Diana e Acteão

Acteão era um dos melhores caçadores que havia em seu tempo. Filho do rei Cadmo, o jovem estava acompanhado por seus amigos, quando, um dia, tornava de mais uma caçada bem-sucedida. Acteão, como sempre, ia à frente do grupo. Suas costas estavam manchadas do sangue do cervo que ele trouxera sobre os ombros fortes.

— Belo resultado! — disse Acteão, lançando o corpo do animal morto sobre a relva.

Seus amigos concordaram. Todos traziam também suas presas, mas nenhuma se igualava à do líder dos caçadores.

— Sinto muito, mas este seu bichinho não chega nem aos pés do meu -disse Acteão a um dos amigos, que trazia um alce grande, mas que de fato não podia nem de longe se comparar ao que ele caçara. O amigo, vencido, baixara a cabeça, admitindo a derrota. Acteão adorava mostrar a todos que ele ainda era o melhor caçador.

— Acho melhor pararmos um pouco para descansar. É meio-dia e o sol está quente demais para prosseguirmos — disse o filho de Cadmo.

Depois de ordenar que acendessem uma fogueira para assar o seu cervo, Acteão separou-se dos demais para procurar uma fonte ou regato onde pudesse lavar o sangue e o suor. Alguns quiseram ir junto, mas Acteão preferiu ir sozinho, como sempre fazia. Gostava de se embrenhar solitariamente pelas matas para ver se descobria alguma caça.

Ocorre que neste exato momento Diana, a deusa da caça, estava nas redondezas e tivera a mesma idéia. Cercada também por suas amigas, resolvera fazer uma pausa para se refrescar nas águas de uma deliciosa fonte.

— Meninas, vigiem bem enquanto vou me banhar — disse a deusa virgem, que não suportava a idéia de que homem algum viesse espioná-la.

Nunca, na verdade, olhos masculinos a haviam visto nua, e isto constituía para ela mais do que um simples motivo de orgulho. Era uma vitória de sua virtude e seu maior ponto de honra.

Depois de depositar o arco sobre uma pedra, Diana começou a se despir lentamente, com o auxílio das ninfas. Enquanto uma retirava sua túnica, outra descalçava suas sandálias. Uma terceira aproximou-se para arrumar seus cabelos. Tão logo as amigas completaram sua tarefa, Diana estava pronta para mergulhar na água fresca.

— Ninguém tem um corpo tão belo — sussurravam as ninfas entre si.

— Não é à toa que ela não permite que homem algum a veja neste estado. Seria impossível conter o assédio de todos eles, caso se espalhasse a perfeição de seu corpo.

Diana recolhia a água com a mão em concha e despejava delicadamente às costas. As demais ninfas, distraindo-se momentaneamente, afastaram-se um pouco para também se refrescarem. Neste instante, o jovem Acteão, que estava a poucos passos do paradisíaco local, escutou aquele rumor de vozes e resolveu seguir em sua direção.

— Parece que estou com sorte — disse o caçador, ao se deparar com aquelas cenas.

Assim que seu olhar se desvencilhou de alguns galhos, foi pousar sobre o grupo das ninfas, sem perceber ainda que a própria Diana estava ali, de um modo como nunca mortal algum a vira antes. Ficou um bom tempo a observar as ninfas, que também haviam se livrado das roupas, quando escutou, em meio a seu enleio, este grito de alerta:

— Cuidado, Diana, há um homem ali a nos espionar! Imediatamente todas as ninfas correram para onde estava Diana, o que acabou por atrair involuntariamente o olhar de Acteão.

Cercando Diana com seus corpos, as ninfas procuravam manter oculta a nudez da deusa. Porém Diana era mais alta que todas, de tal sorte que Acteão ainda assim conseguiu vislumbrar um pedaço do seu corpo. Diana, ao cruzar o olhar com o invasor, percebeu que os olhos dele brilhavam de um modo diferente. Com a mão Diana ainda tentou cobrir a parte superior do peito, mas não havia mais nada a fazer.

— Aquele miserável viu minha nudez! — exclamou, encolerizada. Vendo que o mal já estava feito, e que a punição para o invasor já estava decretada no seu íntimo, Diana decidiu conceder ao condenado uma última dádiva.

— Meninas, saiam da minha volta — disse com um ar placidamente decidido. As ninfas, espantadas, foram se afastando, a princípio de maneira relutante.

— O que há com ela? — disse uma das ninfas, baixinho.

Apesar de fugir de qualquer olhar masculino, Diana sempre tivera curiosidade em imaginar como seria este dia, afinal — o dia em que seu corpo seria revelado a um homem mais indiscreto e audacioso.

— É uma honra para mim, deusa misteriosa, ser o primeiro a contemplar seu adorável corpo — disse Acteão, tentando lisonjear a vaidade feminina e escapar ao seu rigor punitivo.

— Olhe bem, senhor caçador, porque será a última coisa que verá nesta ia — disse Diana, com um olhar implacável de quem sabe que o ultraje será punido sem piedade, e reassumindo seu ar naturalmente virtuoso e implacável. Juntou, então, água nas mãos e lançou-a às faces de Acteão, dizendo:

— Pode ir agora! Vá e conte a seus amigos que viu Diana sem as suas estes!

Tão logo a deusa terminou de proferir essas palavras e Acteão sentiu que de sua testa começou a brotar algo parecido com um caroço. Dos dois lados brotavam dois enormes chifres galhados, enquanto seus olhos aumentavam de tamanho, bem como seu nariz, que de estreito e bem formado passara ao formato inestético do focinho de um alce. Quando passou as mãos no rosto para ver o que acontecia, sentiu que não mais dedos, mas cascos ásperos deslizavam sobre sua face, que se recobrira de um pêlo espesso. Em seguida caiu ao chão, de quatro.

“Meu Deus, o que está acontecendo comigo?”, pensou, mas ao tentar expressar esse pensamento em palavras, viu que de sua boca somente saía um rouco desafinado e incompreensível.

Assustado, Acteão deus as costas às mulheres e se meteu pelo bosque, decidido a procurar a ajuda dos amigos. Nem bem enxergou o mais fiel deles, sentado sob a sombra de uma árvore, gritou para ele:

— Filon, aqui! Ajude-me!

No entanto, tudo o que seu amigo escutou foi o mugido de um magnífico alce, que, parado à sua frente, parecia pedir para ser caçado.

— Rapazes, vamos lá! Aqui neste bosque abençoado a caça vem ao nosso encontro em vez de precisarmos correr atrás dela!

No mesmo instante, os cães prediletos de Acteão foram açulados pela companhia inteira.

Uma gritaria misturada aos latidos levantou-se por todo o bosque. Acteão, sentindo que a presa agora era ele, tentou ainda estabelecer contato com seus cães. Eles o iriam reconhecer, assim pensava. Uma dentada de seu cão predileto logo o tirou, contudo, desta ilusão. Conseguindo se desvencilhar das presas, que haviam entrado fundo em sua perna direita, Acteão lançou-se para dentro da mata numa corrida desesperada. Pela primeira vez o melhor dos caçadores estava do outro lado da caçada.

Enquanto fugia, escutava ironicamente as vozes de seus amigos, que o chamavam para juntar-se à caçada!

— Vamos, Acteão, onde você se meteu? — bradava um, mais animado.

— Será o seu maior troféu! — exclamava outro, inconformado por não tê-lo junto na caçada que prometia o maior dos prêmios.

Acteão, a cada chamado, tentava responder, mas seu grito desconexo somente servia para delatar a sua presença aos demais caçadores.

— Vamos, ele foi por ali, posso ouvir o seu grito!

Depois de escalar pequenos morros e meter-se por gargantas e vales, Acteão, exaurido, foi finalmente alcançado por um dos seus cães, que pulou direto em seu pescoço; outro ferrou as presas em seu focinho, impedindo-lhe a respiração e provocando uma dor lancinante. Logo seu corpo estava entregue à fúria dos cães, que o retalhavam com suas presas dilacerantes. Antes de morrer, viu chegarem seus companheiros de caçada, que exultavam com o resultado, ao mesmo tempo em que lamentavam a ausência do seu líder:

— Sinto muito, Acteão, mas desta vez você não terá do que se vangloriar -disse um dos companheiros, com um sorriso, enquanto Acteão não surgia para aplaudir a sua vitória.


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