Profetas do Antigo Oriente Próximo

A maior fonte de registro histórico sobre os profetas, de longe, é a Bíblia. E ela representa com bastante precisão o contexto geral do profetismo de todo o Antigo Oriente Próximo.

Por meio dos profetas, o Deus invisível torna-se audível. Sem a voz deles é impossível uma teologia bíblica. Penetrando o coração humano, suas palavras cheias de luz trazem o reino de Deus à terra. Os profetas interpretam a história de Israel, explicando os fracassos do povo como resultado de sua infidelidade à aliança e a certeza de seu destino como resultado da fidelidade de Deus à aliança. O destino de Israel como salvador das nações não é apenas o fim da jornada, é a razão de ser da jornada.

O vocábulo “profecia” deriva do verbo gregoprophêmi (“dizer antes ou de antemão”). Antes de Samuel, quem transmitia os oráculos divinos era chamado rõ’eh (“vidente”) ou então se afirmava que sua atividade era hãzâ. Os dois termos designam a pessoa como clarividente e observadora da esfera divina (1Sm 9.9). Balaão, vidente pagão, descreve sua experiência: “Aquele que ouve o que Deus diz e conhece o pensamento do Altíssimo; aquele que vê [hãzâ] as visões de Shadday; aquele que perde a consciência, mas cujos olhos estão descobertos” (Nm 24.16,17, TA). O vocábulo “profeta” é tradução do termo hebraico nãbV, que a LXX traduz com o prophêtês (“aquele que fala em nome de um deus e interpreta a vontade divina ao homem”). O nãU’ é alguém chamado e nomeado por Deus para ser seu porta-voz (2Rs 9.1; 2Cr 12.5; Jr 1.5). Em outras palavras, um profeta é a boca humana de Deus.

Deus emprega o termo nãhV para indicar a relação entre Moisés, que é a fonte de revelação, e Arão, que é a boca de Moisés. Iavé diz a Moisés que Arão “será a tua boca, e tu serás como Deus para ele” (Êx 4.16). Posteriormente, Iavé reafirma a ideia, agora empregando “teu profeta”, em vez de “tua boca”: “Eu te constituí como Deus para o faraó, e Arão, teu irmão, será o teu profeta” (Êx 7.1). Amós expressa a mesma ideia: “Certamente o Soberano Iavé nada faz sem revelar seu plano a seus escravos, os profetas […]. O Soberano Iavé falou — quem pode deixar de profetizar?” (Am 3.8, TA). Em suma, como diz Herbert B. Huffmon: “Um profeta do Senhor é a pessoa que por meios não técnicos (e.g., extispício, hepatoscopia, adivinhação por meio de sacrifício de crianças, agouros e sinais, feitiçaria, espiritismo) recebe da parte de Deus, mediante sonhos, visões e/ou audições, uma mensagem para transmissão a uma terceira parte (c£ Dt 18.9-14)”.

O profeta usa vários títulos. “Homem de Deus” denota o profeta como devoto, piedoso, dedicado (Dt 33.1; ISm 9.6; 2Rs 8.11); “guarda”, como alguém que anuncia uma condenação ou uma bênção iminente (Is 21.11; Os 9.8); “escravo/servo de Iavé”, como alguém que tem uma missão dada por Deus, não uma que ele próprio inventou (2Rs 21.10; 24.2; Jr 25.4; 26.5; Am 3.7). “Mensageiro” (hebr., maVâk = gr. angelos) designa o profeta como um plenipotenciário da parte de Iavé nos céus a uma pessoa na terra (Is 42.19; Ml 3.1). O profeta faz o papel de um “anjo” (tb. hebr., maPâk); anjos e profetas são emissários que levam a mensagem de Deus aos seres mortais, mas, ao contrário dos anjos, os profetas também são seres mortais. Numa visão, porém, Isaías se vê no meio de serafins, na corte celeste, e se oferece para substituí-los como emissário de Deus a Jerusalém (Is 6.1-8; veja adiante).

Alguns profetas eram profissionais; outros, como é o caso de Amós, não eram: “Não sou nenhum nãbí’ nem filho de nãbí’; sou pastor e cultivador de sicômoros” (Am 7.14, TA). Os profetas profissionais eram considerados parte da classe social governante, com os reis, príncipes, sacerdotes e sábios (Is 3.2,3; 28.7; Mq 3.11; Jr 2.26; 4.9; 6.13; 8.1; Ez 13.9). Em consequência, alguns eram vinculados à corte do rei (2Sm 7.1-17; 12.1-15; IRs 1.8,10,11,22,32; 2Sm 24.11,18), assim como havia adivinhos e “homens sábios” nas cortes orientais (Gn 41.8; Is 19.3,11,12; D n 1.20; 2.2). Às vezes, eram consultados sobre o futuro ou sobre o resultado de um empreendimento público ou particular (1Sm 28.6; 2Sm 7.1-7; IRs 14.1-16; 22.5-28; 2Rs 6.21,22; 8.7-15; 22.14-20; Is 38.1-4; Ez 14.3-10). Em outras oportunidades, sem terem sido chamados, eles intervinham por ordem de Deus (2Sm 12.1-15; 24.11-14,18,19; IRs 11.29-39; 13.1-3; 16.1-4). Muitas de suas profecias são desconhecidas porque seus livros se perderam (2Cr 9.29). Por atuarem na opulenta corte do rei, eram tentados a dizer ao rei apenas o que ele queria ouvir — sendo, é claro, remunerados por isso.

Quando Israel caiu no abismo moral, as quatro instituições que Deus estabeleceu para firmar o reino — o rei (com o poder militar e político), o sacerdote (com o catecismo divino), o profeta (com a palavra divina) e o sábio (com o conselho divino) — foram dominadas pela ganância e levaram o povo a se desviar. Na verdade, as quatro instituições se organizaram contra os profetas verdadeiros, que defendiam os ideais da aliança de Israel (Jr 18.18). Alguns eram “falsos profetas” ou, melhor dizendo, “profetas mentirosos”. Como parte de seu juízo sobre a nação, Iavé inspirava-os com visões enganadoras, a fim de incutir uma falsa segurança na nação impenitente (veja adiante). Se iludissem a nação, Iavé removia a presciência de tais profetas: “A noite virá sobre vós sem visão; e haverá trevas para vós sem adivinhação. Assim o sol se porá sobre os profetas, e o dia escurecerá sobre eles […]; todos eles cobrirão os lábios, porque não haverá resposta de Deus” (Mq 3.6,7).

Todos os povos do antigo Oriente Próximo tinham seus adivinhos, videntes ou feiticeiros que afirmavam ser capazes de penetrar a esfera divina e predizer o futuro (veja Dt 18.9-13; IRs 18.19,25,40). Mas nenhum rivaliza com os profetas de Iavé (Deus de Israel) em suas audições diretas, profecias específicas, planos completos e imperativo moral. Em seu excelente tratado sobre a profecia. Paul van Imschoot, teólogo católico romano, escreve:

Suas profecias são tão abrangentes e ao mesmo tempo tão específicas que envergonham os profetas pagãos (is 41.21-29). A especificidade e o cumprimento notáveis dessas profecias e, quando vistas em sequência, sua magnífica e abrangente compreensão da história são de uma glória incomparável com qualquer outra literatura. Em termos claros e precisos, predizem, de um lado, a queda de Samaria diante de Nínive e de Jerusalém diante da Babilônia e, de outro, a queda de Nínive e da Babilônia e a reconstrução de Jerusalém. Com frequência, suas profecias de condenação são apresentadas no momento em que a nação se encontra no auge do seu poder, e suas profecias de salvação, quando a situação parece mais desesperadora. Por exemplo, contra todas as probabilidades, Miqueias e Isaías predisseram a derrota miraculosa do exército de Senaqueribe às portas de Jerusalém quando seu exército havia inundado o Oriente Próximo como um dilúvio (veja Mq 2.12,13; Is 37.21-38). Para além desse futuro mais imediato, os dois profetas, que eram contemporâneos, predisseram o nascimento de Cristo em Belém, sua morte expiatória, ressurreição, ascensão e glorificação (Mq 5.2; Is 7.14; 52.13—53.12). Anos mais tarde, Jeremias predisse a queda de Jerusalém, embora isso quase lhe tenha custado a vida. Jeremias, quando desafiado pelo falso profeta Hananias, predisse com exatidão a morte de Hananias naquele ano (Jr 28.16,17). Para além do exílio, porém. Jeremias predisse uma época em que o Senhor faria uma nova aliança com Israel (Jr 31.31-34), a saber, como ocorre hoje (2C0 3.1-3; Hb 8). Algum tempo mais tarde, Ezequiel, enquanto estava no exílio, proclamou várias profecias surpreendentes, para que Israel soubesse que o Senhor falava por intermédio de seu mensageiro (Ez 2.5; 5.13) e que ele é o Senhor (Ez 6.7,10,13,14).

Os críticos históricos negam a possibilidade da presciência. N um consenso que se equipara a qualquer outro fundamentalismo, afirmam que, embora uma profecia dê a impressão de previsão, ela é na realidade um vaticinium ex eventu — uma “profecia” depois do acontecimento. Os teólogos do processo rejeitam a profecia verdadeira porque, para eles, o divino faz parte do Universo e não conhece o futuro, mas está no processo de ser modelado pelo Universo. Se qualquer uma das duas opiniões estiver correta, na melhor das hipóteses profetas como Isaías estão enganados, e, na pior, são impostores, mas em nenhum dos casos são santos e fidedignos. O assombroso cumprimento de suas profecias (conforme assinalado acima), o crescimento contínuo do reino de Deus num mundo hostil, de acordo com suas profecias, e o imperativo moral de suas palavras transmitem confiança e zombam daqueles que se lhes opõem.

Pelo fato de os profetas verdadeiros representarem o Deus incomparável, suas mensagens e feitos impressionantes são incomparáveis. O sublime caráter divino inspira os oráculos dos profetas. O verdadeiro profeta de Iavé tem de ser um israelita que represente a santa aliança com Deus intermediada no Sinai (Dt 13.1-5) e que prediz com precisão o futuro imediato (Dt 18.14-22). Satisfeitos esses três critérios, o povo de Deus pode confiar que tal profeta os conduzirá pelo caminho que leva ao céu (Is 41.21-29).

A profecia cessou em Israel com Malaquias, até que a nação ouviu a voz de João Batista. Malaquias conclui a profecia do AT com a promessa de que Deus enviará seu mensageiro, “Elias”, o qual irá preparar o caminho para a vinda futura de Deus ao seu povo (Ml 3.1; 4.5). Não se declara que a profecia está terminando, mas depois de algum tempo alguns percebem que ela terminou. Três vezes o autor de 1Macabeus (4.46; 9.27; 14.41) — no geral, um historiador ponderado, de acontecimentos que vão da acessão do rei selêucida Antíoco IV (175 a.C.) até o reinado do sumo sacerdote João Hircano (134-104) — diz que a profecia havia cessado em Israel e deixa implícito que isso acontecera havia um bom tempo. Josefo, o historiador judeu (c. 90 d.C.), diz que, por volta da época de Artaxerxes da Pérsia (c. 450 a.C.), “a exata sucessão dos profetas deixa de existir”.^® Nem Esdras nem Neemias são profetas, e nenhum profeta os impulsiona a se lançarem em sua missão nem os encoraja e dirige. Os reformadores, prováveis sucessores dos profetas, repreendem o pecado dos que regressaram, porém não mencionam nenhum profeta contemporâneo. N o passado, quando os israelitas iam consultar {dãrash, lit. “buscar”) a Deus, eles procuravam um profeta (1Sm 9.9; IRs 14.5; 22.5), enquanto Esdras se dedica ao estudo {dãrash) da Lei de Iavé e ao ensino de seus decretos e leis em Israel (Ed 7.10).

Benjamin D. Sommer diz que, à época dos asmoneus, a maioria das pessoas reconhecia que a profecia verdadeira havia cessado e assinala que judeus recorriam a outras práticas para ter acesso direto à palavra de Iavé: a reutilização e interpretação de textos mais antigos, pseudepigrafia e várias formas secundárias de contato com Deus, como o bat qôP° dos rabinos. Sommer acrescenta que, os judeus do período do Segundo Templo deixaram de acreditar que a profecia existiria eternamente, mas aguardavam que ocorresse um reavivamento da profecia com a chegada dç um redentor supremo:

Consequentemente, no período de agitação messiânica e nos grupos messiânicos, quando alguém afirmava profetizar, considerava-se possível tal afirmação. Dentro desses grupos, quando alguém declarava profetizar, tal declaração não tinha o propósito de questionar a noção de que a profecia havia desaparecido […]. É correto dizer pela exegese que houve um declínio da profecia ou uma transformação da profecia durante o período do Segundo Templo.

Nesse contexto, João Batista aparece de repente no deserto como uma lâmpada acesa e brilhante, cumprindo a profecia de Malaquias de que “Elias” prepararia o caminho para a vinda de Iavé (Ml 4.5[3.23]). Pessoas em todo o Israel agora se regozijam em sua luz e ouvem o testemunho de que Jesus de Nazaré é o Messias (Mt 3; 11.1-14; Mc 1.1-11; Lc 3.15-18; Jo 1.15-34; 5.33-35).

——– Retirado de Bruce Waltke – Teologia do Antigo Testamento.

Sobre o Profetismo de Israel, veja este outro post.

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