A Escuridão

O SIGNIFICADO DA ESCURIDÃO

Este post é uma pequena reflexão que pode servir de base para contos em Anthares, já que temos outros temas semelhantes que servem como núcleo ou são até personagens (vide O Silêncio).


A Bíblia fala sobre diversos tipos de escuridão. Há a escuridão do segredo (ou da maldade), uma escuridão amada pelas pessoas cujos atos são maus (Jo 3-19). Os cristãos foram chamados dessa escuridão para a luz da plena revelação e do pleno perdão (1Pe 2.9). A mortalha ensombrecida da escuridão desse tipo, como as ruas da Londres de Dickens, mantém os atos malignos escondidos. Ela não tem lugar algum na natureza de Deus. Nele não há escuridão; nenhuma região mantida em segredo para evitar a revelação de uma falha (1Jo 1.5).

Judas se refere a um conceito correlato quando nos diz que os anjos rebeldes são “guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia” (Jd 1.6). Esta é a escuridão do Juízo, aquela coisa terrível que acontece quando Deus, que é luz, se retira completamente.

Mas há um terceiro tipo de escuridão mencionado nas Escrituras. É a escuridão que cobria as águas, para dentro da qual Deus falou quando criou a vida. Essa escuridão está mais relacionada à desordem e ao caos aleatório do que à maldade oculta ou ao castigo da maldade.

É a escuridão sobre a qual o Espírito de Deus pairava na primeira cena das Escrituras, sugerindo a expectativa de que algo estava por acontecer. Essa é a escuridão da Confusão, do acaso que está prestes a dar lugar à luz da ordem e da beleza, um caos inútil totalmente destituído de forma e de qualquer fagulha de luz, mas, ainda assim, um caos que pode ser transformado em algo maravilhoso.

As trevas da confusão são tão espessas que fazem cessar todo movimento natural. Quando Deus cobriu o Egito de trevas (a mesma palavra que aparece em Gênesis 1.2 é usada em Êxodo 10.21-22), foram trevas que podiam ser apalpadas. Ninguém se moveu por três dias.

Quando o guia turístico apaga as luzes numa caverna não precisa dizer às pessoas que fiquem imóveis. Na escuridão que elimina totalmente a visão, ninguém se move.

Quando Deus deu a lei no monte Sinai, a montanha ficou cercada por “trevas, e nuvens e escuridão” (Dt 4.11, de novo a mesma palavra). O povo, diz a passagem, ouviu “as palavras, m as [eles] não viram forma alguma-, apenas se ouvia a voz” (Dt 4.12).

Nas trevas da confusão, você não pode ver mas pode ouvir; pelo menos, pode ouvir a voz de Deus. O movimento natural, do tipo que depende da visão, cessa completamente na escuridão. Mas, o movimento sobrenatural, tanto o movimento de Deus quanto o movimento do homem que anda pela fé, em vez de pela vista, é possível mesmo na mais negra escuridão.

Quando a cortina se ergue e o drama bíblico começa, imediatamente vemos Cristo no centro do palco. A história tem início com Deus confrontando a esfera original de mistério: as trevas que cobriam as águas sem forma, vazias. Não havia desígnio, nem ordem, nem beleza, nem vida – apenas escuridão.

(O Silêncio de Adão, p. 75ss)