Aracne – Mitologia Grega

A tecelã

Em um pequeno chalé próximo a uma cidadezinha chamada Hypaepa, no reino da Lídia, residia um comerciante e artesão chamado IDMON. Ele trabalhava numa cidade jônica das imediações, chamada Cólofon, como vendedor de pigmentos, especializando-se na caríssima cor púrpura da Foceia. Sua mulher tinha morrido no parto de uma menina, ARACNE. Nenhum pai jamais teve tanto orgulho de uma filha quanto Idmon tinha de Aracne. Porque, desde a tenra infância, ela demonstrara a mais extraordinária perícia como tecelã.

Fiar e tecer tinham, naturalmente, grande importância naquela época. Além do cultivo de alimentos, poucas coisas eram tão fundamentais para o bem-estar humano quanto a manufatura confiável de têxteis para vestimenta e mobília. E a palavra é exatamente “manufatura”. Significa literalmente “fazer à mão” – que é como todo o trabalho era feito. O velo ou a fibra eram fiados e montados em teares para serem tecidos em panos de lã ou linho. Tanto era a província de mulheres especializadas que o próprio gênero recebeu nomes, em algumas culturas e línguas, que refletem a prática. Em inglês, ainda se fala do distaff side (linhagem feminina ou, literalmente, o lado da roca) de uma família. A roca era o fuso em torno do qual a lã ou o linho eram enrolados em preparação para a elaboração da trama. E aquelas que fiavam eram chamadas “fiandeiras” (em inglês, spinsters, uma palavra aplicada sem conotações negativas a qualquer mulher solteira).

Mas, como em qualquer prática humana, há quem tenha a misteriosa habilidade de elevar o cotidiano comum ao nível da arte.

Desde bem o início, a perícia de Aracne no tear era comentada, sendo o orgulho da Jônia inteira. A velocidade e a precisão de seu trabalho eram espantosas; a segurança e a destreza com a qual ela escolhia um fio colorido após o outro, quase sem olhar, assombravam os admiradores, que muitas vezes enchiam o chalé de Idmon para vê-la trabalhar. Mas eram as imagens, os padrões e os intrincados desenhos que emergiam do borrão de sua naveta que faziam os espectadores explodirem em aplausos espontâneos e a declararem inigualável. As florestas, os palácios, as marinhas e as vistas de montanha que ela criava eram tão reais que parecia que se podia pular nelas. Não eram apenas os cidadãos mortais de Cólofon e Hipaepa que vinham vê-la em seu tear: náiades locais do rio Pactolo e oréades do monte Tmolo, nas imediações, também se amontoavam no chalé e sacudiam a cabeça, maravilhadas.

Elogios como os que ela recebia teriam subido à cabeça de qualquer um. Aracne não era uma menina mimada nem convencida – na verdade, quando não estava trabalhando no tear, o comportamento dela se apresentava prático e prosaico, em vez de caprichoso ou temperamental. Entendia que tinha recebido um dom e não reivindicava crédito pessoal por ele. Mas reconhecia o próprio talento e acreditava que, ao dar a ele o valor adequado, estava simplesmente sendo honesta.

— Sim — murmurou ela, olhando para o seu trabalho uma tarde fatídica. — Eu realmente acho que, se a própria Palas Atena se sentasse para fiar comigo, não conseguiria se equiparar à minha perícia. Afinal de contas, eu faço isso todos os dias e ela só tece de vez em quando, para se divertir. Não é à toa que sou tão superior.

Com tantas ninfas presentes no chalé de Idmon, pode ter a certeza de que logo as notícias das impensadas palavras de Aracne chegariam aos ouvidos de Atena.

A composição

Uma semana depois, mais ou menos, o grupo costumeiro se reuniu em torno dela. Aracne sentou-se ao tear, completando uma tapeçaria que representava a fundação de Tebas. Exclamações de admiração saudaram a descrição do surgimento da terra dos guerreiros dos dentes do dragão, mas os “ohs” e “ahs” de seus admiradores foram interrompidos por uma ruidosa batida na porta do chalé.

A porta foi aberta e revelou uma velha senhora encurvada e enrugada.

— Espero ter vindo ao lugar certo — ofegou ela, arrastando um grande saco. — Disseram-me que uma tecelã maravilhosa mora aqui. Ariadne, não é?

Foi convidada a entrar.

— O nome dela é Aracne — corrigiram, apontando para a garota sentada ao tear.

— Aracne. Estou vendo. Posso olhar? Querida, são seus mesmo? Maravilhosos.

Aracne assentiu, satisfeita.

A velha deu um puxão no tear.

— É difícil acreditar que uma mortal possa fazer um trabalho desse. Por certo, a própria Atena deu uma mão nisso, não?

— Não acho — respondeu Aracne com um toque de impaciência — que Atena consiga fazer uma coisa dessa qualidade. Agora, por favor, não o desfaça.

— Ah, acha que Atena é inferior a você?

— Em tecelagem, dificilmente é uma questão de opinião.

— Imagino o que você diria se ela estivesse aqui agora.

— Eu a incentivaria a declarar que sou a melhor tecelã.

— Então, incentive, mortal insensata!

Com essas palavras, as rugas do rosto antigo se desfizeram, os olhos baços clarearam até um cinzento brilhante e a velha senhora encurvada se endireitou na magnífica forma da própria Atena. Os espectadores caíram para trás de surpresa. As ninfas, em particular, se encolheram nos cantos, envergonhadas e com medo de serem vistas perdendo tempo admirando o trabalho de uma mortal.

Aracne empalideceu e seu coração disparou, mas ela conseguiu aparentar compostura. Era desconcertante ter aqueles olhos cinzentos fixos nela, mas toda a sabedoria e a fixidez do olhar não eram capazes de alterar a pura verdade.

— Bem — disse ela, com a voz mais calma que conseguiu. — Não desejo ofender, mas acho que é a pura verdade que, como artista do tear, eu não tenho rivais, na terra ou no Olimpo.

— É mesmo? — Atena levantou uma sobrancelha. — Vamos ver, então. Você quer ir primeiro…

— Não, por favor… — Aracne vagou seu assento e apontou para o tear. — Depois da senhora.

Atena examinou a estrutura.

— É, vai servir — declarou. — Púrpura focense, estou vendo. Nada mau, mas eu prefiro a tíria. — Assim dizendo, puxou do saco uma quantidade de lãs coloridas. — Agora, então…

Dentro de segundos, ela estava em ação. A naveta de madeira voava para trás e para a frente e, magicamente, começaram a aparecer imagens maravilhosas. O grupo se aproximou. Todos viram que Atena estava trazendo à vida nada menos do que a história dos próprios deuses. Lá estava a castração de Urano em todos os seus detalhes macabros; como o sangue parecia grudento. O nascimento de Afrodite; como a maresia era fresca e úmida. Havia um painel que mostrava Cronos engolindo os filhos de Reia, e aqui outro, de Zeus bebê sendo amamentado por Amalteia. Atena chegou a tecer na tapeçaria a história de seu próprio nascimento da cabeça de Zeus. Em seguida, vinha uma estonteante representação de todos os doze deuses entronados no Olimpo. Mas ainda não tinha acabado.

Como se deliberadamente para humilhar Aracne em público por sua presunção, Atena passou a criar painéis que mostravam o preço pago por mortais que ousaram se igualar ou achar que eram superiores aos deuses. No primeiro, ela mostrou a rainha RODOPE e o rei HEMO da Trácia, transformados em montanhas por ousarem se comparar em grandeza, como casal, a Hera e Zeus. Em outro painel, Atena teceu a imagem de GERANA, a rainha dos pigmeus, que proclamava que sua beleza e importância eram maiores, de longe, do que as da Rainha do Céu e tinha sido transformada, por uma Hera enraivecida, numa garça. No mesmo canto, ela teceu uma imagem de ANTÍGONA, que teve os cabelos transformados em serpentes por ato de atrevimento semelhante. Por fim, Atena adornou a borda de seu trabalho com desenhos de oliveiras – a árvore sagrada para ela –, antes de se levantar para receber a aclamação que lhe era devida.

Aracne foi amável ao se unir aos aplausos. A cabeça dela tinha rodado tão rapidamente quanto a naveta de Atena, e ela sabia exatamente o que ia criar. Um tipo de insanidade a assaltara. Vendo-se na posição não desejada de competir contra uma deusa do Olimpo, ela agora queria mostrar ao mundo não apenas que era melhor tecelã, mas que os humanos eram melhores do que os deuses, em todos os sentidos. Ela ficou com raiva de que Atena apresentasse um assunto tão grandioso como o nascimento e estabelecimento das divindades do Olimpo, e depois descrevesse fábulas tão grosseiras de húbris punidas. Bom, ela também podia jogar com as parábolas. Iriam ver.

Aracne sentou-se, estalou os dedos e começou. A primeira forma que veio à vida embaixo de seus dedos céleres foi a de um touro. Havia uma menina montada nele. Outro painel mostrava o touro subindo aos ares e atravessando o mar. A menina olhava para trás por cima das ondas na direção de rapazes correndo em pânico para os penhascos. Era isso mesmo? Seria aquela a cena do sequestro de Europa e aqueles meninos, Cadmo e seus irmãos?

Um murmúrio ergueu-se por parte dos espectadores, que se apertaram por todos os lados para verem melhor. A série de imagens seguintes tornou bem claro qual era a intenção de Aracne. Lá estava ASTÉRIA, filha dos Titãs Febe e Céos, desesperadamente se transformando numa codorna para tentar escapar das atenções vorazes de Zeus sob a forma de uma águia. Ao lado dessa, Aracne teceu uma imagem de Zeus como um cisne se insinuando em torno do corpo de LEDA, mulher de TÍNDARO. Depois, ele era um sátiro dançante perseguindo a linda Antíope; em seguida, o lascivo deus aparecia em uma de suas mais estranhas metamorfoses – uma chuva de ouro, sob cuja manifestação improvável ele podia ser visto claramente engravidando a aprisionada DÂNAE, filha do rei ACRÍSIO de Argos. Muitos desses arrebatamentos e seduções eram assunto de fofocas mortais. Era imperdoável Aracne trazê-los à vida em seda colorida. Seguiram-se mais cenas da depravada carreira de Zeus – a desafortunada ninfa Egina e a adorável Perséfone molestadas por ele sob a forma de uma serpente pintada. O rumor de que fora assim que Zeus certa vez tomara Perséfone, sua própria filha com Deméter, já tinha sido assunto de murmúrios; Aracne mostrar aquilo era um sacrilégio.

No entanto, Zeus não foi o único deus cujas histórias de depravação ela escreveu com fios. Agora, apareciam cenas de Poseidon, o deus do mar, mostrado, primeiro, como um touro, galopando atrás de ARNE, da Tessália, depois, disfarçado como o mortal ENIPEUS para ganhar o amor de Tiro e, finalmente, como um golfinho perseguindo a encantadora MELANTO, filha de Deucalião.

As pilhagens de Apolo foram as que apareceram a seguir: Apolo, a águia, Apolo, o leão, Apolo, o pastor, todos espoliando donzelas sem piedade ou vergonha. E Dioniso também foi retratado, disfarçado como um grande cacho de uvas para enganar a linda ERÍGONA, e em um ataque de mau humor, transformando ALCÁTOE e as MINÍADES em morcegos, por ousarem preferir uma vida contemplativa a uma de folia frenética.

Todos esses episódios e outros mais foram evocados pela arte de Aracne. Eles compartilhavam um tema comum: os deuses se aproveitando enganosa e muitas vezes selvagemente de mulheres mortais. Aracne completou o trabalho tecendo em torno dele uma beirada com flores e folhas de hera interlaçadas. Depois que acabou, ela calmamente empurrou a naveta para o lado e levantou para se espreguiçar.

A recompensa

Os espectadores recuaram horrorizados, fascinados e perturbados. A audácia da garota era de tirar o fôlego, mas não havia como negar a suprema perícia e maestria com que aquele trabalho ousado, mas blasfemo, tinha sido executado.

Atena se adiantou para examinar cada centímetro da superfície e não conseguiu ver defeito nem falha. Era perfeito. Perfeito, mas sacrílego e inadmissível. Em silêncio, ela rasgou a trama e despedaçou cada cena. Finalmente, incapaz de dominar a raiva, agarrou a naveta e a atirou na cabeça de Aracne.

A dor da lançadeira batendo em sua testa pareceu acordar Aracne de um transe. O que tinha ela feito? Que loucura a possuíra? Jamais poderia tecer outra vez. Seria obrigada a pagar um preço altíssimo por sua insolência. As punições que tinham sido impostas às garotas cujos destino ela registrara em sua tapeçaria não eram nada se comparadas às que a esperavam.

Ela pegou um pedaço de cânhamo grosso do chão.

— Sem tecer, não poderei viver! — exclamou ela, e correu para fora do chalé antes que tivessem tempo de impedi-la.

Os espectadores se juntaram à janela e à porta aberta e observaram, paralisados de horror, Aracne correr pela grama, jogar a corda por cima de um galho de macieira e se enforcar. Voltaram-se ao mesmo tempo para olhar Atena.

Uma lágrima rolou pela face da deusa.

— Ah, menina tola — disse ela.

O grupo de espectadores a seguiu num silêncio chocado, enquanto ela caminhava do chalé até a árvore. Aracne estava balançando na ponta da corda, seus olhos mortos saltando da cabeça.

— Um talento como o seu não pode morrer nunca — declarou Atena. — Você há de fiar e tecer durante todos os seus dias, fiar e tecer, fiar e tecer…

Enquanto ela falava, Aracne começou a se enrugar e encolher. A corda em que estava pendurada se esticou num filamento fino de seda brilhante que agora ela puxava, não mais uma garota, mas uma criatura destinada a sempre, atarefadamente, fiar e tecer.

Foi assim que apareceu a primeira aranha – o primeiro aracnídeo. Não foi uma punição como alguns acham, mas um prêmio por vencer uma grande competição, um prêmio para uma grande artista. O direito de trabalhar e tecer obras-primas perpetuamente.