Uma palavra final sobre Epimeteu e Prometeu, os filhos de Clímene (ou Ásia), a Oceânide, e Jápeto, o Titã, e irmãos mais novos do Atlas que sustenta o céu e de Menoécio, explodido por um raio. Geralmente, afirma-se que Prometeu significa “premeditação” e Epimeteu, “reflexão tardia”, do que se infere que Epimeteu se jogava nas coisas sem pensar nas consequências, enquanto seu irmão mais velho, Prometeu, deliberava com mais perspicácia. Pode-se defender de modo convincente que não houve nada de especialmente cauteloso, premeditado ou presciente nas ações de Prometeu ao trazer o fogo para o homem. Foi impulsivo, generoso… até amoroso, mas não especialmente ajuizado. Epimeteu era também um indivíduo com disposição bondosa, bem disposta, e seus fracassos foram apenas… eu ia dizer humanos, mas dificilmente pode ser isso, porque ele era um Titã. Seus fracassos certamente tiveram consequências titânicas. A diferença percebida entre os irmãos é usada até hoje por filósofos para expressar algo fundamental a nosso respeito.
Nos diálogos de Protágoras, de Platão, o personagem título sugere um mito da criação um tanto diferente do aceito tradicionalmente.
Os deuses (assim diz Protágoras a Sócrates) resolveram povoar a natureza com novas cepas de vida mortal, já que, naquela época, só havia imortais no mundo. Com terra, água, o fogo divino e o sopro divino, criaram animais e o homem. Encarregaram Prometeu e Epimeteu da tarefa de distribuir entre essas criaturas os atributos e características que lhes possibilitariam ter vidas plenas e bem-sucedidas. Epimeteu disse que faria a distribuição e Prometeu viria examinar seu trabalho. Os dois irmãos concordaram nisso.
Epimeteu se lançou com entusiasmo à tarefa. Deu armadura a alguns animais – o rinoceronte, o pangolim e o tatu, por exemplo. A outros, quase aleatoriamente, parece, ele deu pelo grosso, à prova de água, camuflagem, veneno, penas, presas, garras, escamas, unhas afiadas, guelras, asas, bigodes e sabe-se lá mais o quê. Atribuiu velocidade e ferocidade, aquinhoou poder de flutuação, navegabilidade aérea – cada animal foi equipado com sua própria especialidade inteligentemente projetada, como habilidades em navegação, perícia em se entocar, construir ninhos, nadar, pular e cantar. Ele estava exatamente se congratulando por prover morcegos e golfinhos com ecolocalização quando se deu conta de que haviam sido os últimos presentes disponíveis. Ele tinha, com sua característica falta de previsão, deixado completamente de pensar no que concederia ao homem – pobre, nu, vulnerável, de pele lisa e duas pernas.
Epimeteu, cheio de culpa, foi até o irmão e perguntou o que deviam fazer, agora que não havia mais nada no fundo da cesta de presentes. O homem não tinha defesas para se armar contra a crueldade, astúcia e ganância desses animais, agora maravilhosamente armados. Os mesmos poderes que foram tão generosamente distribuídos entre os bichos certamente acabariam com a humanidade desarmada.
A solução de Prometeu foi roubar as artes de Atena e a chama de Hefesto. Com isso, o homem poderia usar a sabedoria, a inteligência e a indústria para lutar com os animais. Ele talvez não soubesse nadar como um peixe, mas podia descobrir como construir embarcações; ele talvez não corresse tão rápido quanto um cavalo, mas podia aprender a domar, ferrar e cavalgar. Um dia, poderia até construir asas para rivalizar com os pássaros.
De algum modo, então, por acidente e erro, só o homem, de todas as criaturas mortais, recebeu qualidades do Olimpo – não para rivalizar com os deuses, mas simplesmente para que pudesse manter distantes os animais mais perfeitamente equipados.
O nome de Prometeu significa, como eu já disse, “previsão”. Previsão tem implicações de longo alcance. Bertrand Russell, em seu História da filosofia ocidental (1945), tinha isto a dizer:
O homem civilizado se distingue do selvagem principalmente pela prudência, ou, para usar um termo ligeiramente mais amplo, previsão. Ele está disposto a suportar dores presentes a bem de prazeres futuros, mesmo se os prazeres futuros estiverem um tanto distantes. […] A verdadeira previsão só surge quando um homem faz alguma coisa na direção da qual nenhum impulso o impele, porque seu raciocínio lhe diz que ele terá proveito com aquilo em alguma data futura. […] O indivíduo, tendo adquirido o hábito de encarar sua vida como um todo, cada vez mais sacrifica seu presente ao futuro.
Esse talvez seja um jeito de sugerir que Prometeu é o pai da nossa civilização num sentido mais sutil do que o de prover o fogo, seja ele real ou simbólico. Prometeu também nos concedeu essa qualidade de previsão, de ser capaz de agir além do impulso. Terá sido a previsão de Prometeu que nos elevou de caçadores-coletores a agricultores, moradores em cidades e comerciantes? Você não labuta e planta, planeja e constrói, guarda e troca a não ser que seja capaz de olhar para o futuro.
Para que não levemos longe demais a veneração pelo ideal potencialmente do tipo cristão de Prometeu (um lema grego favorito era, afinal de contas, m dén ágan, “nada em demasia”), Russell nos lembra que os gregos pareciam estar conscientes da necessidade de contrabalançar sua influência com paixões mais sombrias, profundas, menos estáveis:
Fica claro que esse processo [agir com prudência e previsão] pode ser levado longe demais, como, por exemplo, pelo avaro. Mas, sem chegar a tais extremos, a prudência pode facilmente envolver a perda de algumas das melhores coisas na vida. Os adoradores de Dioniso reagem contra a prudência. Na embriaguez, física ou espiritual, ele recupera uma intensidade de sentimentos que a prudência tinha destruído; ele acha o mundo cheio de delícias e beleza, e sua imaginação fica repentinamente liberada da prisão das preocupações do dia a dia. Sem o elemento dionisíaco, a vida teria pouco interesse; com ele, é perigosa. Prudência versus paixão é um conflito que perpassa a história. Não é um conflito no qual tenhamos de tomar partido inteiramente de qualquer dos lados.
A complexidade e a ambiguidade de Prometeu são notáveis. Ele nos deu o fogo, o fogo criativo, mas também nos deu a previsão civilizatória – que calcou outro tipo de fogo, mais selvagem. É a recusa em ver quaisquer seres divinos como perfeitos, inteiros e completos em si mesmos, seja Zeus, seja Moros ou Prometeu, que torna os gregos tão satisfatórios. Para mim, pelo menos…