A Caixa de Pandora

Epimeteu era irmão de Prometeu, o titã que modelou o primeiro homem do barro. No entanto, este, por desavenças com Zeus, acabara por incorrer na sua ira.

Temendo que Zeus viesse a querer se vingar dele ou do gênero humano, Prometeu decidiu um dia alertar o seu desavisado irmão:

— Epimeteu, tome cuidado com os presentes que receber de Zeus — disse Prometeu, chamando-o para um canto. — Já há algum tempo que ele anda furioso comigo, porque ousei roubar o fogo dos céus para levá-lo aos homens.

Epimeteu escutou com atenção as palavras judiciosas do irmão e logo as esqueceu com o mesmo empenho.

Enquanto isso, no Olimpo, Zeus já havia ordenado a Hefesto — que tinha também as suas veleidades de artífice — que criasse uma nova criatura, uma parelha para o homem.

— Deixa comigo — disse o deus das forjas.

Fechando-se em sua fuliginosa oficina com a deusa Atena, os dois entregaram-se com extraordinário denodo à interessante tarefa. Decorrido algum tempo, a obra estava pronta.

— Nunca nada de mais perfeito saiu de suas talentosas mãos, excelente Hefesto! — disse Atena, entusiasmada.

— Graças a você, cara amiga, que me auxiliou com seus proveitosos conselhos! — disse Hefesto, devolvendo o elogio.

Diante dos dois estava um linda mulher, quase tão bela quanto a mais bela das deusas.

Seus olhos era azuis como o mais límpido céu e de sua boca vermelha e úmida partia um hálito fresco e perfumado. Sua pele era macia como o mais macio dos veludos e recobrindo-a por inteiro havia ainda uma delicada penugem, que lembrava em tudo a maciez da casca do pêssego.

Seus membros, por sua vez, eram delicadamente proporcionados, tendo sido exilada deles à força, em proveito da graça. A frente do peito da encantadora criatura, Atena coloca dois pomos que tinham o prodígio de serem, ao toque, ao mesmo tempo macios e firmes, coroando-os ainda, num requinte de perfeição, com duas delicadas protuberâncias, que lembravam duas pequenas cerejas.

Suas curvas eram perfeitas. De cada flanco do corpo desciam duas linhas curvas voltadas para dentro, expandindo-se somente à altura da cintura para dar lugar a um estonteante panorama, tendo ao centro um triângulo hermético, que guardava dentro de si todos os segredos da vida e de sua procriação.

— Vamos, levemos já nossa invenção a Zeus, para que ele nos dê logo a sua aprovação!

— disse Atena, tão confiante que já dava por certa a aprovação de seu exigente pai.

E não foi de outra maneira. Tão logo o deus dos deuses pôs os seus olhos sobre a nova criatura, eles encheram-se de um brilho intenso.

— Hefesto e Atena, vocês excederam-se em tudo o que se refere à beleza! — disse Zeus, aplaudindo com entusiasmo a obra que tinha diante de si.

— Batizamos ela de Pandora, meu pai — disse Atena. — O que acha deste nome?

— Pandora, Pandora — repetiu Zeus, deliciado. — Tem um som volátil, alado…

Magnífico!

Antes, porém, de dispensar a criatura, chamou-a a um canto.

— Venha cá, Pandora, tenho um presente para você. Quero que você leve isto aos mortais como sinal de meu apreço por eles — disse Zeus, entregando-lhe uma caixa dourada, ricamente trabalhada com arabescos e filigranas de prata.

Pandora arregalou os olhos ao ver diante de si aquele presente tão magnífico. Sem poder conter-se, quis logo abrir a maravilhosa caixa, mas foi impedida pelo autor do presente.

— Não, minha filha, não faça isto! É para ser mantida sempre assim, hermeticamente fechada.

— Herpétia o que, poderoso deus? — disse Pandora, com um arzinho encantadoramente confuso.

— Esqueça, querida, esqueça. Não é para ser aberta em ocasião alguma, compreendeu?

— Sim, sim, compreendi! — disse Pandora, semicerrando os seus soberbos olhos anis.

“Por Zeus, acho que esqueci de um pequeno detalhe… !”, pensou Atena, consigo mesma, ao analisar melhor a criatura.

Hefesto, no entanto, permanecia satisfeitíssimo com a sua invenção, demonstrando ser em tudo um pai digno da filha, menos na beleza, é claro.

— Pode ir, minha menina, vá em paz — disse Zeus, despedindo-se dela com um aceno.

No mesmo dia, os dois presentes chegaram às mãos de Epimeteu, que não sabia qual deles admirar mais. Mas em breve fez logo a sua escolha: nada podia ser mais admirável do que aquela encantadora criatura que se chamava Pandora.

Entusiasmado, Epimeteu decidiu instalá-la em seu quarto. Depois que ele havia se retirado, Pandora pegou sua caixa dourada e prateada e pôs-se a examiná-la detidamente, virando-a de todos os lados. Seus olhos azuis refletiam todo o brilho do magnífico receptáculo.

— O que haverá aí dentro? — disse baixinho, refrescando o ar com seu hálito balsâmico.

Por várias vezes a encantadora Pandora hesitou se abria ou não a fantástica caixa. Mas, depois, depositando o precioso objeto ao lado do travesseiro, adormeceu profundamente.

Sonhou então que de dentro da caixa saíam, como por mágica, cavalos alados da cor do mar e aves luminosas de diversos tons esmeraldinos. Dos bicos prateados das gigantescas aves originava-se uma canção de magnífica beleza, que a enterneceu até o âmago mais profundo da alma. Homens e mulheres abraçavam-se nus, em pleno ar, ao som desta canção embriagadora, misturando-se àquelas criaturas de tal modo, que pareciam ter asas como elas.

Despertando com aquele sonho maravilhoso, Pandora estendeu a mão imediatamente para o seu presente. Não podendo mais conter o seu desejo, ergueu a tampa numa volúpia insana de curiosidade que lhe pôs na espinha um arrepio gelado.

Nem bem ergueu um pouquinho a tampa dourada, Pandora sentiu-a ser arrebatada das mãos, caindo ao chão, longe da cama. Assustada, ainda assim manteve o objeto preso entre as mãos. Pandora viu escapar de dentro da caixa algo a princípio sem forma. Parecia que todos os ventos do mundo se escapavam desordenadamente dali, na pressa da fuga. Imediatamente um deles tomou a forma de uma caveira volátil, parecendo toda feita de cristal e de vento. Tomando uma dimensão assustadora, a caveira aproximou seu rosto brilhante do rosto da pobre moça, que tremia de medo. Podia sentir na face o bafo mortalmente gelado que passava por entre os dentes de gelo, completamente arreganhados, da horrenda caveira.

Por alguns instantes aquela face terrível a mirou com suas órbitas vazias, estudando-a sempre com seu sorriso de vidro. Depois seus maxilares bateram repetidas vezes, um de encontro ao outro, aumentando cada vez mais o ritmo a um ponto tal que ela somente podia ver aquela fileira transparente de dentes martelando-se uns aos outros, parecendo inevitável que se fariam em pedaços diante de seus olhos atônitos.

Algo parecido a uma gargalhada escapava por entre os rápidos intervalos das batidas dos maxilares, que ela não sabia precisar se era um gargalhada de escárnio ou um lamento de dor.

Pandora estava prestes a desmaiar, quando a caveira foi se tornando gasosa outra vez, transformando-se num grande e gelado vapor que fugiu pela janela do quarto, perdendo-se no mundo.

Depois surgiram vários rostos deformados, cobertos de pústulas, que se erguiam da caixa como se fossem o retrato horrendo da Doença. Depois de assoprarem sobre seu rosto o bafo doentio das febres renitentes, arremessaram-se também pela janela atrás da primeira criatura, finalmente libertas. Dentre as tantas criaturas que escaparam da caixa, Pandora teve o desgosto de ver personificados todos os vícios que viriam a acometer no futuro a alma humana.

A Inveja lhe apareceu, assim, sob a forma de uma mulher velha, cujos cabelos finos e prateados como teias de aranha esvoaçavam ao ar. De dentro dessa moita prateada, aranhas negras teciam freneticamente com as patas negras mais e mais fios, de tal forma que uma nuvem esfiapada cobria a cabeça inteira da velha hedionda. Seus olhos amarelos, raiados de sangue, fuzilavam aquele belo rosto que, sabia, jamais teria igual. Da boca escapou uma baba verde, que lhe escorria pelo queixo em cordas pendentes. Com elas a velha teceu uma corda musgosa e nojenta, com a qual envolveu o pescoço de Pandora, decidida a estrangulá-la. Algo, porém, a impediu de completar seu ato. Dando um grande uivo de raiva, ela recuou para trás. Depois ergueu a mão ossuda no ar e, franzindo os dedos como quem agarra algo, sacudiu-a em direção ao seu alvo, Pandora. Depois, arremessou-se subitamente pela janela, dando um silvo agudo e penetrante.

A Gula, sob a forma rotunda de uma mulher imensamente nua, escapou-se também da caixa. Suas banhas e graxas sacudiam, caindo umas por cima das outras, em grossas camadas. De toda ela escorria um suor pegajoso, como se suasse azeite por todos os poros. Suas bochechas pareciam prestes a explodir, e de seus olhos escorria uma graxa amarela e malcheirosa, que ela lambia com furor assim que lhe chegava aos lábios inchados.

Pandora, embora aterrorizada, não conseguia fechar a maldita caixa, involuntariamente fascinada com o que assistia, sem saber como pudera desencadear tantas desgraças. Lançando-se de joelhos ao chão, encontrou finalmente a tampa caída a um canto. Enquanto rastejava para alcançá-la sentia rodopiar acima de si uma legião de demônios — a Avareza, a Arrogância, a Crueldade, o Egoísmo, todos os vícios e defeitos humanos dançavam uma ciranda infernal sobre a sua cabeça, até que, arremessando-se à caixa, conseguiu finalmente fechá-la.

Mas o mal já estava feito. Percebendo que nada ficara lá dentro, olhou ainda uma vez para o fundo da caixa fatídica. Um rosto maravilhosamente belo e eternamente jovem, no entanto, a observava dali.

— Quem é você? — disse Pandora, ainda temerosa.

— Eu sou a Esperança — disse simplesmente o belo rosto.

Foi carregando esse valioso presente que Pandora se apresentou diante dos homens.


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