiros, mas como guardiões dos portões daquelas profundezas imponderáveis. A recompensa dos Ciclopes foi serem nomeados por Zeus seus artífices, armeiros e ferreiros pessoais.
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