Aquiles e Mêmnon

Mêmnon era um gigante negro, filho de Titono e Aurora. Ao saber que Príamo, irmão de seu pai, estava em apuros em sua Tróia sitiada, acorrera com todos os seus exércitos para ajudar a defender a cidade.

— Meu filho Aquiles — dissera sua mãe, Tétis, ao saber da chegada do guerreiro. — Não luta contra este terrível inimigo, pois se o fizer, haverá de vencê-lo…

— E daí…? — perguntara o herói grego. — Que mal haverá em vencê-lo?

— Você não me deixou terminar, adorado filho — disse Tétis, silenciando Aquiles. —

Está determinado pelos deuses que após matar Mêmnon será você o próximo a baixar às sombrias moradas de Plutão.

Aquiles, então, decidiu combater em outra frente, a fim de evitar um confronto que, mesmo lhe sendo favorável, seria o primeiro passo para a sua própria morte.

Porém, se Aquiles tinha uma mãe previdente para velar por seus atos, o gigante etíope não lhe ficava atrás, pois sua mãe Aurora logo acorreu, também, ao campo de batalha, para lhe dar a alegre notícia.

— Nada tema, meu querido Mêmnon — disse a deusa de róseos dedos. -Siga ceifando vidas à vontade, eis que o cruel Aquiles, em lhe matando, estará matando a si próprio!

Mêmnon, com um sorriso que iluminou suas faces negras como o ébano, empunhou com mais vigor e gosto a sua lança banhada do sangue grego e retornou à luta, sem temer que a mão poderosa do invencível Aquiles se abatesse sobre ele.

Ora, entre os combatentes aqueus — nação predominante entre as hostes gregas — havia um de inexcedível valor: Antíloco, filho de Nestor, rei de Pilos, o mais velho dos gregos. Fora Antíloco quem levara a Aquiles a notícia da morte de seu querido amigo Pátroclo, morto pela fúria do troiano Heitor. Desde então, tornara-se o amigo dileto do grande guerreiro.

Antíloco estava à frente das muralhas da sagrada Tróia, junto com seu pai Nestor, quando Mêmnon começou a destroçar os exércitos gregos.

— Cuidado, meu pai! — alertara Antíloco ao pai, por diversas vezes, ao perceber que este se expunha demais à lança inimiga. O velho Nestor, apesar da idade, estava enfurecido pela maneira com que o gigante negro exterminava os gregos.

— Ainda resta um pouco de força em meus velhos braços para afrontar este cão negro!

— bradou o velho Nestor, brandindo a custo a sua espada.

Mêmnon, arreganhando os dentes, investiu, então, contra o velho.

— Grande glória caberá a mim por haver matado Nestor, o homem que já reina sobre a terceira geração de súditos!

Antíloco, vendo que a funesta mão da morte se aprestava a dar cabo da vida de seu pai, lançou-se entre o peito de Nestor e a lança que inevitavelmente o trespassaria.

— Melhor assim! — exclamou Mêmnon. — Terei a glória de matar, antes do pai, o próprio filho. — E empurrou com toda a força sua lança de cabo comprido no peito de Antíloco, após atravessar o escudo de três couros de boi superpostos e mais uma camada de duro bronze.

Antíloco caiu morto aos pés de Nestor, mas, graças aos seus homens, Nestor de alvas barbas foi salvo da mesma lança assassina que ceifara a vida de seu filho.

Enquanto isto Aquiles, combatendo noutro lado, após matar muitos troianos, recebia finalmente a notícia da morte do amigo.

— Mãe Tétis! — bradou Aquiles, desvairado. — Outra vez as Parcas decidem me submeter à mesma dor! Depois de ter de suportar a perda de Pátroclo fiel, terei agora de suportar, também, a de Antíloco audaz?

Tétis, assustada, correu até o filho, pois pressentia o pior.

— Aquiles, não queira vingar a morte de seu amigo — disse ela, agarrando o braço do amado filho. — Lembre-se de minha advertência e suspenda o ódio que levanta agora a sua espada!

Mas Aquiles estava, outra vez, tomado pela ira — e todos haviam aprendido, desde a morte de Heitor, o quanto a sua ira, uma vez acesa, era cruel e implacável.

Dirigindo seu carro para lá, chegou a tempo de presenciar encarniçada batalha.

— Já vejo, por entre os reluzentes elmos de escuros penachos, um elmo ainda mais alto e brilhante que todos! — gritou Aquiles a Automedonte, seu valoroso condutor.

— Sim, Aquiles de pés ligeiros, é Mêmnon, o cruel carniceiro da nação dos etíopes quem lavra a morte em nossas fileiras — disse Automedonte, com o ódio a arder dentro de sua couraça.

Aquiles, desmontando do carro, fora a pé com suas armas e seu escudo enfrentar, em combate singular, o terrível sobrinho de Príamo, nutrido pelos deuses.

— Ah! — bradou Mêmnon, erguendo a cabeça de elmo flamejante. — Eis que o filho de Tétis, criado entre virgens e delicadas moças, deixa finalmente o medo e vem me enfrentar!

Aquiles, empunhando a lança, bradou também ao gigante:

— Funesto momento é este que se prepara para você, cão etíope, onde o seu sangue negro haverá de se misturar à sua pele escura!

E arremessou incontinenti a sua lança. Mas pela primeira vez Aquiles errou o seu arremesso — pois tinha pela frente desta vez, um inimigo verdadeiramente à sua altura.

— Agora é a minha vez! — disse Mêmnon, com um grito de triunfo.

Mêmnon arremessou a sua lança: o comprido dardo fendeu os ares, lançando ao ar um assobio assustador, indo atingir a mão direita de Aquiles. O grego, entretanto, que só era vulnerável no calcanhar, com a mesma mão sacou sua espada e desferiu um golpe terrível sobre o ombro do gigante negro, que deu um grande grito de dor.

Enquanto os dois guerreiros trocavam seus terríveis golpes, Tétis e Aurora, as mães dos dois, correram, aos prantos, até os pés de Júpiter, pai dos deuses, para implorar pela vida de seus respectivos filhos.

— Pai supremo, que nutre os nervos e os ossos dos dois combatentes! -disse Tétis. —

Poupa a vida de meu Aquiles, eis que é o maior dos guerreiros que combatem diante destas malsinadas muralhas!

— Se é por isto, então que vença meu amado Mêmnon, eis que ousa enfrentar o maior e mais capaz dos guerreiros! — brada Aurora de róseos dedos.

Júpiter, então, tomando da balança, fez pesar o destino dos dois combatentes, e o peso de Mêmnon baixou mais que o de Aquiles.

— As Parcas decidem que o fio da vida do sobrinho de Príamo deve ser rompido — diz o deus supremo, comunicando o decreto irrevogável.

Nesse instante Aquiles vibrou um golpe com sua poderosa espada, lançando para os céus o gigantesco escudo de Mêmnon — tão grande que por um instante pareceu haver dois discos solares pairados no ar. Depois, tendo à sua mercê o inimigo, largou fora a espada e, tomando da sua lança de freixo, herança de seu pai, Peleu, avançou para o gigante com destemor na alma.

O gigante, mesmo assim atrevido, expôs sua couraça aos temíveis golpes de Aquiles, dizendo:

— Escolha um lugar, mosquito arrogante, e ainda assim vibrará seu golpe em vão, pois que minha armadura é invulnerável como a sua, produto que é da arte consumada de Vulcano, deus das forjas!

Aquiles aproximou-se e, divisando uma fenda na parte inferior do queixo, desprotegida pelo capacete de negro penacho, empurrou, de baixo para cima, a sua lança de ponta brônzea e aguçada, a qual entrou pela boca adentro de Mêmnon, cortando sua língua e indo além até abrir uma cratera em seu capacete, na parte de cima. Pedaços de miolos do gigante negro espirraram para o alto e ele permaneceu em pé, apoiado à lança.

— Agora cai, gigante, como cai o alto cedro! — disse Aquiles, retirando a arma.

O gigantesco Mêmnon caiu do alto, e sua armadura retiniu intensamente sobre o chão cobrindo-se de pó misturado com seu próprio sangue.

A deusa dos dedos róseos lançou um grito estridente que atroou os céus: seu filho Mêmnon estava morto, enquanto sua alma, apesar de tudo coberta de glória, uma vez que o fazia pela mão de Aquiles, o maior dos guerreiros, baixava rapidamente ao Hades sombrio.

Mas antes que os gregos se apoderassem do corpo do audaz Mêmnon, Aurora correu até Tétis, mãe do vencedor Aquiles, e clamou:

— Tétis, deusa e mãe como eu, provará em breve a mesma dor que agora provo; por isto peço que afaste seu irado filho do corpo do meu, que jaz ali abatido — ai, em quão miserável estado! — e que permita que o leve para sua terra, para que lá possa receber as lágrimas dos seus e gozar dos ritos fúnebres a que tem direito.

Tétis, penalizada, concedeu, e assim, Aurora, de dedos tornados escarlates, tomou nos braços o corpo ensanguentado do filho para levá-lo até as margens do rio Esepo. Ali os seus súditos juntaram seus lamentos aos de toda a natureza, e desde aquele dia Aurora, inconsolável, derrama ao amanhecer as suas lágrimas copiosas conhecidas pelos humanos como orvalho, sobre os campos.