Ctesila e Hermócares

Hermócares, rapaz pobre, mas justo, estava apaixonado por Ctésila, filha do poderoso Alcidamo. Naquele dia celebrava-se uma festa em honra de Vênus, e o jovem, vendo a amada mais bela que nunca, tomara uma maçã e nela inscrevera esta singela inscrição: “Prometo, por Vênus suprema, que serás minha esposa”.

— Oh, que atrevimento! — disse Ctésila, lançando fora a maçã e abandonando a festa.

— Ctésila, Ctésila… Confesse que seus dentes nunca provaram maçã mais saborosa do que essa que sua alma agora provou! — gritou o audacioso Hermócares, enquanto a via perder-se entre os demais devotos de Vênus.

A audácia de Hermócares não parou aí. No dia seguinte tratou de procurar o pai da jovem e, com o destemor que somente o amor pode infundir, pediu a mão dela em casamento.

Alcidamo, no mesmo instante, lhe deu a resposta:

— Comigo as coisas se resolvem num tapa! Concedo-lhe, pois, a mão de minha bela Ctésila.

De fato, o velho Alcidamo tinha um bom olho para tudo, e enxergou logo no rapaz o genro ideal.

— Bom, honesto e trabalhador! — disse, animado, logo que ele saiu. Ctésila ficou logo sabendo do pedido e, depois dos primeiros encontros deu a mão à palmatória: Hermócares era, de fato, um bom homem. O casamento foi marcado para logo em seguida.

— Comigo é assim: querem casar? Casem-se logo, num tapa! — disse o pai, dando uma grande palmada no joelho, vaidoso de sua determinação.

A data aproximava-se rapidamente. Os preparativos evoluíam celeremente. Um dia, no entanto, às vésperas da famosa data, Alcidamo chegou diante da filha e lhe disse assim:

— Ctésila, querida.

— Sim, meu venerável pai — respondeu ela, com os olhos radiantes.

— Você se casa, então, daqui a alguns dias?

— Se Vênus suprema assim permitir e desejar…

— Eu também, mais que ninguém, o desejo — respondeu o pai. — Mas prepare-se para uma pequena mudança: o seu noivo não será mais o desgraçado Hermócares.

— Não, papai? — exclamou a filha, estarrecida.

— Estive conversando com um amigo e ele me propôs seu filho para genro -disse Alcidamo, com o ar perfeitamente natural. — Não pude negar-lhe; é um belo rapaz e muito mais rico do que o miserável Hermócares. Bom, honesto e rico!

— Não, papai, quero casar-me com Hermócares.

— Silêncio! Já está decidido, minha filha. E você sabe: quando quero, decido a coisa num tapa. Não me obrigue a convencê-la pelo mesmo método — disse o cruel Alcidamo, suspendendo no ar a sua mão gigantesca.

E a partir dali, aqueles poucos dias, antes tão ansiosamente aguardados, agora eram vistos com tremendo pavor. Ctésila, desesperada, correu até o templo de Vênus e clamou, lavada em pranto:

— Vênus, proteja o meu amor!

Naquele mesmo instante Hermócares entrou pela porta do templo.

— Ctésila! — exclamou o jovem. — Seu pai me proibiu de ver você e não me quer mais para genro. O que faremos?

As bocas de ambos silenciaram. Mas eles sabiam que só havia uma alternativa.

— Vamos fugir! — exclamaram ao mesmo tempo.

“É isto?” “Claro!” “Vamos, mesmo?” “Será?” “Não será?” — toda a lista infinita das vacilações, nas quais o desejo se tortura continuamente desde o começo dos tempos, surgiu num tropel nas mentes dos amantes. Muito diferente da firmeza e decisão do velho Alcidamo, eles iam e vinham em seus receios.

Mas, ao cabo, chegaram à conclusão que estava lá no começo: fugiriam, afinal.

E fugiram mesmo. Na véspera do malfadada casamento, Ctésila e Hermócares partiram, na calada da noite, para serem felizes. Alcidamo, colérico dos pés às palmas vermelhas das mãos, arrancava os cabelos:

— Vasculhem tudo debaixo do céu! Quero Ctésila de volta, num tapa, compreenderam?

Mas Alcidamo jamais tornaria a pôr os olhos em sua filha. Um dia chegou um mensageiro esbaforido, que disse:

— Alcidamo, eis que a sua filha já é mãe!

— Mãe? — indagou Alcidamo, colérico. — Mãe? — repetiu Alcidamo, abatido. — Mãe…

— repetiu, quase conformado. — Mãe! — afirmou, já sorridente.

Não foi tão rápido quanto das outras vezes, mas Alcidamo acostumou-se logo, também, a essa idéia — quase num tapa.

— Alcidamo, eis que a sua filha é morta! — disse outro dia o mesmo mensageiro, novamente esbaforido.

Essa notícia o pobre Alcidamo não pôde suportar, e num tapa caiu desmaiado, enquanto o mensageiro tentava reanimá-lo — bem, vocês sabem como.

O enterro da bela Ctésila deu-se alguns dias depois. Mas Vênus, que protegera sempre o amor do jovem casal, fez com que no último instante Ctésila se transformasse na mais alva das pombas e viesse pousar sobre os ombros do enternecido Hermócares e de seu filhinho.


QUER VIRAR ESCRITOR?
PARTICIPE DO UNIVERSO ANTHARESSAIBA COMO CLICANDO AQUI.

Comparando as mitologias grega e romana - Universo Anthares

Comparando as mitologias grega e romana - Universo Anthares

[…] Ctesila e Hermócares […]

Comments are closed.